tag:blogger.com,1999:blog-46916560504128083492024-03-11T07:58:16.374-03:00† Âmago da Loucura †† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comBlogger182125tag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-15438567587126007192024-01-01T20:00:00.016-03:002024-01-01T21:07:30.755-03:00leitura: paciência<div style="text-align: left;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-dRCE7G2TkFYTB4VsG1noloAUgM5AwC1-Pcd2uwRk7RZmRTDtmzLzLcaJ-xERYgyeV5KCC6xsj9FwwjnnLZx_LHAQ2xG4LhSUWpjLWWWOkZ7EFou8pgijxd4vnaGiH6ppF_3SqiXMKTfXqoL3ZxhinDLNmAFYoy9zGLzotz5AVHzaW9Cp8W8JYqnIJPw/s1384/IMG_20240101_200439.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><br /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-dRCE7G2TkFYTB4VsG1noloAUgM5AwC1-Pcd2uwRk7RZmRTDtmzLzLcaJ-xERYgyeV5KCC6xsj9FwwjnnLZx_LHAQ2xG4LhSUWpjLWWWOkZ7EFou8pgijxd4vnaGiH6ppF_3SqiXMKTfXqoL3ZxhinDLNmAFYoy9zGLzotz5AVHzaW9Cp8W8JYqnIJPw/s1384/IMG_20240101_200439.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1384" data-original-width="1080" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-dRCE7G2TkFYTB4VsG1noloAUgM5AwC1-Pcd2uwRk7RZmRTDtmzLzLcaJ-xERYgyeV5KCC6xsj9FwwjnnLZx_LHAQ2xG4LhSUWpjLWWWOkZ7EFou8pgijxd4vnaGiH6ppF_3SqiXMKTfXqoL3ZxhinDLNmAFYoy9zGLzotz5AVHzaW9Cp8W8JYqnIJPw/w156-h200/IMG_20240101_200439.jpg" width="156" /></a></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Título: Paciência</div></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Autor: Daniel Clowes</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Editora: Nemo</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ano de lançamento: 2017</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Número de páginas: 181</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Lido em: 31-12-23 a 01-01-24</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Comprar na <a href="https://www.amazon.com.br/Paci%C3%AAncia-Daniel-Clowes/dp/8582863764?crid=VOC2FRRGF488&keywords=paci%C3%AAncia+daniel+clowes&qid=1704150584&sprefix=paci%C3%AAncia+%2Caps%2C338&sr=8-1&linkCode=ll1&tag=cintiafucking-20&linkId=a012534161a418db2fb9bd5d5dff2ff7&language=pt_BR&ref_=as_li_ss_tl" rel="nofollow" target="_blank">Amazon</a></span></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;">"Ela é a última pessoa em quem vou encostar. Pode ser que ainda tenha algum pedacinho, alguma</span><span> </span><span style="font-family: arial;">célula</span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;">dela na minha pele."</span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Paciência, de Daniel Clowes, foi um presente que ganhei de aniversário e que me acompanhou nessa virada de ano solitária. Já li algumas obras do Clowes, sendo "Ghost World" uma das minhas graphic novels preferidas da vida. Além disso, sou apaixonada por enredos que envolvem viagem no tempo e paradoxos, e essa é a premissa dessa graphic novel, então eu já esperava que seria uma leitura do meu agrado. Eu tento não criar tanta expectativa sobre histórias com viagem no tempo, porque é algo muito difícil de conduzir sem deixar furos ou se tornar algo altamente previsível, mas sendo Clowes, não consegui evitar criar expectativas, porém posso dizer que mesmo com a expectativa elevada, ela ainda conseguiu me surpreender positivamente.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A história começa no ano de 2012, quando Jack Barlow e sua esposa, Paciência, descobrem que terão um filho. Eles ficam muito felizes com a notícia, mas por outro lado, sendo bastante pobres e vivendo num momento de crise financeira nacional, eles começam a entrar em desespero por todas as demandas financeiras que ter um bebê exige. Paciência está desempregada e Jack encara um trabalho com salário ínfimo e sem perspectiva de conseguir algo melhor, já que não concluiu os estudos. Ele tenta manter uma fachada de esperança para não preocupar a esposa, mas as preocupações financeiras fazem com que eles fiquem introspectivos, mantendo seus pensamentos de insuficiência para si mesmos, ao invés de tentarem resolver os problemas juntos. Eles vivem nessa dualidade: enquanto Jack se acha pouco para Paciência, Paciência se acha pouco para Jack. </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Aliás, comunicação não é o forte do casal. Paciência dá sinais de ter um passado tenebroso e que ainda lhe assombra, mas nas poucas vezes em que ela tenta se abrir, Jack não quer falar sobre, achando que é melhorar deixar o passado no passado, para que ela não fique mais chateada.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Um dia, ao voltar do serviço, Jack encontra Paciência morta. A polícia logo o coloca como o principal e único suspeito do crime e ele é jogado na cadeia, onde fica por 10 meses, passando pelas mãos de advogados públicos incompetentes. Até que um dia o libertam e informam que encontraram fibras e DNA de outra pessoa na cena do crime. Com o tempo que passou, o caso esfriou e é arquivado.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Jack decide investigar por conta própria e viaja até a cidade de onde Paciência veio, seis anos antes, para tentar descobrir mais sobre sua vida e talvez encontrar suspeitos ou a pessoa que a assassinou. Paciência não tinha família viva além de uma irmã de criação </span><span style="font-family: arial;">que é uma viciada em drogas e tem pouco de concreto para oferecer para Jack além do nome de um ex-namorado, "Andy". Jack procura muito por esse ex-namorado, mas não encontra rastros dele.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Então somos levados para o ano de 2029, num mundo futurístico, onde Jack, agora na casa dos 50 anos, foi incapaz de superar a morte de sua esposa e filho, continua amargurado e buscando pistas para solucionar o crime. Toda a vida de Jack gira em torno do que aconteceu. A única coisa na qual ele pensa além do passado com Paciência e em seu assassinato, é na vida que poderia ter tido ao lado dela e do filho. Ele não tem amigos e não se envolveu novamente com nenhuma mulher. Ao longo dos anos ele apenas nutriu sua obsessão e rancor pelo que aconteceu.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Até que ele conhece uma prostituta e lhe conta sua história. Ela então lhe conta sobre Bernie, um cara que é tão obcecado quanto ele pela morte de alguém do passado e que vive falando sobre viagem no tempo. Isso entra na mente de Jack, e como todas suas tentativas de investigação deram em nada, ele decide ir atrás de Bernie para tentar voltar no tempo e impedir a morte de Paciência e seu filho.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Após vigiar e seguir Bernie, Jack descobre que o homem construiu um dispositivo e fez um elixir capaz de enviá-lo ao passado. Ele então rouba tal tecnologia de Bernie e embarca em sua jornada para salvar sua esposa e seu filho. Sua primeira parada é em 2006, seis anos antes do crime. Jack vai para a cidade onde Paciência cresceu e começa a observar sua vida, tentando descobrir mais sobre ela e sobre as pessoas com quem ela convive, tentando descobrir quem a assassinou.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Nessa busca, ele acaba descobrindo coisas sobre sua esposa que nunca havia imaginado, e apesar de tentar não interagir com ninguém do passado e deixar as coisas seguirem o curso natural para que eles se encontrem e se casem, Jack acaba se envolvendo mais do que deveria nos eventos, o que pode gerar consequências no futuro que ele conheceu ao lado de Paciência...</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Como disse, criar uma história sobre viagem no tempo não é uma tarefa fácil. Muitas pessoas que tentaram, no cinema ou na literatura, esbarraram em clichês ou meteram os pés pelas mãos, criando roteiros cheios de furos e confusão. Daniel Clowes, no entanto, conseguiu conduzir e amarrar a história muito bem. Apesar da complexidade do tema, ele produziu uma narrativa clara, envolvente e sagaz, que aborda a dor do luto, a revolta pelas desigualdades sociais e, claro, a dificuldade de viajar para o passado sem criar uma profecia autorealizável. Além disso, também explora os impactos da viagem no tempo para o corpo humano, uma vez que somos sacos de células. Nesse sentido, é especialmente</span><span style="font-family: arial;"> interessante acompanhar uma história do gênero por quadrinhos, já que nessa mídia não existe limitação nenhuma para efeitos especiais, desde que a pessoa responsável pela arte tenha talento e imaginação, e esse é o caso em "Paciência". As artes são muito bonitas e detalhadas (até nos planos de fundo), com cores vibrantes na era mais futurística e com ambientação saudosista quando o personagem viaja mais para o passado. Nos momentos em que fica evidente os danos físicos da viagem no tempo, temos uma explosão psicodélica de formas e cores que tomam conta das páginas de forma extraordinária.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Como era de se esperar de Daniel Clowes também, apesar da crueldade explícita e do tom sombrio dos personagens, temos diversos momentos de humor ácido e linguagem muito desbocada. No entanto, vale ressaltar que em muitos momentos há uma apelação contra o corpo gordo. São muitos os momentos de estigamatização do corpo gordo e gordofobia recreativa. Tem vários personagens gordos e Jack ataca a aparência de todos eles.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Tirando isso, foi uma leitura muito interessante e divertida, que também me gerou alguma reflexão: será que se esse crime não tivesse acontecido, Jack e Paciência teriam realmente ficado juntos e sido "felizes para sempre" como ele fantasiou por anos? A conexão deles me parecia tão fraca. Eles eram claramente codependentes, mas ao mesmo tempo não se abriam muito um para o outro. Não se conheciam profundamente. É possível realmente amar alguém que não conhecemos? Acredito que esse é um clássico caso onde os sentimentos são amplificados pela perda, e que beira mais obsessão do que amor. Não que seja uma obsessão injustificada, afinal, ele perdeu a esposa e o filho, independente do que viesse a acontrecer entre eles no futuro. Mas no fim das contas, o Jack do futuro conheceu mais de Paciência do que o Jack que a perdeu no começo da história algum dia conheceria.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Por fim, o </span><span style="font-family: arial;">motivo do crime não foi super elaborado e nem o final que eu esperava, mas me agradou. Fez sentido para a história. E o final do personagem Jack também foi muito legal e fechou bem a história.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Leitura recomendada! </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">* Uma pequena crítica que eu tenho, é para a tradução e revisão de texto, que em determinados momentos deixou a desejar, especialmente quando li um "ciclano" ao invés de "sicrano". Em escrita informal, amadora ou em tradução gratuita, eu não ligo para como as pessoas escrevem e considero que o importante é se fazer entender. Mas uma tradução e publicação desse porte merecia mais atenção e cuidado.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Vou dizer o final que eu esperava abaixo e isso pode ser um tipo de spoiler, então leia por sua conta e risco!</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Pensei que o prório Jack mais velho (que viajou no tempo) poderia acabar sendo o assassino por algum motivo. O próprio personagem levanta esse receio em determinado ponto da história</span></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-55545311195954225322023-12-31T16:43:00.004-03:002023-12-31T17:13:40.947-03:00mudança <div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;">No começo do ano eu disse que meu espírito estava pedindo por mudança. Mas como mudar? De tantas formas, mudança nunca foi algo fácil para mim. Eu já fui bem impulsiva, até mesmo destemida diante do perigo, mas essa impulsividade nunca produziu nenhuma mudança real na minha vida. Em questões práticas e necessárias para viver em sociedade, sempre me vi travada.</div><div style="text-align: justify;">Hoje eu me vejo como uma pessoa muito mais cautelosa. Os anos e as pessoas me fizeram alguém medrosa. Até na minha autodestruição eu fiquei mais contida. E de repente, nada daquilo fazia sentido. A autodestruição, que antes me dava algum alívio, já não surtia efeito.</div><div style="text-align: justify;">Eu precisava de uma mudança, meu espírito estava pedindo por isso, mas eu não sei como mudar. Qual direção tomar? Quais medidas? Quais ações? E eu caí num abismo, que foi desconhecer a mim mesma. Comecei a perceber que as coisas que eu gostava, já não gosto mais. Que o que antes era meta, deixou de ser. Que muito do que eu acreditava, já não acredito. Que as coisas com as quais me identicava, já não me identifico. Que muitas vezes digo que gosto de algo que gostava antes, só por hábito. Hoje eu conheço mais quem eu fui, do que quem eu sou.</div><div style="text-align: justify;">E ninguém me conhece também. Não de verdade. As pessoas conhecem e buscam quem eu fui, não quem eu sou.</div><div style="text-align: justify;">Do que eu gosto agora? Quem eu sou agora?</div><div style="text-align: justify;">Como mudar, quando não sabemos quem somos e o que queremos?</div><div style="text-align: justify;">Até que o universo impulsionou esse processo de mudança pra mim. De certa forma, as coisas foram se encaixando e funcionando a meu favor. Não estou dizendo que esse ano foi fácil, pelo contrário. Eu senti muita dor, física e emocional. Senti muita solidão. Mais do que eu pensei que pudesse suportar. Mas também ganhei algumas ferramentas e armas para tentar navegar pelo caos que sempre foi minha vida.</div><div style="text-align: justify;">Primeiro, a natação, que é algo que eu gosto desde criança e não tinha acesso. Voltar para a natação depois de tantos anos, foi como reencontrar a Cíntia de 10 anos. Em alguns aspectos, eu me vi muito similar a ela, mas em outros, muito diferente. Eu achei que ela sentiria orgulho de saber que nós não temos vergonha do nosso corpo mais e que estamos finalmente construindo uma relação mais saudável com comida. Apesar dos muitos desafios envolvidos em fazer aulas de natação, tive muitos momentos de paz e contentamento dentro da água esse ano. E espero levar isso para 2024.</div><div style="text-align: justify;">Depois consegui uma psicóloga muito boa e empática, com a ajuda de um amigo, e na sequência uma psiquiatra especialista em neurodiversidade, com a ajuda de uma seguidora gorda e autista, e embarquei num processo de olhar pro meu passado e pros meus diagnósticos até aquele momento de uma forma diferente. Há muito tempo eu sentia que meus diagnósticos dos último 10 anos não contemplavam minhas vivências e minhas dificuldades diante do mundo. Eu sentia que não era o suficiente para explicar minhas necessidades de suporte. A psiquiatria vai avançando, e com isso mudam definições e conceitos. Aos poucos, quem não era visto e nem validado, começa a ser. Poucas vezes tive um acolhimento psicológico e psiquiátrico realmente humano. Poucas vezes me senti vista em consultórios de saúde mental. Com essas duas profissionais atuais, eu senti que fui vista e validada. Viram além da tristeza, além das cicatrizes, além até mesmo dos abusos. Olharam e me ajudaram a olhar pra minha vida toda, desde quando eu era bebê. Eu descobri coisas (com a ajuda da minha mãe, que respondeu questionários) sobre a minha primeira infância que não fazia idéia e que elucidaram muitas questões do passado e do presente. Que levaram a novos diagnósticos, que podem me garantir o suporte que eu preciso para talvez conseguir mudar de forma mais substancial.</div><div style="text-align: justify;">Receber diagnósticos corretos depois de tantos anos de luta pela minha saúde mental foi positivo, mas não posso dizer que foi fácil desapegar de diagnósticos que carreguei por mais de 10 anos, mesmo que com eles eu carregasse muita marginalização e negligência. Era o que eu sabia. Eu passei anos lendo e estudando sobre aquilo. Agora eu estou num campo semi-desconhecido. Ainda estou digerindo tudo que está atrelado a isso, inclusive as possibilidades que me foram negadas com um diagnóstico errado por boa parte da minha vida. Eu poderia ser outra pessoa se tivesse tido o tratamento adequado. O que ainda é possível salvar disso?</div><div style="text-align: justify;">Esse ano eu fiquei bem introspectiva, mais do que o normal, e guardei muito de mim para mim mesma. Eu sempre olhei muito para o meu passado, o expus, mas sempre com rancor, às vezes até de mim mesma. Nunca consegui me acolher muito bem. Com a minha psicóloga atual, eu estou conseguindo olhar para o passado, para as diversas Cíntias que fui, com acolhimento. Quando não sou capaz de dar esse acolhimento, minha psicóloga acolhe as Cíntias do passado e a Cíntia do presente, sentada ali na sua frente.</div><div style="text-align: justify;">Acho que nunca estive tão aberta para o tratamento psiquiátrico e psicológico como estou nesse momento, e minha cabeça também está mais clara com as medicações e as intervenções terapêuticas agora que não consumo nenhum tipo de droga (nem mesmo álcool) e não estou sendo dopada com remédios ineficientes para o meu caso. É algo totalmente diferente do que vivenciei até aqui, fazendo tratamento desde os meus 15 anos. Isso é mudança, certo?</div><div style="text-align: justify;">Depois de receber os novos diagnósticos, sobre os quais ainda não me sinto confortável para aprofundar muito, fui conversar com a minha psiquiatra anterior à atual, que me acompanhou antes da pandemia. Eu gostava muito dela e nos tornamos amigas quando o sistema nos separou enquanto paciente e profissional. Falei para ela sobre esses novos diagnósticos e pedi a opinião informal dela, como alguém que sabe da minha história e me acompanhou, mesmo que por pouco tempo. Ela deu sua opinião, mas o que me marcou foi quando ela disse que tudo que eu passei na infância foi enlouquecedor. E que eu enlouqueci, mas os livros me salvaram, de alguma forma, e a minha loucura ficou contida dentro de uma intelectualidade. Eu senti essas palavras. Acho que foi um misto dessa reflexão com o efeito dos remédios, mas depois disso eu recuperei o apetite pela leitura de uma forma que não conseguia há anos. Consegui ler diversos livros depois desse processo e dessa conversa. Voltei a me envolver com as histórias que leio, voltei a sentir aquela ansiedade boa para saber o que acontece a cada virada de página, voltei a ficar tão imersa nas páginas, que os problemas somem. Comecei até a me desesperar um pouco por todo o tempo que perdi, que deixei de ler. Eu fiquei e estou muito contente por voltar a me sentir assim sobre livros.</div><div style="text-align: justify;">Por fim, no último minuto do segundo tempo, veio a maior mudança desse ano: a mudança forçada de casa. Fui despejada injustamente de onde morava e em menos de 20 dias, completamente sozinha, tive que encontrar uma nova casa, encaixotar tudo, encontrar prestadores de serviço, limpar tudo, fazer a mudança e agora termino 2023 tentando finalizar essa mudança. Tentando colocar tudo no lugar, zerar as caixas.</div><div style="text-align: justify;">Quando eu recebi o despejo, tentei não me desesperar. Eu já queria mudar de lá, por vários motivos, mas tinha medo. Medo de ir pra outro lugar, de ter que me adaptar a outro lugar, de desapegar de um espaço no qual vivi momentos que nunca mais irei viver, com alguém que amei muito. Medo de ter que conhecer novas ruas. Andar por novas ruas. Conhecer novos vizinhos. Eu iria adiar essa mudança o máximo, pelo medo. Mas a vida se encarregou de me forçar a mudar, porque eu precisava disso. Dizem que há males que vêm para o bem, não? Dessa vez essa frase pareceu verdade. Eu encontrei uma casa muito melhor, que parece ter sido feita para mim, e com toda correria, deu certo. Eu tinha outros planos para esse fim de ano, para o natal, ano novo e meu aniversário, mas se não fosse isso, se eu esperasse, provavelmente perderia a oportunidade de estar nessa casa que acredito que me fará muito bem.</div><div style="text-align: justify;">Eu não fui tudo que queria ser em 2023, mas fui o que deu pra ser. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-58561643048838829972023-12-24T00:20:00.008-03:002023-12-24T00:26:31.248-03:00arte<div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"> Outro dia eu contei sobre uma vez que uma cigana leu minha mão e me disse que eu tenho mãos de cura, que deveria ser médica, ao que eu respondi que o que eu queria era curar as pessoas com a minha ARTE.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Um hater me mandou uma mensagem questionando "que arte que eu faço" que teria o poder de curar alguém, e outras tantas pessoas me disseram que eu sou minha maior obra de arte, e que as "curei".</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">A arte esteve comigo desde antes de eu saber que ela existia. A arte da escrita, acima de todas. Primeiro como leitora, e depois como escritora. Ela me fez encontrar meu lugar no mundo. Me ofereceu conforto, compreensão, companhia... me fez sentir inteligente quando a escola dizia que eu era burra por não florescer num sistema engessado. E depois todas as outras formas de arte foram surgindo, me cativando e ganhando espaço na minha vida. Eu sobrevivi 28 anos porque a arte existe em mim. Através dela eu pude me expressar, me entender, manter minha sanidade...</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Nunca gostei de discutir "o que é arte". Acho este um debate irrelevante e pretensioso. Cada pessoa sente as coisas de uma maneira. O que me afeta, pode não afetar o outro. O que me arrebata, seja pela mensagem ou pela estética, pode fazer o outro bocejar de tanto tédio.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Desenho é arte, pintura é arte, música é arte, cinema é arte, fotografia é arte, escrita é arte, Romero Britto é arte, ler mãos é arte, sexo é arte, o corpo humano é arte. Eu sou arte. A arte não precisa agradar a todos, não precisa ser universalmente conhecida, aceita ou rejeitada, para ser ou não arte. Não precisa ser experimentada por ninguém além de seu autor para ser arte - A arte engavetada ainda é arte. O que você não entende ou não gosta, não deixa de ser arte!</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Eu me sinto compreendida quando as pessoas me dizem que eu sou arte, poesia. E sempre que eu recebo mensagens dizendo que eu fiz parte da "cura" de alguém, sinto que não estou aqui à toa. Fico contente de o meu corpo ter se tornado a minha principal ferramenta de expressão, porque, ao menos nessa existência, onde eu for, ele vai estar comigo. Eu não preciso de muito mais que isso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Texto de 24 de dezembro de 2018</div></span></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-38135102702473875722023-11-22T14:32:00.007-03:002023-11-22T15:12:25.425-03:00leitura: solitária<div style="background-color: white; color: #444444; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidNXX83ZntsphaXdcf65Sr7e9Is1_u3Y1KWuZM43Vgc-TxVRstrO3T886SC1JlnJHv6XDONzW6cTj8mig2RDL_hYdvrEuR2cZBQSCMo3ENhlhuw5h5CnpvlBkTep25QkVYed4YIEgmv2B9jfklWyZEDe4ACqGfTIJfxOvj7QQ0MedbOyIwKhtxNCj_hxc/s1920/IMG_20231122_144511_878.webp" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1920" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidNXX83ZntsphaXdcf65Sr7e9Is1_u3Y1KWuZM43Vgc-TxVRstrO3T886SC1JlnJHv6XDONzW6cTj8mig2RDL_hYdvrEuR2cZBQSCMo3ENhlhuw5h5CnpvlBkTep25QkVYed4YIEgmv2B9jfklWyZEDe4ACqGfTIJfxOvj7QQ0MedbOyIwKhtxNCj_hxc/s320/IMG_20231122_144511_878.webp" width="180" /></a></div>Título: Solitária<br />Autora: Eliana Alves Cruz<br />Editora: Companhia das Letras<br />Ano de lançamento: 2022<br />Número de páginas: 161</span></div><div style="background-color: white; color: #444444; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Lido em: novembro de 2023<br />Comprar na <a href="https://amzn.to/3QOed2p" style="color: #3778cd; text-decoration-line: none;" target="_blank">Amazon</a></span></div><div style="background-color: white; color: #444444; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;"><br /></div><div style="background-color: white; color: #444444; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><a href="https://amzn.to/47kVd2s" style="color: #3778cd; text-decoration-line: none;" target="_blank"><br /></a><div style="text-align: center;">"É curioso reparar como algumas pessoas nesse mundo não têm direito à meninice. Quando ainda mal se sustentam em cima das pernas, são vistas como adultas; enquanto outras serão para sempre garotos e garotas."</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Essa é uma boa frase para resumir "Solitária", que começa sua narrativa no sudeste, no fim dos anos 90, sob a perspectiva de Mabel, uma garotinha negra que um dia é levada por sua mãe, Eunice, para o luxuoso apartamento onde esta trabalha para uma família muito rica como doméstica. Ali Mabel é imediatamente confinada a um quartinho de empregada, pois sua presença é um incomodo para Lúcia e Tiago, os patrões de sua mãe. Logo nesse primeiro contato com essa família, Mabel conhece Irene, uma menina negra de 13 anos que foi trazida do interior para ser a babá de uma criança branca. Nesse mesmo dia, Mabel presencia um acidente envolvendo essa criança branca e vê Irene sendo punida pelo ocorrido, sabendo, mesmo em seus poucos anos, que aquela moça poderia ser sua irmã.<br /></div><div style="text-align: justify;">Quando a patroa de Eunice engravida, a presença de Mabel na casa passa a ser "tolerada", desde que ela "não faça barulho" e "não fique no caminho". Na verdade, Mabel começa a ser usada como força de trabalho, tendo que ajudar sua mãe nos afazeres domésticos e nos cuidados da filha dos patrões da mãe. Enquanto Mabel tem sua infância roubada e passa a dividir de forma permanente com a mãe o quartinho de empregada onde tudo é reduzido, Lúcia ganha "duas domésticas pelo preço de uma". Porém, assim como sua avó, uma mulher orgulhosa de suas raizes e insubordinada, à medida que Mabel vai crescendo, ela vai se revoltando contra aquela família e contra aquele sistema de servilidade ao qual sua mãe está presa e decide estudar e se tornar médica para tirá-las daquela situação. Os patrões de sua mãe tratam de forma desdenhosa o sonho de Mabel de se tornar médica, algo quase impensável para uma menina negra e filha de uma doméstica, mas a menina está determinada e se empenha nesse objetivo. Enquanto se divide entre os afazeres domésticos, uma rotina rigorosa de estudos e seus dilemas de adolescente, Mabel cresce solitária entre as quatro paredes silenciosas do quartinho de empregada, tendo que arcar sozinha com as consequências dos seus atos, enquanto sua mãe se dedica não à criação dela, mas à da filha branca de sua patroa, uma menina tão mesquinha e mimada quanto seus pais, mas por quem Eunice tem muito amor.</div><div style="text-align: justify;">A segunda parte do livro nos oferece a perspectiva de Eunice, uma mulher negra reduzida não aos seus sonhos, mas às suas responsabilidades. Uma mulher que se viu esposa e mãe muito cedo, como muitas antes de si, e que teve que se conformar com o sistema, abrindo mão de seu orgulho e de seus desejos para sustentar uma mãe idosa e doente e uma filha pequena, enquanto seu marido, um homem alcoólatra e por vezes agressivo, vencido pelo sistema, abandona não apenas a família, mas a si mesmo.</div><div style="text-align: justify;">Eunice se anula em função dos patrões e pela moral machista da sociedade e se vê constantemente dividida entre o amor que sente pela filha e o amor que sente por Camila, a filha da patroa, já que a criou desde bebê. Mas quando os atos irresponsáveis de Camila culminam em uma grande tragédia, Eunice precisa tomar uma decisão.</div><div style="text-align: justify;">Além de Mabel e Eunice, o livro também tem seu foco narrativo na família do porteiro Jurandir, que vive em um quartinho tão "inho" quanto o de Eunice e Mabel, porém mais insalubre, com poluição o invadindo dia e noite. "Solitária", o título do livro, não se refere apenas ao sentimento de solidão, mas também aos quartinhos destinados às classes mais pobres, que são como prisões. Jurandir é viúvo e pai de João Paulo e Cacau. Enquanto o segundo decide, assim como Mabel, focar nos estudos para a possibilidade de uma vida melhor, João Paulo é um jovem revoltado contra o sistema, mas que não sabe para onde direcionar sua revolta, ocupando, na visão social, o papel do homem negro "marginal", apesar de estar muito longe de sê-lo: João Paulo também trabalha desde muito novo e teve sua infância tolhida pelo racismo.</div><div style="text-align: justify;">Solitária é um livro curto, mas que abarca muitas coisas. Na minha opinião, não precisava ser tão curto. A autora poderia ter acrescentado mais camadas para alguns dos personagens secundários, poderia ter criado mais cenas e ter marcado melhor o espaço entre as fases que transcorrem ao longo de 20 anos, para dar mais profundidade aos acontecimentos. Algumas situações são colocadas de maneira muito abrupta. Ainda assim, com "Solitária", Eliana Alves Cruz cumpre bem a função de desenhar vários aspectos de uma sociedade racista e elitista, nos mostrando diferentes perspectivas e reações a essa estrutura que se perpetua há séculos. Esse livro fala sobre a infância roubada de crianças negras, sobre a eterna criancice de pessoas brancas, sobre mulheres negras que precisam abrir mão de cuidar de seus filhos para cuidar dos filhos de pessoas brancas, sobre homens negros em situação de rua e muitos outros resultados do racismo estrutural. De forma direta ou mais sutil, esse livro tem muito a dizer. Muito atual e trazendo eventos reais, ele é um registro do cenário social e político dos últimos 20 anos do Brasil, retratando uma elite não só acostumada a escravizar pessoas negras e pobres, mas também ressentida dessas pessoas finalmente estarem ocupando espaços até então exclusivos a ela. Uma elite sem vergonha de dizer coisas como: "esse vaso vale mais do que vinte anos do seu salário" e que apoia um governo golpista para tentar manter seus privilégios.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">O que me chama mais atenção, porém, para além da abordagem sobre o impacto do racismo sobre a infância de crianças negras, é a demarcação das diferenças psíquicas e estruturais do racismo entre homens e mulheres, já que além do racismo, mulheres enfrentam também a carga do machismo e da maternidade compulsória (muitas vezes fruto da falta de educação sexual): mulheres negras não podem se dar ao luxo de se abandonar, não podem esmorecer, elas têm que se manter fortes, dentro de quartinhos solitários, para ser a base da próxima geração de pessoas negras. Afinal, por trás de cada pessoa negra, especialmente mulheres negras, têm outras mulheres negras que lutaram muito e deram o sangue para um futuro melhor para os seus. Mesmo que de formas diferentes, mulheres negras estão sempre sustentando umas às outras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Livro recomendado.</div></span></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-51323943810084765462023-11-18T17:55:00.007-03:002023-11-18T21:36:17.277-03:00as últimas horas da borboleta...<div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQYV0PYSAq9jdGQgS_DpTNEl-g3odivTgzGBRC1GdXZXixfRvQD0zXmNdX484LZP5bjHYn_-1IK5qkItqqbap9MSkZiQ8EmmhczCjf2o-660RXMYWs8RuW5ZfMclB_UxmUUAQZDQ7RZiyRbV9u9lkijtqg9a3arF8tw36e8XO3HsrlCtiBwMOEFSCmgxY/s2368/Lumii_20231118_164421719.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2366" data-original-width="2368" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQYV0PYSAq9jdGQgS_DpTNEl-g3odivTgzGBRC1GdXZXixfRvQD0zXmNdX484LZP5bjHYn_-1IK5qkItqqbap9MSkZiQ8EmmhczCjf2o-660RXMYWs8RuW5ZfMclB_UxmUUAQZDQ7RZiyRbV9u9lkijtqg9a3arF8tw36e8XO3HsrlCtiBwMOEFSCmgxY/w200-h200/Lumii_20231118_164421719.jpg" width="200" /></a></div>o que me move...?</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Estava a caminho da academia. Estava atrasada, mas sabia que se a deixasse ali, ela morreria grudada no asfalto, assim como a borboleta que encontrei outro dia.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Sempre que eu vejo uma borboleta voando, eu paro, na expectativa de que ela pouse em mim, um presságio de felicidade. Mas elas nunca pousam. Elas passam por mim. As pessoas dizem que não adianta correr atrás de borboletas, nós temos que cuidar do nosso jardim e elas virão. (...)</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Todo inseto que me procura, está morrendo (quase nunca borboletas). Eu coloco uma música triste, faço companhia... Mas eles morrem sozinhos, como toda criatura.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Bem, apesar do atraso, eu abaixei e recolhi a borboleta do asfalto. Minha intenção era deixá-la em algum canteiro ou árvore, mas ela estava ferida. O vento batia e a arrastava. Ela não conseguia manter seu voo. Tentei deixar num jardim no caminho do ponto de ônibus, mas não tive coragem. Fiz minhas mãos em copo, levando ela no centro escuro e protegido contra o vento. Peguei o ônibus com a borboleta nas mãos, todo mundo me olhando com curiosidade ou estranheza. Mas, como eu faria com ela ao chegar na academia? Guardaria no armário? Lembrei que lá tem um jardim bem grande no estacionamento. Fui lá, a deixei em um graveto entre árvores, folhas e flores. Entre predadores. Fiz a natação pensando nela. Se ela conseguiria se defender. Se teria sido comida por formigas. Depois da aula, fui lá olhar. Pensei em deixar ela lá, parecia mais digno morrer na natureza selvagem do que ficar entre as paredes da minha casa, depois de uma longa metamorfose. Novamente, não tive coragem. A coloquei em um copo, dessa vez de plástico, peguei o ônibus, depois o trem, sempre cobrindo o copo com a mão para o vento não machucá-la. Vim para casa sob um sol escaldante, com receio de morrermos no caminho. Chegamos em casa molengas, mas sobrevivemos.</div><div style="text-align: justify;">Ela não pousou em mim. Ela aceitou a minha mão. Ela não me trouxe felicidade. Ela me trouxe, sim, alegria por sua existência e por sua beleza, aflorou meu instinto de proteção, me fez sentir ternura... mas me trouxe outros sentimentos negativos por seu destino. Pelo destino de todos os seres. Hoje essa borboleta me moveu, mas ao cruzar o meu caminho, ela me trouxe tristeza em um dia já triste, por me fazer pensar no desperdício que é passar por uma transformação longa e dolorosa, criar asas, para no fim acabar confinada em um quartinho, esperando a morte. E depois, tirando essas fotos — confesso, por imposição minha —, ela me fez olhar pra mim e me fez pensar no meu tempo passando. No meu rosto mudando. Nas novas marcas que eu tenho ignorado. Eu vi beleza nisso tudo, na minha pele, nas nossas cores, em suas asas, mas tem sempre um pouco de tristeza também.</div></span></div><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O que me move...?</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">A minha solidão? O meu desejo pela companhia? O meu medo de morrer sem ter ninguém para me aninhar e me proteger do vento... O que me move é o meu medo de ser arrastada por esse mundo, assim, sem defesa. </span><span style="font-family: arial;">Quando acolho um inseto morrendo, não sou movida só por bondade, por identificação ou por hiperfoco: tem muito mais de egoísmo. Por alguns momentos eles me tiram da minha solidão. É um tipo tão triste de companhia. Um tipo tão triste de beleza.</span></p>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-71249293068329670502023-11-11T12:05:00.004-03:002023-11-11T12:18:10.564-03:00leitura: pequena coreografia do adeus<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikNRkn6he85N05we9gx5a2rLqRAMzUD1m19ZxythBQWIaeptO5CsHvyPbO9RC5setj9B4lF4QdJX4fPJj2Gt12wcm_7YuLmxA2XRo49XkfdoFHJphuoIjpVSS6iZjo1vTd70AclefyyMgGH6oBp-JHx4R0pfwiSffzGRvOFSQGoEyt6fjV7l9vE6xTms4/s1920/IMG_20231111_120919_370.webp" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1920" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikNRkn6he85N05we9gx5a2rLqRAMzUD1m19ZxythBQWIaeptO5CsHvyPbO9RC5setj9B4lF4QdJX4fPJj2Gt12wcm_7YuLmxA2XRo49XkfdoFHJphuoIjpVSS6iZjo1vTd70AclefyyMgGH6oBp-JHx4R0pfwiSffzGRvOFSQGoEyt6fjV7l9vE6xTms4/s320/IMG_20231111_120919_370.webp" width="180" /></a></div><br />Título: Pequena Coreografia do Adeus<br />Autora: Aline Bei<br />Editora: Companhia das Letras<br />Ano de lançamento: 2021<br />Número de páginas: 282</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Lido em: novembro de 2023<br />Comprar na <a href="https://amzn.to/47kVd2s" target="_blank">Amazon</a></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><a href="https://amzn.to/47kVd2s" target="_blank"><br /></a><div style="text-align: center;">"A queda ensina mais do que o voo"...</div></span></div><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: center;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><span style="font-family: arial;"> Essa é uma das <b>muitas </b>frases impactantes desse livro tão inovador de Aline Bei, que de forma magistral lapida um romance em formato de poesia. Quem não gosta da estrutura da poesia e está preso à prosa, seja pelo aspecto visual ou pela diferença de ritmo, pode estranhar ou até mesmo não dar uma chance à obra de Bei, mas qualquer pessoa com um pingo de sensibilidade que se permitir ler este livro vai ficar extasiada por seu talento e por sua força narrativa.<br />"Pequena Coreografia do Adeus" nos apresenta, em primeira pessoa, a história de Júlia, desde sua infância, à sua adolescência e começo da vida adulta. Enquanto criança, Júlia vive com sua mãe, Vera, e seu pai, Sérgio, que arrastam uma relação infeliz e por vezes psicologicamente violenta. Vera é uma mulher que veio de um contexto de violência e abandono familiar e carrega um enorme descontentamento pelo rumo que sua vida tomou. Ao longo dos anos, levando consigo as mágoas pela própria mãe e pelo casamento miserável, Vera teve seus sonhos aniquilados e desconta suas frustrações e rancores agredindo a filha, Júlia, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Ela se justifica repetidamente dizendo que sua mãe "era muito pior do que ela", mas Júlia sabe que ser "menos pior" do que alguém ruim não é o suficiente, e logo surge a dúvida, para nós, leitores: será Júlia capaz de quebrar esse ciclo e ser MELHOR do que sua mãe?</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Todos os dias a menina leva surras cada vez mais pesadas, enquanto seu pai assiste em silêncio, omisso ao que acontece dentro de sua casa. Seu pai é um homem órfão, que também tem pouco repertório afetivo e não sabe expressar seus sentimentos. Até que um dia ele decide, sem muitos rodeios, abandonar a esposa, dizendo que "ninguém a aguenta". Porém, ao abandonar Vera, Sérgio acaba, por tabela, abandonando Júlia à própria sorte em uma casa onde ela é abertamente vitimizada. A filha</span><span style="font-family: arial;"> até pede para morar com o pai, mas ele rejeita veementemente a ideia. Júlia entende que enquanto seu pai abandonou sua mãe de uma vez, a abandona em pequenas doses.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Pessoalmente, acredito que uma pessoa que se omite nessas situações, é tão ruim quanto quem pratica as agressões, mas é muito comum, na nossa sociedade, em casos de divórcio, a integridade da criança não ser levada em consideração, como se um casamento fosse apenas sobre um casal. Um casamento que gera filhos, é sobre eles também! Como um pai ou uma mãe pode virar as costas e deixar para trás um filho ou uma filha sofrendo abusos? Como em muitos momentos desse livro, eu me identifiquei profundamente com Júlia. Senti isso na pele. Meu pai "não suportava a minha mãe", falava que ela era a pior pessoa do mundo, mas me deixou com ela. Como meu pai, o pai de Júlia pensou apenas nos próprios incomodos e problemas.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Com o abandono do marido, Vera se torna mais amargurada e mais agressiva, exceto a noite, quando busca afeto na filha para silenciar sua solidão. Júlia aproveita o que pode quando sua mãe abaixa a guarda, porém, n</span><span style="font-family: arial;">a maior parte do tempo, a menina fica sozinha com suas dores e só tem seu diário e um pouco de música para lhe acolher. Júlia não consegue se ajustar na escola, especialmente após o divórcio dos pais, pois além de ser "diferente",</span><span style="font-family: arial;"> passa a reproduzir a violência que sofre, agredindo suas colegas. Em uma ocasião, chega a quebrar o nariz de uma menina. Para "ensinar" à Júlia que "quebrar coisas tem consequências", Vera lhe dá uma surra e quebra todos seus pertences. A lição que Júlia tira disso, é que "quebrar coisas tem suas consequências apenas dependendo de quem você é". </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Apesar da agressividade, Júlia é querida por professores, que diferente de seus pais veem seu potencial criativo, sua sensibilidade e sua inteligência. A diretora então sugere que Júlia comece a praticar balé para ter onde alocar suas emoções e energias. A garota fica muito feliz com a ideia, pois ama música e vê muita beleza na dança, mas não é bem aceita pelas outras meninas e nem pela professora de dança e novamente é rejeitada, recebendo o rótulo de inadequada e sendo jogada na solidão.<br />A história de Júlia é pesada e triste. É, por fim, um perfeito retrato de filhos de pais disfuncionais, de pais divorciados e de famílias presas em ciclos de violência; pinta fielmente a solidão e a impotência de algumas crianças frente a pais que abusam de "autoridade". Contudo, Aline Bei consegue contar essa história de forma quase leve. Não é uma leitura que gera agonia, apesar de gerar revolta e muito impacto com frases muito marcantes e análises sociais certeiras. É realmente como assistir ao mais sensível balé de palavras. O que me impressiona e me encanta, é que apesar de toda a violência e solidão a qual foi exposta, o que gerou muita revolta justificada, uma inadequação e sentimento de desconfiança natural, Júlia consegue, SIM, se tornar uma pessoa boa, empática e sensível. Uma pessoa que oferece muito mais aos pais do que eles merecem.</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Eu me identifico muito com a Júlia em diversas questões. São tantos detalhes que a autora inseriu nessa história que eu também vivi, tantas situações que eu jamais pensei que outras pessoas tivessem passado, que me senti até mesmo invadida, como se ela tivesse tirado confissões de mim e usado em sua obra. Fico pensando se essa é a vivência da autora, apesar de haver uma afirmação de praxe de que tudo aquilo é ficção. Para mim é muito estranho alguém relatar tudo isso de forma tão precisa sem ter vivido isso. Talvez porque minha escrita é muito focada em mim mesma... </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Eu só não gostei do final. Queria ter visto mais essa pessoa que a Júlia se tornou e quem ela ainda poderia se tornar... mas isso não importa. A trajetória é o que importa. </span><span style="font-family: arial;">Foi uma experiência incrível ler esse livro, foi muito enriquecedor para mim, não só enquanto leitora, mas também enquanto escritora. Confesso que senti um pouco de inveja da genialidade de Aline Bei! Para algumas pessoas isso pode soar horrível, mas na minha linguagem, isso é uma forma de expressar minha admiração. Espero um dia conseguir escrever tão bem, criar uma história tão boa e inteligente (e ir além das minhas próprias vivências). </span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Leitura recomendada!</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-61341562792771056242023-09-25T00:59:00.007-03:002023-09-25T03:29:12.295-03:00confissão<p style="text-align: justify;"><i>aviso de gatilho: descrições fortes envolvendo pedofilia e comportamento autolesivo, menções a insetos </i></p><p></p><div style="text-align: justify;">Sonhei com o meu tio. Ultimamente eu tenho vivido mais em sonhos e pesadelos do que na realidade (será que essa é mesmo a realidade?). Eu estava na casa onde tudo aconteceu, lá em Ferraz, e ele estava atrás de mim, com um lado do corpo podre. A cara dele estava diferente, mas eu sabia que era ele. Eu estava fugindo dele. Tinha uma multidão atrás dele, e de forma aleatória, o meu atual professor de natação estava bem ao lado dele. As pessoas tentavam me forçar a parar de fugir, a ser receptiva. A ser educada.</div><div style="text-align: justify;">...</div><div style="text-align: justify;">Era assim que faziam quando eu era criança. Às vezes eu tentava evitar ficar sozinha com o meu tio, porque sabia que ele faria coisas que eu não entendia, mas que me deixavam desconfortável, e me diziam, de forma impaciente: "vai lá ficar com o Andy". Como se eu fosse um estorvo que cabia a ele cuidar. O papel dele era cuidar de mim. Minha mãe pensava que ele estava cuidando de mim, enquanto ele me fazia tocá-lo por baixo das cobertas, ao lado dos meus irmãos, que assistiam TV sem saber o que estava acontecendo. Minha avó pensava que ele estava cuidando de mim, no cômodo ao lado, enquanto ele abaixava a minha calcinha e me fazia sentar no colo dele. Meu avô pensava que meu tio estava cuidando de mim, enquanto ele colocava açúcar na cabeça do próprio pau e me fazia lamber. Meu pai não sabia se tinha alguém cuidando de mim ou não, enquanto eu <b>engasgava</b>, enojada, no ato.</div><p></p><p></p><div style="text-align: justify;">Tem dias que eu esqueço que o meu tio morreu. Faz mais de um ano que ele morreu <b>engasgado </b>com um pedaço de pizza, mas como eu previ, ele continua vivo de forma nítida dentro de mim. A morte dele não resolveu nada. Ele nunca morre dentro das minhas memórias e dos meus sonhos que viram pesadelos. Dentro da minha solidão e desesperança. Dentro da minha RAIVA. Dentro do meu medo de que façam algo assim com a Júlia. Ele está vivo no meu corpo moído de dor e cansaço.</div><div style="text-align: justify;">Eu lembro da voz dele, da textura dele, lembro do cheiro dele: o cheiro de cachaça que eu também tive em mim por muito tempo e que agora não suporto sentir nos bêbados imundos da cidade.</div><div style="text-align: justify;">Tenho tido memórias sensoriais da minha infância. São quase delírios. Sinto esse cheiro de sujeira velha misturado com pinga dentro do meu nariz. Estou sentindo agora mesmo. Sinto os insetos rastejando sob a minha pele, como quando me trancavam no porão e riam do meu desespero. Sinto diariamente dores pelo meu corpo, como se eu tivesse levado uma surra de cinto. Me sinto fora do meu corpo, tentando me agarrar a realidade.</div><div style="text-align: justify;">Acho que me debati tanto enquanto fugia dele no meu sonho, que acordei com o corpo todo dolorido (mais do que o habitual), e ironicamente, quando sentei para escrever esse texto, senti algo subindo pela minha perna e quando olhei para baixo tinha uma barata em mim. Não era um delírio, era uma barata bem real e grande, esfregando suas patas imundas na minha pele. Antes eu choraria e gritaria, mas estou me sentindo tão cansada, que nem uma barata subindo pela minha perna me provoca grandes reações.</div><div style="text-align: justify;">....</div><div style="text-align: justify;">Depois que meu tio morreu, minha mãe me procurou diversas vezes para lamentar a morte dele. Ele era o irmão preferido dela, o irmão caçula, o irmão que ela fazia de boneca, colocando-lhe vestidos. Não contente em anular a minha dor ao ter me tirado de mentirosa por metade da minha vida, mesmo após a morte dele, ela achou que eu seria a pessoa certa para lhe oferecer consolo pela perda de seu irmão, meu abusador. Eu via as lágrimas presas nos olhos dela, mas não sentia nenhuma pena ou empatia e não dizia uma só palavra enquanto ela falava com amor e saudade dele. Diante da minha mãe eu sou muito diferente da pessoa que muitos conhecem. Eu volto a ser a criança sem voz que um dia fui. Não é medo. Eu não sei o que é, mas sei que não é medo.</div><div style="text-align: justify;">Pedi para meu irmão intervir e mandar ela parar de falar sobre ele comigo. Até incentivei que ela procurasse um psicólogo, mas ela insistia em <b>me </b>procurar para dizer o quanto estava abalada e deprimida pela morte <b>dele</b>.</div><div style="text-align: justify;">Um dia, cerca de um ano atrás, estávamos em pé na porta da minha casa, eu estava esperando ela finalmente ir embora, quando ela soltou, de forma quase casual, que tinha um arrependimento muito grande: ela abusou dos irmãos mais novos quando <b>ela </b>era adolescente. Eles tinham 5, 6 anos e ela os fazia <b>transar </b>com menininhas que também tinham 5, 6 anos, para ela assistir e <b>se </b>satisfazer.</div><div style="text-align: justify;">Enquanto ela me dizia aquilo, eu senti as minhas pernas ficando bambas e só a encarei, enquanto uma lágrima única, contínua, escorreu pelo meu rosto. Eu sabia que meu rosto não tinha expressão além da lágrima que caía. Eu não disse uma palavra, chorei em silêncio, como a Cíntia de 6 anos, mas fui tomada de sentimentos arrebatadores. Raiva, nojo, indignação. Foi como se a morte do meu tio tivesse fechado uma porta, e ela estivesse abrindo outra na bicuda. Eu constatei que essa ferida nunca vai cicatrizar. Eu vou sangrar para sempre pelo que me fizeram, pois toda vez que coloco um band-aid sobre a ferida, alguém a pressiona com violência e a deixa maior. Tem sempre uma nova revelação, uma nova compreensão, uma nova virada. Eu queria conseguir não pensar nisso, nunca mais falar sobre isso, nem na terapia e nem fora dela, mas é algo que foge ao meu controle. Eu sonho com isso. Eu lembro disso. Eu vejo casos iguais ao meu todos os dias. Às vezes, quando estou no meio do ato sexual, eu começo a dissociar e sinto como se fosse meu tio com a língua enfiada entre as minhas pernas e me sinto suja, angustiada, perco o foco e o tesão. Poucas vezes na vida consegui gozar com alguém. O que eu vivi me castra, me isola, me impede de ser tocada por quem eu amo sem ser levada para um quarto escuro e fétido, cheio de culpa.</div><div style="text-align: justify;">Quando minha mãe foi embora, constrangida diante do meu silêncio, eu chorei lágrimas que eu nem sabia que ainda existiam dentro de mim. Chorei de soluçar, por mim e por todas as vítimas dela e pelas possíveis vítimas das vítimas dela e assim por diante.<br />Nos últimos anos, eu culpei a minha mãe pelo que me aconteceu, por ela ter sido negligente, "por não ter percebido" quando meu tio fazia determinadas coisas tão abertamente, quando ela estava no quarto (de costas). Mas aquela informação acrescentava um grau de culpa direto: ela desencadeou a perversão dos meus tios, que fizeram comigo e meus irmãos o mesmo que ela fez com eles. Afinal, se abusaram de mim de todas as formas, também abusaram dos meus irmãos transando com mulheres na frente deles quando eles eram crianças, algo que foi instigado lá atrás, pela minha mãe. Pensei em todas as crianças que ela usou e feriu, em quantas meninas sofreram como eu sofri e sofro, pelos atos dela. Mas o pior foi pensar: e se ela percebeu o que meu tio fazia comigo? E se isso a excitava?</div><div style="text-align: justify;">O que ela queria com essa confissão? Era uma forma de mostrar arrependimento e de me dizer que acreditava em mim? Ela queria o meu perdão? Era só sobre a dor dela, de ter fodido a vida do próprio irmão, que se tornou um pervertido, alcoólatra, cheirador de pó, que ficou anos se arrastando pela vida, depois de várias overdoses e complicações de saúde em função da vida que levava?</div><div style="text-align: justify;">A minha mãe também sofreu assédio de um tio dela, o que ela me contou e o que sempre me revoltou, pois para mim era inconcebível ela ter passado por uma coisa e não acreditar quando eu relatei ter sofrido algo similar. E eu sei que assim como eu e meus irmãos, ela foi exposta a pornografia desde a infância e se tornou viciada nisso muito cedo. Mas perpetuar isso foi uma escolha. Ter colocado meus irmãos e eu para assistir pornografia quando éramos crianças foi uma escolha. As vezes que ela transou na minha frente, foi uma escolha.</div><div style="text-align: justify;">Assim como os meus tios terem abusado de mim e dos meus irmãos após serem abusados por ela, foi uma escolha deles. Minha família está presa num ciclo de violência muito forte, que foi se estabelecendo geração após geração. Isso explica as coisas, mas não justifica nada. Eu não consigo sentir pena ou perdoar meus tios. Não consigo sentir pena ou perdoar o que a minha mãe fez e as possíveis repercussões que os atos dela tiveram na vida das crianças que ela abusou. Nas repercuções que isso teve na minha vida. Eu não queria essa informação. Eu não queria que ela tivesse me contado isso. Não queria ter essa imagem na minha cabeça, nem o medo de ela fazer isso com a minha sobrinha ou meus futuros sobrinhos. Não sei que tipo de relação eu posso ter com ela depois de todas as coisas que aconteceram.</div><div style="text-align: justify;">E eu não sei que tipo de vida ainda é possível para mim, depois de tudo o que me fizeram. Eu tenho me sentido como se a minha vida estivesse acabando e eu tivesse perdido todas as possibilidades lá no começo de tudo. Me sinto tão cansada e injustiçada. Tão sozinha.<br />No meu sonho, o meu professor de natação, após compreender porque eu estava fugindo do meu tio, me ajudava a escapar dele e me acolhia em um abraço. Eu estou tão sozinha e sem referências de afeto, que o mais próximo disso que a minha mente consegue fantasiar é um homem que eu vejo alguns dias na semana e troca poucas palavras comigo. Que me oferece um sorriso e um aceno de longe e que me cumprimenta e me elogia por ter conseguido fazer uma aula apesar das minhas dores e da depressão...</div><div style="text-align: justify;">Esse é o máximo de socialização que tenho há algum tempo.</div><div style="text-align: justify;">Eu me sinto tão sozinha e desesperada pela falta de afeto provocada por uma vida de abusos, que meu impulso é gritar loucamente e me bater contra a parede, mas o meu corpo está tão cansado depois de toda essa violência ancestral e energia gasta em mecanismos de defesa, que nem a autoagressão é uma possibilidade.</div><div style="text-align: justify;">Muitas vezes eu fantasio com alguém me abraçando e me tocando com gentileza para amenizar as dores do meu corpo. Outras vezes, pela impossibilidade do afeto, eu fantasio com alguém me cortando com uma gilete para me fazer sentir esse alívio que eu sozinha não consigo provocar, porque meu corpo está completamente paralisado numa cama.</div><p></p>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-90158118522280068852023-07-29T18:19:00.012-03:002023-07-31T15:13:39.094-03:00a não-monogamia para corpos marginalizados <p><span style="font-family: arial;"> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-kk6XnnH8IkhyEsSxzHvS6COT3vQg91msb0KdASlF-ynoXQVc1eXbA08A3kJLyPbKnzpQq2DxDRMHj26HAPAwZvjbpuQuxBpyyjoGYEkBXCnfAeVxkI1Htka97Q5PWTZQFQRKAfvVqXfD6G6kipDYh57wEAgBbNrQjxkCXrUujzVwmEasLWqBfD7NAN0/s1080/IMG_20230729_181533.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="567" data-original-width="1080" height="210" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-kk6XnnH8IkhyEsSxzHvS6COT3vQg91msb0KdASlF-ynoXQVc1eXbA08A3kJLyPbKnzpQq2DxDRMHj26HAPAwZvjbpuQuxBpyyjoGYEkBXCnfAeVxkI1Htka97Q5PWTZQFQRKAfvVqXfD6G6kipDYh57wEAgBbNrQjxkCXrUujzVwmEasLWqBfD7NAN0/w400-h210/IMG_20230729_181533.png" width="400" /></a></span></p><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">O tweet acima pode ser uma piada para muitas pessoas, inclusive para quem o escreveu, mas eu levo essa lógica bem a sério. Não é por isso que EU sou monogâmica, mas as coisas são por aí quando falamos em não-monogamia para corpos dissidentes. Enquanto a galera não-monogâmica luta pelo direito sagrado de ter vários parceiros (afetivos e/ou sexuais), pessoas como eu, que vivem na sarjeta afetiva gerada pela desumanização de determinados corpos, queriam a possibilidade de ter ao menos UMA pessoa.</span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span>Apesar de eu entender e validar a luta pela não-monogamia enquanto um direito civil (com todas as suas repercussões morais e legais), n</span>o que diz respeito ao acesso à afetividade e liberdade sexual, não-monogâmicos e eu não falamos nem a mesma língua. Tenho completa aversão à imposição desse formato de relação como algo moralmente e espiritualmente "elevado", "evoluído", "superior", "moderno", e por fim, a solução para sentimentos e comportamentos que levam à violência de gênero e "crimes passionais", como ciúmes e possessividade. Na prática, a não-monogamia pode ser uma ferramenta de manutenção do patriarcado e da violência contra a mulher (especialmente violência psicológica) tanto quanto a monogamia. Muitas são as pessoas não-monogâmicas, especialmente homens cis (mas não apenas eles!), que usam a "filosofia" da não-monogamia para seduzir, manipular e prender emocionalmente pessoas fragilizadas, especialmente mulheres fora do padrão, usando ainda um discurso pró-feminista e liberal. Como se a não-monogamia fosse a evolução natural do ser humano. Como se só mudar o formato de relacionamento, sem conscientizar e curar pessoas, fosse eliminar todo um conjunto de pensamentos coletivos e opressões que se arrastam ao longo da história da humanidade. O maior problema disso é que por se acharem "evoluídos" e "puros de sentimentos", pessoas não-monogâmicas colocam a culpa de todos os problemas das relações humanas na monogamia, se isentando dos processos de opressões que eles também praticam (especialmente contra membros de minorias).</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Quando aponto a manipulação, mau-caratismo e a falta de responsabilidade afetiva costumeira de pessoas não-monogâmicas que se julgam tão superiores e desapegadas, muitas pessoas não-monogâmicas alegam: "mas essas pessoas (com comportamentos questionáveis) não são não-monogâmicas de verdade". O que isso significa? Se uma pessoa se rotula como não-monogâmica, usa discursos não-monogâmicos e vive uma vida não-monogâmica, se relacionando abertamente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, então ela é não-monogâmica, mesmo que ainda carregue traços da monogamia em suas relações. Não é possível validar apenas não-monogâmicos com comportamento "ético" e dizer que os não-monogâmicos tóxicos (que na minha experiência são uma grande maioria) "não são não-monogâmicos de verdade". Sim, essas pessoas fazem parte da mesma comunidade que "você"! A comunidade não-monogâmica não é um paraíso relacional!</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Sendo bem sincera, eu não acredito que exista um só não-monogâmico completamente ético e que haja de acordo com seus discursos o tempo todo, porque não é possível se relacionar em cima de racionalidade e códigos sociais o tempo todo. Nós somos humanos e temos sentimentos que falam mais alto do que nossas intenções, do que a nossa razão e às vezes até mais alto do que nossos princípios teóricos. Novamente, fica fácil se esquivar de responsabilidade quando a pessoa acha que já pratica o máximo de ética, empatia e que está acima do bem e do mal! Acima não apenas de monogâmicos, mas também de outros não-monogâmicos que são "a vergonha do rolê".</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Voltando ao foco desse texto: ser totalmente fora do padrão, sem nenhuma passabilidade, e experimentar uma não-monogamia real e que não destroça a mente, é bem raro. Diria que são coisas incompatíveis. A maioria das pessoas gordas maiores, travestis, negras retintas e/ou com deficiência (grupos que são as "as minorias das minorias", que têm menos visibilidade até dentro das militâncias), passam A VIDA sem conseguir acessar o afeto. Quanto maior o número de características rejeitadas pela sociedade uma pessoa possuir, menor o acesso ao afeto, ao amor e até ao sexo COM DIGNIDADE. Uma pessoa gorda branca e cisgênero vai sofrer opressão e ter afeto negado, mas uma travesti gorda e negra vai sofrer muito mais (e assim por diante).</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Como já expus muitas vezes ao longo dos anos, muitas pessoas gordas (que sempre foram gordas) chegam à vida adulta sem nunca ter beijado na boca. Muitas de nós entram na terceira idade sozinhas, no vazio afetivo de nunca ter vivido um amor correspondido, sem nunca ter namorado, ou sequer transado.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Outras tiveram e têm seus corpos usados para sexo das formas mais estereotipadas e animalizadas possíveis, mas nunca receberam afeto. Quando muito, foram alimentadas com migalhas de afeto. Com ilusões de afetividade. Podem ter recebido um pouco de carinho entre um ato sexual e outro, mas nunca experimentaram isso de forma plena. Nunca foram levadas a um lugar legal, para um encontro de verdade. Sempre ficaram confinadas em quartos de motéis, ouvindo que são "maravilhosas" entre 4 paredes. Nunca foram assumidas, apresentadas para amigos e família. Nunca receberam flores, uma declaração. Nunca tiveram ninguém para dividir as dores e as delícias da vida. Nunca puderam fazer planos conjuntos e pensar em construir uma família.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">A não-monogamia me soa como estar faminta e colocarem um prato vazio na minha frente. Quando eu olho pra mesa ao lado, vejo uma pessoa diante de um banquete, berrando: TRAGAM MAIS!</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Eu evito abordar esse assunto, porque confesso que sinto um amargo na minha boca e na minha alma, e sei que depois de expor minhas feridas (que são na verdade feridas coletivas), eu vou ser silenciada.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Uma vez, tempos atrás, falei sobre as MINHAS experiências com a não-monogamia e sobre o quanto ela pode ser prejudicial e impraticável para corpos marginalizados (focando no corpo gordo) e uma pessoa gorda e trans soltou os cachorros em mim para defender a não-monogamia. Atacou e maltratou uma pessoa gorda, com feridas reais, para proteger um SISTEMA (relacional). Não fica muito longe do fanatismo religioso. Até então, essa pessoa dizia me adorar e que eu era necessária, mas quando fiz essa crítica, me tornei a inimiga dos não-monogâmicos que se acham o suprassumo da evolução e desconstrução humana. Diante do meu desabafo, o qual fiz logo após sair de uma relação não-monogâmica que acabou com a minha vida (e da qual ainda não me curei, após um ano e meio), essa pessoa disse que eu estava falando um monte de bosta, que não tenho empatia por pessoas não-monogâmicas (risos), que só tenho empatia pelo que me convém (pessoas gordas) e que eu deveria "estudar". A carteirada academicista foi o que mais me incomodou! É muito elitista querer invalidar discursos sobre sentimentos HUMANOS só porque eles não foram publicados por uma editora e nem aprovados pelo meio acadêmico. Quando se trata de vivências, as reflexões de quem sofre com uma questão são muito mais relevantes do que teorias academicistas. Tudo que eu falo sobre gordofobia, tem por base minhas experiências pessoais e a forma como eu observo o mundo (conversando com outras pessoas gordas em diferentes contextos e analisando situações que compartilhamos e assim sendo, são coletivas). Não são teorias acadêmicas, são reflexões minhas, desabafos meus! Eu falo porque preciso falar, e na esperança de que as pessoas magras absorvam vivências gordas e nos tratem com mais empatia e humanidade. Sendo vivências e opiniões minhas, as pessoas podem concordar ou não com a forma que eu vejo e exponho as coisas, mas não podem me invalidar. EU QUE VIVI E VIVO ISSO. Discordarem de mim e me atacarem não vai mudar os fatos (o que eu vivi e vivo). Da mesma forma que eu não vou em perfis que lutam pela normalização ou que até ROMANTIZAM a não-monogamia para forçar minha visão. Quando eu vejo um perfil desses ou pessoas que sigo começam a falar da não-monogamia como uma evolução da alma, sem fazer recorte algum, eu silencio ou até bloqueio para que não fique aparecendo para mim, pois é algo que me faz mal. Eu falo sobre a MINHA visão da não-monogamia aqui no MEU espaço!</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">E acima de qualquer coisa, MINHA identidade é gorda! O que mais ME atravessa é a gordofobia! Mesmo que eu fosse não-monogâmica, primeiro eu seria GORDA, primeiro eu seria atravessada pela gordofobia e primeiro viria a luta anti-gordofobia. Meu corpo é a primeira coisa que enxergam em mim e é o que determina como vou ser tratada na sociedade! Determinou como fui tratada dentro de experiências não-monogâmicas também. </span><span style="font-family: arial;">Se você se acha uma pessoa gorda, mas não é atravessada pela gordofobia em todos os aspectos da sua vida, ou você não é uma pessoa gorda de verdade, ou goza de fortes privilégios (estéticos, de status ou financeiros). Você ser uma pessoa gorda e não passar por uma questão que outras pessoas gordas estão apontando, não vai significar que nenhuma pessoa gorda passa por isso, e sim que você é uma exceção à regra.</span></div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">As pessoas podem odiar, inclusive membros de outras militâncias, mas minhas vivências e minha luta sempre vão ter um recorte sobre corpos gordos. Tudo que eu for falar, eu vou trazer a diferença de como é passar por isso sendo uma pessoa magra e sendo uma pessoa gorda. E nesse contexto, a</span><span style="font-family: arial;">ssim como no meio LGBT+, a gordofobia é presente na comunidade não-monogâmica.</span></div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Muitas vezes falo de mim, mas com a certeza de que não sou a única vivendo essas coisas, porque recebo relatos diários de pessoas gordas e membros de outras minorias que se identificam com as minhas vivências e minha fala. Sobre a não-monogamia, posso dizer que além das minhas próprias experiências, já conheci muitas pessoas gordas (inclusive maiores) que viveram e vivem a não-monogamia, seja porque se sentiram forçadas a isso, seja porque acreditavam nesse modelo de relação e queriam viver isso. E mais vezes sim do que não, eu acompanhei o sofrimento de muitas dessas pessoas. Sofreram em silêncio, aguentando coisas que nenhuma pessoa padrão aguentaria, para manterem a pose de DESAPEGADAS.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">O que se tornou muito evidente para mim, tanto nas experiências dessas pessoas quanto nas minhas próprias experiências, é que uma coisa é viver a não-monogamia na teoria - estar aberto para amores "livres" e à possibilidade de se envolver com mais de uma pessoa ao mesmo tempo; e outra coisa bem diferente é viver isso na prática: ter a possibilidade de ser amado por mais de uma pessoa ou ser possibilidade sexual para múltiplas pessoas.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Explico: conheci várias pessoas gordas maiores (homens, mulheres e não-binárias, tanto hetero quanto não-hetero) que tinham relacionamentos não-monogâmicos com pessoas magras ou mais próximas do padrão do que elas e TINHAM a LIBERDADE para se envolver com outras pessoas, mas não tinham outras pessoas interessadas nelas. Enquanto seus parceiros ou parceiras com maior passabilidade e aceitação estética tinham pessoas interessadas por eles e se relacionavam com múltiplas pessoas, vivendo a não-monogamia de fato, essas pessoas gordas maiores ficavam chupando o dedo. Elas só carregavam o rótulo e as responsabilidades de ter que lidar com essas relações, sem poder viver isso. Assistiam seus pares sendo cortejados, se envolvendo com outras pessoas, e lidavam com ciúmes, insegurança e a sensação de estarem sendo deixadas de lado. Com o plus da sensação crescente de rejeição e a frustração, porque não eram possibilidade para ninguém, mesmo estando abertas para isso. Logo, uma coisa é ter a LIBERDADE, outra é ter a POSSIBILIDADE.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Acompanhei (em off) uma mina gorda maior que era casada, o relacionamento era não-monogâmico. Ela e o marido iniciaram um trisal com uma mulher magra e com o tempo ela começou a se sentir colocada de lado por ambos. Eles transavam na cama dela, ao lado dela, enquanto ela chorava sem que eles percebessem.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Outra mulher gorda entrou em um relacionamento a três com seu parceiro e no fim foi TROCADA. Terminaram com ela e ficaram juntos. Ela foi "expulsa" da relação na qual entrou com seu parceiro.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Foram muitas as pessoas gordas (maiores) que vieram debafar suas dores comigo. Elas não estavam felizes, mas em 100% dos casos, mantinham a imagem pública de desapego e satisfação com esse tipo de relação. Estavam enganando a si mesmas e aos outros, reforçando um imaginário de não-monogamia perfeita e inclusiva para todos os corpos. A não-monogamia não é automaticamente inclusiva a todos os corpos. Pessoas não-monogâmicas não são automaticamente não-gordofóbicas. Na monogamia ou na não-monogamia, as pessoas escolhem quais corpos elas vão amar, quais corpos elas vão comer, e quais corpos elas vão rejeitar. O que muda entre a monogamia e a não-monogamia, é a cobrança de aguentar ou aprender a lidar com situações que a grande maioria das pessoas gordas não têm condições de bancar, depois de uma vida de rejeição e preterimento.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span>Eu (monogâmica convicta) já aceitei o formato não-monogâmico de relação para não perder a pessoa (não-monogâmica), e só eu sei o que eu passei. Eu "poderia" ter me negado a embarcar nessa e abrir mão da pessoa, mas além de estar apaixonada, como eu poderia fazer isso, quando esperei pelo AMOR a minha vida toda? Sabendo que poderia passar muito tempo até surgir outra pessoa que tivesse interesse em se relacionar comigo? Sabendo que posso nunca mais ter isso? Diferente de pessoas padrão, ao terminar uma relação, eu não vivo com a certeza e com o consolo de que "vai surgir outra pessoa" futuramente. Ao fim de uma relação, eu tenho em mente que pode levar anos até me tocarem novamente. Que pode nunca mais acontecer. Abrir mão de um amor que você sonhou a vida inteira é muito mais difícil quando você ouviu desde criança que "ninguém iria te querer", fala sustentada pela rejeição crônica ao longo de toda uma vida. Eu aceitei essa relação num formato no qual eu não acredito e que não faz bem para mim, pensando que eu conseguiria lidar, e que aquilo seria "menos pior" do que não ter a pessoa. Depois de anos e anos de solidão e expectativa, ter uma pessoa pela metade soou "menos pior" do que não ter pessoa nenhuma. Eu pensei que pudesse conviver com as repercussões de um relação não-exclusiva. E eu descobri que a agonia de ter alguém pela metade é igual ou até pior do que a agonia de não ter ninguém. Só eu sei o quanto essa experiência minou minha autoestima e criou novas camadas de insegurança e infelicidade na minha vida. Me deixou de fato traumatizada. Não sei se eu vou poder confiar em mim mesma ou em alguém novamente. Eu tenho a parcela de culpa de ter aceitado isso. Mas a pessoa não-monogâmica não ligou para os meus gatilhos, para a minha história, para o recorte ao qual estou inserida. Pelo contrário, alimentou minhas inseguranças, ativou meus gatilhos. Não teve cuidado e nem conseguiu me fazer sentir importante em sua vida "apesar" de não ser a única. Pessoas monogâmicas também brincaram com os meus sentimentos e agiram sem cuidado ao se relacionar comigo, mas soa muito mais hipócrita quando esse tipo de comportamento parte de não-monogâmicos que se colocam como espiritualmente superiores e que falam tanto sobre "amor livre", "sagrado feminino", ética e empatia.</span></div><div style="text-align: justify;"><span>O que eu sei, é que eu nunca mais quero ASSISTIR alguém que eu amo, amando outra pessoa. Nunca mais quero compartilhar alguém que eu amo com ninguém. Eu não quero ver quem eu amo se declarando para outra pessoa e depois passar a madrugada inteira stalkeando uma outra mulher, olhando suas fotos, chorando e me comparando, pensando em todas </span>as formas que eu sou INSUFICIENTE e menos do que ela.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Isso me faz menos evoluída? Me faz antiquada? Me faz possessiva?</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Todos os dias eu lembro dessa experiência e sinto novamente a dor e a vergonha que senti naquela madrugada, desejando ardentemente ser outra pessoa e receber o amor que ela recebia. Foi o fim de uma relação, mas acima de tudo, foi o fim do meu senso de dignidade e da autoestima que construí a duras penas.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Como eu posso ter segurança para viver um relacionamento não-exclusivo, quando passei a vida inteira ouvindo que não sou suficiente? Que ninguém vai me querer e me amar de verdade? Quando passei a vida sendo comparada a outras mulheres, sendo colocada como menos do que elas e sendo trocada pelo que é mais "socialmente aceito"? Como eu vou dividir o tempo e a atenção de quem eu amo com outra pessoa, quando nunca fui prioridade de ninguém? Como não vou sentir ciúmes vendo quem eu amo beijando outra pessoa, fazendo declarações, construindo intimidade? Construindo uma vida! Quando eu nunca atingi o nível de intimidade de verdade com ninguém, porque nunca tive oportunidade! Nunca me deram oportunidade.</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Depois de uma vida de afeto negado, de rejeição, de solidão e preterimento, não tem como eu ter segurança para bancar isso sem me esfolar inteira. Pessoas padrão (ou com passabilidade) querem "desconstruir o amor romântico", mas quem vive à margem da sociedade não conseguiu nem construir o amor tradicional em suas vidas ainda!</div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Ser não-monogâmico não é sobre maturidade ou evolução, é sobre privilégio. Pessoas que passaram a vida inteira sendo rejeitadas e maltratadas, dificilmente vão ter as ferramentas para desconstruir as inseguranças e o ciúmes que esse </span><span style="font-family: arial;">formato de relação gera. Pessoas padrão, de forma geral, têm a certeza de si. </span><span style="font-family: arial;">Certeza proporcionada por uma vida de </span><span style="font-family: arial;">abundância afetiva.</span></div></span><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">Ter a possibilidade de ser desejado e amado, ainda mais por mais de uma pessoa simultaneamente, é privilégio de gente padrão.</div></span>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-8508449929833147962023-07-23T02:20:00.002-03:002023-07-23T02:27:12.556-03:00insistência <p> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGw5qH1U_AuA-vySOG4E_1_mTeQU86Hi7MPMsqZTRJZOEkcrN1K-feMpEs2Q9YIbBYUYL51HxspKIWkhWlknzLQnu7sNLL--nR5G-hAKyxhxSha9Rx46Us8J_7MpQ7CNNxBbraF-Lui-5G59zicSBHx2qpwBcdUP0vnJB3cExv-4Wm3-MJx979Du0XABA/s1280/received_186304133619644.gif" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1280" data-original-width="720" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGw5qH1U_AuA-vySOG4E_1_mTeQU86Hi7MPMsqZTRJZOEkcrN1K-feMpEs2Q9YIbBYUYL51HxspKIWkhWlknzLQnu7sNLL--nR5G-hAKyxhxSha9Rx46Us8J_7MpQ7CNNxBbraF-Lui-5G59zicSBHx2qpwBcdUP0vnJB3cExv-4Wm3-MJx979Du0XABA/w360-h640/received_186304133619644.gif" width="360" /></a></p><br /><p></p>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-57034109941865572672023-07-08T18:45:00.008-03:002023-07-08T19:03:05.746-03:00os pêlos de Frida<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0xnftq3TETWmF3r9JNfESXfDehMA9qbfTzbAl1ZKQawF7awOuEQ_d1Xoy1cS9C9ewDPjKWp2VUiN_qnamadboYS_6562blSUuK-oTu1FMMGHMlm7FHF51tMBFzh5cABe7BoFP1mcnci0rLgRUJ3XATSUCDgnnROumO682MRNaRO1owqs15EBbTSP4EWc/s1080/IMG_20230708_185852_842.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0xnftq3TETWmF3r9JNfESXfDehMA9qbfTzbAl1ZKQawF7awOuEQ_d1Xoy1cS9C9ewDPjKWp2VUiN_qnamadboYS_6562blSUuK-oTu1FMMGHMlm7FHF51tMBFzh5cABe7BoFP1mcnci0rLgRUJ3XATSUCDgnnROumO682MRNaRO1owqs15EBbTSP4EWc/s320/IMG_20230708_185852_842.jpg" width="320" /></a></div>Diferente de muitas pessoas que foram socializadas como "mulheres", eu sinto que a "feminilidade" e a "delicadeza" não me foram impostas. Pelo contrário, a feminilidade e as noções de delicadeza me foram negadas desde muito cedo. A delicadeza, por sinal, me foi negada não apenas na minha própria expressão, mas na forma como as pessoas, sobretudo homens, sempre me trataram e ainda tratam. Eu nunca fui vista como delicada e nem tratada com a delicadeza com a qual mulheres padrão (magras, brancas e sem deficiência) ou com passabilidade foram e são tratadas.</div><div style="text-align: justify;">Sendo uma pessoa gorda desde a infância, eu nunca fui vista como "mulher suficiente" ou mesmo "mulher de verdade". Assim, as <b>expectativas</b> que lançaram sobre mulheres padrão nunca foram realmente aplicadas a mim. Sim, eu cresci com as mesmas limitações patriarcais das outras mulheres. Cresci com as mesmas referências femininas do resto das mulheres. Cresci estudando a mesma história, vendo as mesmas modelos e atrizes, as mesmas novelas e filmes, as mesmas propagandas... mas ouvindo (e vendo, na ausência ou na estigmatização de corpos "femininos" como o meu!) que nada daquilo era <b>sobre mim</b> ou <b>para mim</b>. Que nada daquilo me era permitido. Eu não tinha acesso ao que as mulheres padrão tinham acesso, a começar por itens de vestimenta para bancar minha expressão, mas não apenas isso. Eu tentei, com o que eu tinha, expressar minha feminilidade, mas não importava o quanto eu tentasse, minhas expressões não eram legitimadas e nunca foram o suficiente. Me olhavam e me tratavam como alguém tentando encenar um personagem. Como se nada daquilo fosse natural ou pertencente a mim. Me julgavam como alguém "tentando demais", a ponto de se tornar <b>ridícula</b>. Minhas expressões de feminilidade eram motivo de chacota, tanto por parte de meninas e mulheres, quanto por parte de meninos e homens. Me esculhambaram a tal ponto, que eu também comecei a me <b>sentir</b> ridícula e como se estivesse interpretando o papel de mulher, ao invés de estar vivendo enquanto uma.</div><div style="text-align: justify;">Então, eu aprendi a apagar quem eu queria ser. Aprendi a refrear meus desejos e vontades para não chamar atenção e conseguir sobreviver. Até aprendi a me camuflar, adotando "símbolos masculinos" na minha estética e no meu jeito. Com roupas compradas na sessão masculina, que era o que me servia, me tornei uma figura masculinizada, engrossei minha voz, falava "como homem", me colocava como "força bruta", tudo para ser aceita em grupos de homens que até me estendiam amizade, mas que não me viam como mulher, e muito menos me viam como <i>um deles</i>.</div><div style="text-align: justify;">Vivi muitos anos da minha vida assim, me encolhendo e sendo encolhida perante uma sociedade que não me via nem como mulher e nem como homem "de verdade".</div><div style="text-align: justify;">Alguns anos atrás eu comecei a resgatar a feminilidade que tentei expressar lá atrás. Eu ESCOLHI a feminilidade para mim. Independente da minha identidade de gênero, o que ainda é algo bem abstrato pra mim, eu escolhi performar a feminilidade e tenho lutado pelo meu direito de expressão, mesmo que muita gente continue me vendo como insuficiente e uma piada dentro disso.</div><div style="text-align: justify;">Para me "afirmar", muitas vezes eu procuro me "desvincular" de qualquer símbolo que seja considerado "masculino", mesmo que sejam coisas inerentes a mim enquanto ser humano.</div><div style="text-align: left;"><div><div style="text-align: justify;">Dois anos atrás eu iniciei uma conversa aqui sobre a minha relação, enquanto pessoa gorda socializada como mulher, com meus pêlos faciais. Apesar de ter parado de depilar minhas axilas, pernas e partes íntimas há vários anos, nunca consegui aceitar meus pêlos faciais. Mesmo que os pêlos nas pernas, axilas e partes íntimas sejam tido pela sociedade como símbolo "masculino", eles foram transformados em símbolo de liberdade feminina. Ainda existe muito preconceito, mas não carrega o mesmo peso dos pêlos faciais. Houveram períodos na história onde os pêlos pubianos eram tão comuns em mulheres quanto em homens. Não faz tanto tempo que a norma era mulheres com pêlos pubianos e isso era natural até na grande mídia. Ter crescido com referências de mulheres com pêlos pubianos me fez sentir mais segura e validada ao deixar os meus próprios pêlos pubianos livres.</div><div style="text-align: justify;">Já o pêlo no rosto da mulher, sempre foi extremamente estigmatizado. Não existem períodos onde eles foram normalizados. De frases como "com mulher de bigode, nem o diabo pode" à <b>animalização</b> de "mulheres barbadas" que eram atração de "circo de aberrações", mulheres com pêlos faciais sempre foram hostilizadas e motivo de piada e nojo. A maioria das mulheres tiram os pêlos do buço, mas é como se isso fosse um segredo coletivo. Só agora, com a internet, surgem referências positivas, mas ainda é um tabu muito grande para ser quebrado no dia a dia, quando estamos sozinhas e fora da bolha da internet. Eu posso esconder os pêlos das outras regiões do meu corpo se eu quiser, mas não tenho como esconder o meu rosto. Ele é a primeira parte de mim que as pessoas enxergam... Me sinto muito mais exposta aos preconceitos das pessoas. Além disso, parece que ironicamente, os pêlos do meu rosto crescem em maior abundância do que o do restante do meu corpo. A sensação de falta de controle é muito grande.</div><div style="text-align: justify;">Após dois anos desde a primeira vez que falei disso, a situação piorou consideravelmente. Antes eu conseguia tirar os pêlos e ter um respiro antes de eles voltarem, mas agora eu mal tiro e já estão crescendo novamente, se tornando perceptível em poucos dias. Isso em partes porque meus cabelos, os pêlos que eu gostaria que crescessem, caíram muito por causa dos meus problemas de saúde física e mental, e eu estou usando um produto para fazê-los crescer, mas que tem como efeito colateral o aumento dos pêlos faciais.</div><div style="text-align: justify;">Talvez porque a minha autoestima esteja tão fragilizada nos últimos dois anos, a minha paranóia também piorou. Se antes me bastava tirar os pêlos com aparelhos de barbear, agora eu preciso tirar pela raiz e tenho apelado para depilação a cera. A dor "não me importa", mas esse método é agressivo para a pele e para o bolso, o que restringe o meu acesso a ele.</div><div style="text-align: justify;">Eu queria conseguir lidar melhor com isso. Tentei olhar para esses pêlos com mais carinho e livre dos estigmas sociais (que pesam mais ainda sobre mulheres gordas). Mas é muito difícil aceitá-los, sentindo que eles me afastam da percepção de feminilidade que eu luto para manter. Há pouco tempo o feminismo e a própria comunidade LGBTQIA+ mostraram como os pêlos faciais estão atrelados à masculinidade no imaginário social, quando escorraçaram uma travesti por ela manter uma barba. É uma contradição muito profunda. Vai contra tudo pelo que lutamos. A verdadeira desconstrução de gênero está muito distante ainda. Mas há de se pensar: quando invalidam pessoas de barba enquanto mulheres trans e travestis, quando dizem que mulheres de barba devem ser excluídas de espaços femininos (especialmente banheiros) onde ficam também as mulheres cis que têm pelos faciais e BARBAS? As mulheres cis que não têm passabilidade social de mulheres cis.........</div><div style="text-align: justify;">Há meses tenho andado por aí de cabeça baixa, tentando esconder meu rosto com os cabelos. Sentindo os olhares de nojo. Me sentindo nojenta por tabela, mesmo sabendo que eu sou uma pessoa com bons hábitos de higiene pessoal. Eu me cuido de forma até mesmo obsessiva, justamente pelos estigmas sobre o corpo gordo. Uso bons sabonetes, cremes corporais, faço skin care, mas a percepção social me contamina toda vez que olho pro espelho e vejo os pêlos escuros.</div><div style="text-align: justify;">Tenho ficado autoconsciente ao postar fotos do meu rosto, com medo de notarem os pêlos, especialmente na linha do buço.</div><div style="text-align: justify;">Pior, tenho sentido medo de ser tocada e beijada e sentirem minha pele áspera, como eu sinto ao passar minha própria língua. Medo de sentirem a presença dos pêlos mesmo que eles não estejam tão visíveis...</div><div style="text-align: justify;">Mas eu sei que quando tenho vergonha e fico insegura, eu me torno refém disso. Então decidi testar meus próprios limites para tentar lidar com a situação. Já que eu não teria acesso a depilação por alguns dias, decidi "assumir" esses pêlos. Decidi deixar eles crescerem mais, para ver até onde iam. E tracei uma meta: só iria depilar após fazer uma sessão de fotos para postar aqui e abrir de uma vez essa insegurança. Essas são as primeiras fotos.</div><div style="text-align: justify;">Tanto no dia a dia, quanto nas fotos que fiz, eu decidi reforçar os símbolos femininos em conjunto com os pêlos da linha do buço. Os pêlos combinando com batom vermelho ou vinho. Com adereços "femininos". Com roupas "provocantes". Assim, eu quis que se tornasse um símbolo da minha feminilidade. Foi bem difícil. Eu me senti autoconsciente toda vez que fui para a academia e os professores olharam com estranheza. Toda vez que eu estava no transporte público e senti os olhares das pessoas. Toda vez que postei fotos sem filtro.</div><div style="text-align: justify;">Mas quando me arrumei e tirei as fotos, de repente eu me senti muito bem. Me senti hiperfeminina. Um tipo <b>forte</b> de feminilidade.</div><div style="text-align: justify;">As lentes não capturam os pêlos como eles realmente são. Eu tentei muito retratar a realidade, por isso não usei filtros. As câmeras por si só suavizam nossa pele, nossos traços, nossos pêlos, e isso também é uma ferramenta de controle social. Aqui nessa bolha, nós mentimos até sem querer. Ninguém é exatamente como parece.</div><div style="text-align: justify;">Pessoalmente meus pêlos estão mais grossos e mais perceptíveis. E eu não pretendo mantê-los, a depilação já está marcada. Ainda não estou pronta para adotar esses pêlos e a carga social que eles carregam, mas gostei desse registro. Um detalhe é que eu tirei as fotos e só depois, quando fui ver o resultado, verifiquei que o livro com o rosto e a monocelha de Frida ficaram dentro do enquadramento! A Frida ali encarando meu medo comigo. Achei providencial!</div></div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-19803975364628739592023-06-30T04:47:00.007-03:002023-06-30T06:50:40.971-03:00não era amor<div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Juliana</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">se matou</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">por Rafael</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">10 anos atrás</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Juliana se matou</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Na minha frente.</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Se matou por Rafael</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Na minha frente...</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Muita coisa passou por Juliana</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Antes de Rafael, é verdade....</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando criança, Juliana</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Foi abusada pelo próprio avô</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E ganhou mais de 10 personalidades</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ao se olhar no espelho</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ela nunca sabia quem encontraria.</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Então chegou Rafael—</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Tão controlado,</span><span> c</span><span style="font-family: arial;">om sua fala macia</span></div><div style="text-align: left;"><div><span style="font-family: arial;">Tão inofensivo, com seus olhos tristes</span></div><div><span style="font-family: arial;">Tão profundo, com sua alma torturada</span></div><div><span style="font-family: arial;">Tão culto,</span> co<span style="font-family: arial;">m seu violino afinado...</span></div><div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div><span style="font-family: arial;">Parecia a calmaria </span></div><div><span style="font-family: arial;">Depois da tempestade</span></div><div>Parecia um porto seguro</div><div>....Para Juliana </div><div><br /></div><div>Mas a verdade estava bem longe</div><div>Do quadro pintado</div><div>Rafael tinha uma máscara</div><div>Grudada no rosto</div><div>Tão realista</div><div>Que enganava todas as Julianas</div></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><div><span style="font-family: arial;">Ele estralava os dedos e lá ia</span></div><div><span style="font-family: arial;">As Julianas</span></div><div><span style="font-family: arial;">Com seus rabos abanando.</span></div><div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div></div><div style="text-align: left;"><div><span style="font-family: arial;">Depois Juliana</span><span style="font-family: arial;"> voltava...</span></div><div><span style="font-family: arial;">Um emaranhado de Julianas</span></div><div><span style="font-family: arial;">Com os olhos vermelhos de tanto chorar...</span></div><div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Num momento de descontrole</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">O espelho se partia</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Uma personalidade refletida</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Em cada caco......</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Em cada caco que</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Rasgava sua pele</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">.... Uma personalidade dentro</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">De cada gota de sangue</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Pingando no chão branco.</span></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">O que fez Juliana se matar</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Foi amar Rafael</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ela o amava tanto</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Que o amava com cada uma</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">De suas personalidades...</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">O que todas elas tinham em comum</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Era o amor por Rafael</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Rafael, que tinha um segredo:</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Com suas roupas limpas,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Seu diploma, seu livros</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E sua juventude</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Rafael era sujo como o avô de Juliana</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ele também <i>gostava</i> de crianças</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Juliana não se importou</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Desde que Rafael também gostasse dela</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">... De ao menos uma de suas tantas versões </span></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ele gostava de Juliana</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Nas horas em que comia</span></div><div style="text-align: left;"><span>Em segredo </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Cada personalidade</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;">Eram muitas Julianas dedicadas</div><div style="text-align: left;">A servi-lo.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Depois ele voltava para seu violino</div><div style="text-align: left;">E Juliana não existia;</div><div style="text-align: left;">Nenhuma delas...</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;"><div><div><span style="font-family: arial;">Juliana esperava afeto de Rafael,</span></div><div><span style="font-family: arial;">Que maltratava conscientemente </span></div><div><span style="font-family: arial;">Todas as suas versões.</span></div></div></div><div style="text-align: left;"><div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div><span style="font-family: arial;">Juliana se matou por Rafael.</span></div><div><span style="font-family: arial;">Deixou sua mãe </span><span style="font-family: arial;">por Rafael.</span></div><div><span style="font-family: arial;">Deixou seu pai por Rafael.</span></div><div><span style="font-family: arial;">Deixou seu irmão por Rafael.</span></div><div><span style="font-family: arial;">Juliana se matou na minha frente</span></div><div><span style="font-family: arial;">Por Rafael.</span></div><div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div><span style="font-family: arial;">10 anos atrás</span></div><div><span style="font-family: arial;">Juliana se matou</span></div><div><span style="font-family: arial;">Não por amor</span></div><div><span style="font-family: arial;">Mas por Rafael </span></div><div><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div><span style="font-family: arial;">Na minha frente...</span></div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-85623028942692833382023-05-06T22:47:00.003-03:002023-05-06T22:47:31.261-03:00ser gorda<div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;">Texto de 27 de julho de 2018</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ser gorda é nunca ser considerada o suficiente. </div><div style="text-align: justify;">É passar uma vida ouvindo que deve se amar, e que se não se ama a culpa é sua, e depois, uma vez que conquista auto-amor, ouvir que não merece tudo isso. É estar errada se não come de forma saudável, e estar errada se come de forma saudável, afinal, está tentando "se provar" em demasia. É ouvir que é preguiçosa, mas se tentar ir a uma academia, ser escorraçada, porque ali não é o seu lugar. É ser rejeitada até mesmo pelo feminismo. É ser pressionada por médicos, e deixar de procurá-los mesmo por problemas de saúde não relacionados ao peso, o que leva a situações dolorosas e alarmantes que poderiam ter sido evitadas. É viver num mundo projetado para pessoas magras: ter medo de ir ao motel e quebrar a cama, a um salão de estética e quebrar a maca, ser internada e não ter pijama do seu tamanho. É não passar na catraca e saber que as pessoas estão satisfeitas de te ver sendo humilhada. É ouvir pessoas bufando quando você senta ao lado delas em locais públicos. É ter amizades tóxicas, porque as pessoas te usam para inflar o próprio ego. É não encontrar roupas que sirvam, por um preço razoável, e ainda assim agradecer às marcas que fazem o mínimo (e por motivos pouco altruístas). É ser competente e ter um bom currículo, mas ser rejeitada pelo RH, porque "não faz o perfil da empresa". Ser gorda é ter seu corpo sexualmente explorado, mas sem permissão de curtir, exigir, gozar. É ser usada e descartada, porque não te enxergam como um ser humano. É sofrer violência doméstica porque foi ensinada que merece ser maltratada, e que tem poucas opções. É solidão, é massacre. Ser mulher gorda é ser desumanizada em todos os aspectos da existência, e tentar não sucumbir.</div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-43844182629048506382023-04-25T05:54:00.005-03:002023-04-26T11:28:57.283-03:00borboleta sem asas<div style="text-align: left;">Nascida e criada<br />Em uma redoma acolchoada,<br />Muito cedo<br />Tive minhas asas amputadas.</div><div style="text-align: left;"><br />Surgida para o entretenimento alheio,<br />Logo descobri o que já era meu<br />E tudo o que nunca poderia ser.</div><div style="text-align: left;"><br />Não há liberdade,<br />Há só o pesar.<br />Fui dotada de asas,<br />Mas delas não pude aproveitar...</div><div style="text-align: left;"><br />Cresci vendo meus semelhantes voar<br />E minha vida requintada<br />Muitos suspiros roubar.</div><div style="text-align: left;"><br />Estrela de público cativo,<br />Borboleta sem asas...</div><div style="text-align: left;"><br />Vendo tudo a um canto,<br />Minha dor eu cultivei.<br />Hoje sou tão-somente uma sombra;<br />Primitiva, indigna do palácio do meu rei.</div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-27186043491602008262023-04-19T00:54:00.015-03:002023-04-19T01:32:42.908-03:00de são miguel paulista à liberdade <p><span style="text-align: justify;">Sou livre, escolho meus caminhos. Mas, por onde caminharei?</span></p><div style="text-align: justify;"><span face="arial, helvetica, sans-serif">Desvio da pessoa em situação de rua, desvio do pastor. Desvio de uma prostituta, desvio do amor. Desvio da polícia, por quem tenho verdadeiro pavor... Desvio do garoto que vende balas e do homem que compra ouro. Desvio do pedido de oferta ao final da missa, na qual entrei por engano — procurando paz, fugindo dos meus demônios. Desvio do Senhor.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Desvio, e me sobram poucas opções. </span><span face="arial, helvetica, sans-serif">Sou livre, mas não tenho onde ir. Fico estática, então.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">A constatação traz tormento... como as previsões. De que elas servem, quando acompanhadas por inação?</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Dá pra mudar o destino? Um desastre, previsto e evitado, o que impede que aconteça em outro momento, fazendo as mesmas previstas vítimas? Desvio do perigo ao ouvir previsões, e por que não: desvio das predições!</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">– A inevitabilidade é uma vadia cruel! – de repente meu pensamento toma voz, a qual se mostra alta demais. Todos ficam calados, inclusive o padre, a madre, o raio que me parta! Olham-me, pasmos. Bato na boca três vezes, peço perdão para a multidão. Desvio, sempre que possível, ao ridículo do padrão. Ao insulto cristão! Desvio também do conceito pagão.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Plim, plim, plim! O padre bate seu sininho.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Meu pecado já foi cometido, quando eu nem sabia da existência do pecado. Há salvação para inocente pecador? Arderei no inferno como Judas, o traidor? Minha pele descolará dos ossos, fazendo-me arder em tremor? Afundarei, amaldiçoando o calor!</span></div><div style="text-align: justify;"><span face="arial, helvetica, sans-serif">– Saudai-vos uns aos outros em Cristo Jesus! – ele diz.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Não me toquem os estranhos, ou gritarei até perder a voz. Cairei, convulsa, cavando minha própria cova.</span></div><div style="text-align: justify;">Eles obedecem a todos os comandos e caminham como cordeiros, é realmente embaraçoso. Se Deus está em nós, não é preciso seguir multidões para encontrá-lo! Mas sigo por garantia... e nada encontro. Nada encontro, tampouco, em mim.</div><div style="text-align: justify;"><span face="arial, helvetica, sans-serif">Pobre do meu destino! Vazia de Deus, absolutamente nada me espera, faça vida ou faça morte.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Dou asas a sorte, equilibrando-me em alta ponte... sem fios, sem proteção. Estou na Liberdade, mas esta não encontro, não.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">O vento bate em meu rosto, me despenteia, e sinto vida, ainda que passageira. </span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">A vontade de contrariar o destino é grande. Carros passam com fervor e sem cessar. A multidão, apática, espera um escândalo, uma grande notícia, qualquer coisa que transforme esse domingo miserável em algo fantástico, memorável. Mas hesito, me contenho.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">O desejo pelo fim não é tão grande, penso, para dar, de graça, tão tolo espetáculo. Respiro fundo, suportando a poluição, retendo em meus pulmões os artifícios da população.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">O céu mostra tormenta. Cinza, nebuloso. Olho para cima, olho para baixo: o desatino é não poder cair para cima, eternidade adentro. O desatino, o cruel desalento é não ter asas, ser tão humanamente humana.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">O vento bate nas minhas costas, parecendo querer me jogar ponte abaixo. Uma mulher me olha com antipatia, eu devolvo um gesto de rebeldia.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Ela parte com sua criança. Eu fico. </span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">As bancas clandestinas declaram o fim de um longo dia... </span>os ambulantes recolhem suas coisas, prevendo a força tática... Com desgosto dobram suas mesas e pegam o metrô: destino Corinthians-Itaquera.</div><div style="text-align: justify;">.........</div><div style="text-align: justify;"><span face="arial, helvetica, sans-serif">Se todos os dias aqui são iguais, cabe apenas a mim fazer a diferença. O vento não bate novamente, mas meu corpo despenca. Na queda, meu caderno de escritos se abre. As folhas voam, e o meu corpo no chão bate. Um carro vem a oitenta quilômetros por hora, passando sobre mim, como se eu fosse nada. Ele não liga, continua em sua rota inalterada.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Parecia, mas ainda não era o fim. Por meus pecados eu teria de pagar, isso não ficaria assim! Meu sangue e meu corpo são engolidos pelo asfalto, me tornando parte da cidade: minha mãe, contra quem tanto lutei, sendo a filha rebelde de tão grande família, me aceita de volta em seu útero infernal. </span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif">Condenada, as pessoas que ali passam ainda ouvem meu padecimento. </span></div><div style="text-align: justify;"><span face="arial, helvetica, sans-serif">Eu sou livre, mas não tenho por onde andar... Desvio de mim mesma.</span><br /><span face="arial, helvetica, sans-serif"><br /></span><span face="arial, helvetica, sans-serif">Texto de 03 de outubro de <b>2009</b>.</span><br /></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-22813483470788959402023-04-13T06:50:00.013-03:002023-04-13T08:38:25.488-03:00cinco e meia<div style="text-align: justify;">Nunca mais bebi. Nunca mais me cortei. Nunca mais fiz nada de ruim e nem de bom <i>contra</i> mim mesma. Mas eu sinto a vontade. Eu sinto essa energia dentro de mim sempre exigindo o estrago.</div><div style="text-align: justify;">Estática, assisto cenas monstruosas rodando na minha cabeça. Eu poderia me queimar, como antes. Eu poderia enfiar uma faca no meu coração. Eu poderia me jogar na frente de um trem. </div><div style="text-align: justify;">... Moro ao lado da estação de trem. Cinco e meia já tem trem rodando...</div><div style="text-align: justify;">Eu sinto falta das marcas de cortes pelo meu corpo, da lâmina dançando sobre a minha pele, deixando os rastros de sangue. Eu sinto falta do vermelho espesso.</div><div style="text-align: justify;">Eu sinto falta de ir ao pronto socorro e ser cuidada por alguns minutos, enquanto me costuram. Sinto falta das mãos em mim e do cheiro de hospital.</div><div style="text-align: justify;">Um diazepam, ou dois ou três, tem 10?</div><div style="text-align: justify;">Minha psicóloga me disse para conversar com alguém quando eu sentisse vontade de me machucar. Eu disse pra ela: não tem ninguém. Não sobrou ninguém... Ninguém mais aguenta me ouvir chorar a ausência dele.</div><div style="text-align: justify;">Ela me disse: "então escreve".</div><div style="text-align: justify;">Eu não deveria precisar de incentivo e nem de desculpas para escrever...</div><div style="text-align: justify;">Cinco e trinta e cinco.</div><div style="text-align: justify;">Olha quantas linhas eu escrevi. Olha quanto sangue.</div><div style="text-align: justify;">Eu queria estar dormindo, envolta no nada, como as pessoas saudáveis. Como ele dormia, depois de uma briga.</div><div style="text-align: justify;">..........</div><div style="text-align: justify;">Tenho um monte de rascunhos de poemas escondidos desde que voltei com ele. Um monte de ideias enchendo minha cabeça. Faz tanto tempo que <b>terminei</b> com ele. Um ano e dois meses. Nunca mais fiz nada de bom <i>por</i> mim mesma...</div><div style="text-align: justify;">Nem sequer gozei. Não de verdade. É como uma faísca riscando brevemente o escuro e apagando logo em seguida. Depois as lágrimas caem como uma tempestade e meus soluços ecoam no silêncio da madrugada feito trovões... Eu fico até enjoada de tanto chorar. 3 dramins e um gole de água.</div><div style="text-align: justify;">Quando o conheci, não conseguia atingir o orgasmo acompanhada. Agora não consigo gozar nem sozinha. A única coisa molhada em mim são meus olhos, chorando 3 vezes por dia, como se esse fosse o remédio. Um ano e dois meses de lágrimas.</div><div style="text-align: justify;">Imagino ele gozando com outra, enfiado entre outras pernas dizendo "eu te amo", como costumava me dizer. E eu acreditava. Eu queria acreditar...</div><div style="text-align: justify;">... Quando ele me dizia que só comigo era daquele jeito. Que só eu fazia ele rosnar feito um cachorro. Eu acreditava. Eu queria acreditar.......</div><div style="text-align: justify;">Mesmo quando ele se contradizia sem querer </div><div style="text-align: justify;">Me fodendo por trás, ele puxava meus cabelos e perguntava: "você me ama?" e eu respondia sem hesitar: "eu te amo demais".</div><div style="text-align: justify;">Agora ele faz isso com <b>ela</b>. Não só com ela, mas com Virgínias e Brunas e Isabelles e Bárbaras e Helenas e com Maysas também. Sempre tem alguém, sempre tem uma substituta para a substituta.</div><div style="text-align: justify;">Mais um dramin.</div><div style="text-align: justify;">..........</div><div style="text-align: justify;">Meus dedos costumavam deslizar tão facilmente, era como se tivesse um pote de mel entre as minhas pernas. Agora é como se eu carregasse o deserto do Saara em mim. É tudo árido.</div><div style="text-align: justify;">Minha buceta está seca. Meu útero está secando. Meu corpo está murchando, especialmente meus seios. Minha alma está morrendo...</div><div style="text-align: justify;">Cinco e quarenta e nove...</div><div style="text-align: justify;">Minha vida gira em torno dele desde o dia em que o conheci, quase 4 anos atrás. Ele entrou em mim pelos meus olhos. Eu o vi e soube que o queria comigo para sempre. Ele chegou como quem não quer nada (o que ele queria era me comer, me disse um dia, depois de já ter comido até enjoar) e foi ocupando todos os espaços em mim. Se instalou no meu cérebro, invadiu meu coração, andou sob a minha pele, de ponta a ponta, correu pelas minhas veias, encheu os meus pulmões: hoje eu respiro ele. Ele rompeu minhas cordas vocais. Ele cegou os olhos que o acolheram. Não sobrou nada pra mim dentro de mim. É tudo dominado por sua vontade (ou falta dela).</div><div style="text-align: justify;">Eu tenho tantas ideias na minha cabeça, mas tudo se resume a ele. Então não escrevo como antes. Escrever significa me humilhar um pouco mais, inflar ainda mais o ego dele. Eu busco a aprovação dele em cada linha.</div><div style="text-align: justify;">Hoje eu sou como uma boneca esquecida num canto, como uma boneca que não tem mais graça, uma boneca sem vida, porque ele tomou minha vida. Ninguém viu e ninguém sabe. O tempo passa por mim, embranquece meus cabelos, endurece meu olhar ... novamente. Não sinto emoções fora das lembranças de cada momento dele em mim; no começo era tão doce... Ele usava as palavras mais bonitas, com sua voz aveludada. Ele dizia exatamente o que eu queria ouvir. No fim sobraram as palavras mais duras, na voz mais áspera.</div><div style="text-align: justify;">Seis e vinte e três.</div><div style="text-align: justify;">Não, no fim o que sobrou foi o silêncio.</div><div style="text-align: justify;">De dia ou de madrugada, faz um silêncio cruel dentro de mim. </div><div style="text-align: justify;">Eu estou morrendo em silêncio...</div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-65093069603080548022023-04-12T15:16:00.008-03:002023-04-12T15:17:09.806-03:00a pessoa gorda na academia <div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;">23 de abril de 2014. Eu havia começado a praticar boxe recentemente. Ninguém me forçou, foi só um pensamento que eu tive: "eu deveria fazer boxe". No princípio eu nem pensava em emagrecer, só me ocorreu que um esporte como esse poderia me ajudar a liberar a energia negativa, e sim, pensei que seria saudável para o meu corpo. Eu estava *começando* a me enxergar e a me sentir de uma forma diferente.</div><div style="text-align: justify;">Comecei bem empolgada, cheia de vontade de aprender, mas desde o princípio foi um desafio. Além de estar acostumada a uma vida sedentária, depois de anos de isolamento, eu ainda tinha muita vergonha do meu corpo ser observado em movimento. Era humilhante, para mim, ser vista correndo e pulando. Eu procurava não ser o centro das atenções. Mas quando você é uma pessoa gorda (especialmente gorda maior) e chega de legging e começa a pular corda no meio das pessoas, você atrai todos os olhares. Um dos garotos da minha turma era realmente paciente e bondoso, mas os outros me olhavam feio, me julgavam e resmungavam porque eu "os atrasava". Esse tipo de reação, por mais esperada que seja, naquela época ainda me abalava, e diante do constrangimento, eu me forçava a ir além do meu limite físico. Era cobrada e me cobrava a fazer o mesmo que os outros, mesmo sem ter o mesmo preparo. Aquilo era uma espécie de punição, especialmente moral. Depois dos treinos eu ficava muito mal, pelo desgaste físico e pelo excesso de adrenalina. Saia da academia tonta e vomitava na esquina.</div><div style="text-align: justify;">Então, aos poucos, foi perdendo o sentido para mim, porque, com o apoio torto de pessoas próximas a mim, o boxe se tornou apenas uma cruzada pelo emagrecimento, na qual o desrespeito ao meu corpo era louvado, e a ansiedade era amplificada. Exercícios por obrigação e como punição não deixam ninguém mais saudável, pelo contrário.</div><div style="text-align: justify;">Uma das maiores cobranças sociais sobre o corpo gordo é que não sejamos sedentários (como se a maioria dos magros não o fossem), mas quando tentamos praticar exercícios físicos, primeiro encontramos a barreira de que não existem roupas apropriadas do nosso tamanho, e depois, se de alguma forma superamos isso, somos ridicularizados e aterrorizados em academias. Sofremos abusos físicos quando nos forçam, por meio de pressão psicológica, a ir além dos nossos limites, e sofremos abusos quando nos observam, riem, apontam, fotografam... como se fôssemos bicho! </div><div style="text-align: justify;">Ou seja, para a sociedade, a pessoa gorda nunca será digna de respeito. Se não nos exercitamos, somos repreendidos, se nos exercitamos, somos humilhados, se comemos "besteira", somos irresponsáveis, se comemos coisas saudáveis, estamos querendo nos provar.</div><div style="text-align: justify;">HOJE eu entendo que dentro deste cenário, a única coisa que nos cabe é fazermos o que quisermos e zelarmos por nós mesmos, de corpo, mente e alma. Não é fácil se desligar dos olhares e das cobranças, mas precisamos aprender a fazê-lo. Não tem problema só fingir que não ligamos a princípio, até chegar o ponto de tal comportamento se tornar realmente irrelevante para como nos sentimos ao EXISTIR. Porque nós temos o direito de existir, de amar, de gozar, de comer... e de nos movimentarmos. Pela comunhão entre todas as coisas que nos constituem, precisamos ser gentis conosco, e acima de tudo, respeitarmos os nossos limites! Não deixe ninguém ditar o ritmo dos seus movimentos e da sua vida, ou você não encontrará ânimo algum para VIVER.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Texto de 23 de abril de 2019.</div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-46465838567900867702023-04-10T14:03:00.005-03:002023-04-10T15:19:08.826-03:00e se a shein acabasse hoje?<div style="text-align: justify;"><div>Recentemente entrei em uma discussão com uma blogueira de moda GORDA. Ela apareceu OSTENTANDO um look composto por *7 marcas*, afirmando que "a questão de roupas para pessoas gordas está quase resolvida" e que AGORA é hora de lutar por "políticas públicas". Ela estava fazendo praticamente um "arrume-se comigo para ir lutar por políticas públicas yeah fat girl power, porra!"</div><div>Quando vi aquilo, eu fiquei transtornada. Eu não conseguia acreditar no esvaziamento de pautas e na ignorância daquela pessoa. Ignorância até sobre os próprios privilégios. Tentei ignorar, fingir que não vi e ficar na minha, mas a raiva foi tomando conta de mim...</div><div>"A questão de roupas para pessoas gordas está quase resolvida? 🧐" Eu questionei, e ela respondeu: "você não acha que está quase resolvida? Muita coisa mudou no mercado plus size nos últimos 20 anos".</div><div>O que realmente mudou? Mais do que isso, ~para quais~ pessoas gordas as coisas "mudaram"? Para gordas famosinhas e bonitinhas que GANHAM roupas de marcas? Para gordas menores? Para gordas que têm as proporções limitadas contempladas pelo mercado plus size? Para as gordas com carreira e grana num mundo que exclui a pessoa gorda do mercado de trabalho?</div><div>Ela jogou a SHEIN na minha cara, afinal, "hoje é possível encontrar vestidos plus size por 40 reais". Como se TODA pessoa gorda estivesse na internet comprando lookinhos da Shein!</div><div>Muitas pessoas gordas fora desse contexto ilusório da internet sequer sabem da existência das marcas online NACIONAIS, imagina ter acesso a Shein! As pessoas gordas "comuns" dependem de marcas plus size de bairro, QUANDO tem lojas plus no bairro ou até na cidade delas. Dependem dessas lojas oferecerem seus tamanhos. Até uns 5 anos atrás, eu também dependia totalmente de lojas plus size de bairro. Eu moro numa grande capital, mas vestindo 58/60, eu não tinha minhas necessidades atendidas. Imagina então como é para quem mora em cidade pequena! Ou para quem é maior do que eu.</div><div><div>Eu usava "o que tinha", me apertava em roupas menores do que o meu corpo (e me machucava dentro delas), suava em cabines pequenas demais, chorava e arrancava os cabelos por não achar uma legging para começar a academia, uma calcinha para colocar o absorvente ou uma roupa qualquer que me fizesse sentir bonita ao invés de me sentir um saco de batatas! E pagava mais caro por esse SOFRIMENTO, tendo, assim, pouquíssimas peças de roupa. Usava uma calça jeans por 5 dias seguidos — por anos —, mesmo quando ela desgastava nas coxas e rasgava minha pele no atrito . Mas ainda assim podia cobrir a nudez. </div><div>Menos de 5 anos atrás, assim como ACONTECE para MUITAS pessoas gordas, esse "movimento" de internet não chegava até mim. Mas mesmo quando ele chegou, nada do que eu precisava ou queria era acessível. Eu conheci muitas pessoas gordas "que se amavam", que "tinham estilo" e falavam sobre moda "acessível" e "representatividade", conheci muitas lojas online, conheci feiras plus size, mas ainda não tinha acesso a nada daquilo. Ainda ficava presa em casa sem calcinha para colocar o absorvente. Eu só assistia de longe a vida "colorida" de outras gordas e pensava que o problema era o meu corpo ser tão errado. Assisti a vida "colorida" dessa blogueira, que no meio da discussão me disse que "trabalhou muito para ostentar 7 marcas e até mais se ela quiser". </div><div>...</div><div>Não foram as marcas nacionais plus size que mudaram minha realidade. Até HOJE, 2023, quase nenhuma loja plus size online oferece roupas para o meu tamanho e proporções, e as que oferecem têm preços MUITO acima das minhas possibilidades. Uma calça legging? 150 reais. UMA calcinha? 50 reais. Um vestido? 250 reais. Uma blusinha de tule? 90 reais. Um conjunto de moletom? 480 reais.</div><div>E a despeito da propaganda que fazem através de blogueiras, é sempre tudo feito de qualquer jeito. Mesmo pagando caro, o atendimento é sempre sem a menor dignidade e respeito. As tabelas são sempre uma mentira. A qualidade não é boa. Tantas vezes arrumei dinheiro e comprei dessas lojas online, e mesmo pagando valores absurdos, recebi peças de tamanho inadequado e me vi tentando me enfiar em roupas, chorando e suando, odiando meu corpo exatamente como era quando comprava em lojas físicas. A diferença é que agora eu fazia isso no meu quarto e não em uma cabine minúscula.</div><div>Mas o que mais me revoltou lendo a afirmação de que "a questão de roupas está quase resolvida", foi pensar em todas as pessoas gordas maiores que me procuram. Pensar na Maria, que 4 anos atrás me procurou contando que vestia 66 e não tinha NENHUMA peça de roupa. Para esconder a nudez, Maria usava um lençol em volta do corpo e não podia sair de casa nem para tomar um sol. Quando chegavam visitas para suas filhas, ela tinha que se trancar no quarto.</div><div>Ao longo dos anos ouvi relatos assim inúmeras vezes. Inclusive de pessoas contempladas pelas duas campanhas do agasalho que fiz aqui.</div><div>Foi de amargar ler essa fala, quando sofri tanto fazendo esssas campanhas. Eu perdi a saúde que me restava ano passado fazendo essa campanha, e mesmo com dinheiro na mão isso não foi suficiente para oferecer dignidade para pessoas gordas maiores. Mesmo com dinheiro na mão eu NÃO TINHA onde comprar os agasalhos, porque o mercado plus size nacional é insuficiente, anêmico e prefere fazer roupas para quem veste 42, 44 e 46 do que atender os tamanhos acima do 60. Comprar na Shein significaria esperar até um mês para as peças chegarem e ainda correr riscos de ser taxada. Além disso, a Shein não atendia as medidas de todas as pessoas inscritas na campanha.</div><div>Uma marca se comprometeu comigo a fazer os agasalhos sob medida por um preço mais acessível. Prometeu fazer quantas peças eu precisasse, sem limite de tamanho. Mas após pegarem o dinheiro, só me entregaram desdém. Foram meses de desgaste. Algumas pessoas só receberam seus agasalhos no fim do inverno. Muitas pessoas receberam trapos furados, manchados, descosturados. Roupas que desbotaram e encolheram na primeira lavagem. Roupas menores do que o corpo. Isso sem contar todos os desaforos que ouvi, do tipo: "não se reclama de PRESENTE".</div><div>No fim é isso, as poucas marcas que fazem tamanhos realmente grandes, cobram valores abusivos e nos tratam como se fosse um favor. </div><div>...</div><div>É uma questão de esforço, como a nossa querida blogueira afirmou? Quem trabalha MAIS do que ela, mas não tem acesso a metade do que ela tem, não se esforçou o suficiente? E as gordas que ficam peladas em casa e não conseguem trabalho porque "não fazem o perfil" de nenhuma empresa? Não se esforçaram o suficiente. Que fiquem peladas em silêncio! O importante é que uma dúzia de blogueiras gordas agora tem acesso a roupas, a eventos chiques, a dinheiro e ao que mais quiserem ostentar.</div><div>A meritocracia da pretensa esquerda é mais fétida do que a da direita. Pelo menos a direita não disfarça seus pensamentos. Eu tenho certeza que ela não me diria isso em público. Mas o mais PODRE nesse discurso, é que o namorado dessa blogueira é gordo MAIOR (68+), e mesmo TENDO dinheiro, ele não encontra uma cueca ou uma jaqueta de frio pra usar no inverno. Eu sei disso, porque ela mesma me contou ano passado, durante minha luta na campanha do agasalho.</div><div>O egoísmo é tamanho, que ela consegue ignorar a falta de acesso do próprio namorado. Ela tem acesso, então tudo bem! Por quem essa galera gorda da internet luta, além de si própria?</div><div>...</div><div>O que mudou no mercado plus size nos últimos 20 anos? Eu era uma pessoa gorda há 20 anos atrás e sou muito mais gorda agora e posso dizer que "pouca" coisa mudou. E isso sendo bem generosa.</div><div>Hoje a Shein quebra um galho, mas nem de longe é suficiente e nem deveria ser vista como A solução. A Shein atende a MAIS corpos gordos do que o mercado plus size nacional, tem uma diversidade de peças e de estilos MUITO maior do que o oferecido por aqui, e tem preços acessíveis. Mas a Shein também não atende TODOS os corpos, não atende todas as necessidades e muito menos a todas as realidades. Além disso, a Shein tem suas problemáticas.</div><div>Na prática, a falta de acesso continua a mesma para quem é pobre, para quem não acesso a internet (especialmente pessoas gordas mais velhas e/ou não-letradas), para quem não tem cartão de crédito, para quem mora onde os Correios não entram, para quem mora em cidade pequena, para quem não é gorda padrão.</div><div>Se a comunidade gorda brasileira depende de UMA marca chinesa para se vestir, não tem nada resolvido. Especialmente quando a própria Shein tem um futuro incerto no Brasil. O que acontece se a Shein acabar ou se tornar ainda menos acessível no Brasil? Pessoas magras voltam para C&A, Riachuelo e Renner. E nós, pessoas gordas? E as pessoas gordas que nem tiveram acesso à Shein?</div><div>Enquanto não tiver lojas em qualquer esquina de qualquer cidade, atendendo TODAS as demandas e as mais diversas realidades financeiras de pessoas gordas — assim como existem lojas em qualquer esquina para atender a pluralidade de gente magra — nada estará resolvido.</div><div>Não basta "ter". Se a INFORMAÇÃO não chega para a maioria das pessoas que precisam, se a maioria das pessoas não podem pagar, então a questão do acesso não está resolvida. Não está nem mesmo "quase" resolvida.</div><div>...</div><div>Mas é claro, agora a pauta de "políticas públicas" está rendendo $ mais do que a pauta de moda, já que a Shein deu espaço para que muitas gordas falem de moda, o que antes era reservado apenas para meia dúzia de blogueiras classe média e famosas. Só que mesmo sem acesso à roupas, à moda, a dinheiro ou a visibilidade, muitas pessoas gordas JÁ estão falando sobre políticas públicas há anos. Estão se esfolando e sendo silenciadas no processo, justamente pela falta de glamour do discurso... Até então.</div><div>A hora de falar sobre políticas públicas era dez anos atrás. Era quinze anos atrás. Era em todos esses anos que essa e outras blogueiras passaram falando de moda (e veja bem, de MODA, não de acesso a roupas), ganhando visibilidade e enriquecendo, enquanto tantas outras gordas morriam de fome, de frio ou por negligência médica, no anonimato.</div><div>Agora é a hora de jogar um glitter sobre as pautas de políticas públicas, ganhar views fingindo que se importa com alguém além de si mesmo e monetizar a pauta.</div><div>Esse "movimento" de internet não serve pra NADA. Nojo e cansaço é o que eu sinto dessa gente gorda elitista cujas vidas giram em torno do próprio umbigo.</div><div><br /></div><div>Pra quem vocês dão visibilidade?</div></div><div><br /></div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-77168814375494756822023-04-03T18:57:00.003-03:002023-04-03T22:07:03.548-03:00terminal<div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;">Esses dias eu ouvi uma menina dizer: "eu não sinto vontade de viver", e sua mãe indagar: "tá, mas POR QUE você não sente vontade de viver? Tem muita gente lutando para viver!"</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E esse diálogo me chocou. Bateu forte. Foi além do clássico "tem gente sofrendo mais do que você". Naquele momento eu lembrei que existem pessoas que lutam contra a morte porque amam a vida. Eu pude visualizar pessoas em hospitais e em sarjetas, lutando contra a morte, não por instinto ou por medo, mas porque realmente amam a vida e querem continuar *vivendo*. Eu tinha esquecido que é possível amar viver. Eu tinha esquecido que nem todo mundo apenas sobrevive. Que nem todo mundo pensa que seria melhor morrer.</div><div style="text-align: justify;">Imaginando essas pessoas que lutam para viver porque AMAM viver, eu me senti tão INADEQUADA nesse mundo. Eu não sinto vontade de viver. Eu não amo viver. Nunca amei, nem quando criança. Eu sinto desespero ao acordar para mais um dia. Eu penso que essa vida não tem nada para me oferecer. Nenhum prazer momentâneo compensa a agonia que é VIVER.</div><div style="text-align: justify;">Mas hoje me ocorreu que embora eu não ame viver ou sequer sinta vontade, eu TAMBÉM estou lutando para continuar viva. Eu também tenho algum apego à vida, e o motivo ficou bem claro com uma frase do Kafka que caiu no meu colo: "ele tem muito medo de morrer porque ainda não viveu".</div><div style="text-align: justify;">Eu li essa frase e chorei.</div><div style="text-align: justify;">Essa minha luta pela vida é apenas isso. Muitas vezes profissionais de saúde mental me disseram, e eu sempre soube: eu ainda não vivi, eu apenas sobrevivi a toda a violência que me impuseram.</div><div style="text-align: justify;">Talvez a minha relação com a vida seja a minha relação mais tóxica. Eu a odeio, mas não consigo largá-la. Eu até tentei, mas falhei, então só me resta seguir com ela.</div><div style="text-align: justify;">Por anos eu tenho lutado pela minha sanidade e pela minha vida, escorada na expectativa de que A VIDA pode me trazer algo de bom se eu ficar. Que eu vou perder oportunidades de viver e me sentir feliz se não estiver mais aqui. Eu tenho me apegado a essa promessa de dias melhores.</div><div style="text-align: justify;">...</div><div style="text-align: justify;"><div>O tempo foi passando e nada do que eu esperava e queria aconteceu. Pelo contrário, a vida me trouxe mais tragédias, mais violência, mais dor do que eu poderia imaginar. Quando eu penso que não pode ficar pior, fica.</div><div>Faz muito tempo que eu estou indo de mal a pior. Faz muito tempo que eu tenho sofrido com falta de apetite. Faz muito tempo que eu fico dias seguidos sem conseguir comer. Faz muito tempo que eu tenho perdido peso sem querer, sem tentar. Faz tempo que meus cabelos estão caindo, que me sinto enjoada, que meu corpo está fraco e ferido, que eu sinto dores a ponto de querer gritar. Faz tempo que não me reconheço no espelho. Faz tempo que eu não me toco e nem sou tocada, faz tempo que não sinto prazer em nada que eu gostava. Faz tempo que não consigo dormir, faz tempo que acordo chorando no meio da madrugada. Faz tempo que eu perco o fôlego de tanto chorar ao longo do dia, no meio de multidões. Faz muito tempo que vocês me assistem morrer... Porque a sensação que eu tenho é que estou morrendo, definhando, apagando, murchando. Faz muito tempo também que busco ajuda, que tento melhorar e me esforço todos os dias para recomeçar. Eu tenho lutado. Luto para viver, independente dos meus sentimentos pela minha vida. </div><div>Mas ninguém entende de verdade. Ninguém realmente reconhece meus esforços. Eu vi muita gente fazer chacota da minha dor, da minha falta de apetite, da minha insatisfação por estar perdendo peso e pelo meu corpo estar mudando contra a minha vontade. Eu vejo o olhar das pessoas. Minimizam minhas queixas ou duvidam de tudo que eu digo. Me fazem sentir louca a ponto de eu ficar me medindo e me pesando de maneira neurótica para me validar, para ter certeza de que o que eu vejo é real, porque a balança e a fita métrica não mentem.</div><div><br /></div><div>Não me acham digna e nem me dão validação. Mas eu, que não amo a vida, estou lutando para VIVER, tanto quanto qualquer pessoa que a ama.</div></div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-8077483083855788942023-04-01T00:56:00.002-03:002023-04-01T00:56:52.710-03:00autoestima?<div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Texto de 1 de abril de 2019</span></div><div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><span style="font-family: arial;"><div style="text-align: justify;">De tempos em tempos surgem pessoas me perguntando: "como ter auto-estima? Como lidar com o ódio da sociedade?"</div><div style="text-align: justify;">A verdade é que eu não tenho uma resposta definitiva para dar. Não existe resposta definitiva. Cada pessoa passa por situações diferentes, cada caminho é um caminho, e só uma coisa é certa: não existem atalhos.</div><div style="text-align: justify;">Nós crescemos sendo massacradas pela sociedade, internalizando o ódio das pessoas... E é extremamente difícil se livrar disso - especialmente porque SE AMAR não vai fazer com que as pessoas sejam menos escrotas com você! E nós não somos inabaláveis! Ninguém é! Às vezes a escrotidão do mundo vai penetrar o seu auto-amor e te fazer sentir que você realmente não tem o direito de existir, porque as pessoas não te deixam esquecer que é isso que pensam, em cada ato violento, em cada proibição e exclusão social.</div><div style="text-align: justify;">Ser abalada por todo esse ódio social não é sinal de fraqueza. O importante é continuar, não desistir. Recomeçar, se for preciso.</div><div style="text-align: justify;">Eu não tenho respostas para dar, eu só tenho a minha história. Só posso mostrar como foi que eu cheguei onde estou. E eu não cheguei "no fim". Todos os dias tenho novas coisas para desconstruir e reconstruir de forma mais saudável. Sou meu próprio "projeto em desenvolvimento".</div><div style="text-align: justify;">Construção de auto-estima leva TEMPO. É tirar tudo de ruim que colocaram nas nossas cabeças a vida inteira e colocar coisas boas no lugar.</div><div style="text-align: justify;">Não tem como plantar uma semente HOJE e esperar que ela seja uma árvore frutífera AMANHÃ. Você tem que regar a semente, alimentar a semente, conversar com a semente... e protegê-la de fatores externos... Como a praga, por exemplo. O ser humano cheio de ódio é a praga.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Seja gentil consigo mesma. Tão gentil quanto seria com outra pessoa.</div><div style="text-align: justify;">Conheça a si mesma melhor do que ninguém.</div><div style="text-align: justify;">Humanize-se. Saiba que você tem o direito de existir e de ser feliz.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E acima de tudo, PERMITA-SE viver o que desejar, desde que não fira ninguém diretamente!</div></span></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-79485576475868675762023-03-25T17:54:00.005-03:002023-03-25T17:55:35.591-03:00esperança <div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm3bcwc3zEqlbO-oaHSQcUEAJK8xf0fOcBeyCJ9zXz9phu_MAbA77D8T5ok3ZDMdiNsbI7Yo4vWdYXcITxZkMjPj1B7CkamjccuVcQOq5qpC_aIG72DO6NyCzGkVcYuBRBCBgD-wrqe_BOsgLyYEIwYtWvNsJ62jYhVzX9ePco3WvNQeJXGGnmM6Wr/s4000/Lumii_20230325_175135584.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="4000" data-original-width="2250" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm3bcwc3zEqlbO-oaHSQcUEAJK8xf0fOcBeyCJ9zXz9phu_MAbA77D8T5ok3ZDMdiNsbI7Yo4vWdYXcITxZkMjPj1B7CkamjccuVcQOq5qpC_aIG72DO6NyCzGkVcYuBRBCBgD-wrqe_BOsgLyYEIwYtWvNsJ62jYhVzX9ePco3WvNQeJXGGnmM6Wr/w181-h320/Lumii_20230325_175135584.jpg" width="181" /></a></div>Há algum tempo, todo meu ser tem pedido por um recomeço. Tantas coisas mudaram na minha vida de uns 2 anos pra cá. Minhas opiniões, minhas vontades, o que eu gosto ou não gosto. Com quem eu caminho. Vários ciclos se encerraram recentemente, mas posso dizer que eles mataram pedaços importantes de mim no processo. Agora eu me vejo um tanto perdida até sobre quem eu sou. Tenho sido inundada por tristeza e auto-dúvida. Sempre tive tristeza em mim, mas no último ano eu cheguei num lugar muito ruim. Num lugar escuro, sufocante e miserável. Sem esperanças. É um tipo de desgaste que ultrapassa o psicológico e afeta o físico. Quem me acompanha sabe que além da depressão, eu estou fisicamente doente. Vivo meus dias com dores físicas, enjoo, fraqueza. Meus cabelos caíram. Tenho me sentido derrotada e pouco interessante ou atraente.</div><div style="text-align: justify;">Mas no meu pior momento, como se fosse uma janela se abrindo no meio da escuridão, surgiram oportunidades. O universo me trouxe, através do auxílio de algumas pessoas, a chance de realizar coisas que sempre quis realizar e por algum motivo não pude.</div><div style="text-align: justify;">Uma dessas coisas foi a Libras, outra é a natação, que comecei hoje graças aos meus irmãos. Como já falei antes, eu fiz natação na minha infância e sempre foi algo que gostei muito, mas era inacessível pra mim! Ter a possibilidade de voltar a nadar nesse momento, me encheu de esperança. Não só essa atividade pode me distrair da tristeza dos meus dias, ela certamente vai me ajudar muito em relação às dores físicas que sinto e até na minha reconstrução de autoconfiança e autoestima.</div><div style="text-align: justify;">...</div><div style="text-align: justify;">Acho impossível fazer natação hoje e não pensar na Cíntia de 10, 11 anos fazendo natação. Foi como dois universos convergindo. Somos a mesma pessoa, mas ao mesmo tempo somos completamente diferentes. Eu e ela estivemos juntas o tempo todo, e nesse reinício, mais do que nunca. Hoje eu não olhei para aquela Cíntia com rancor, mesmo com as muitas lembranças negativas. Eu senti muito orgulho da nossa evolução, apesar das ruínas por onde temos caminhado.</div><div style="text-align: justify;">A Cíntia de 10 anos foi colocada na natação para emagrecer. Ela chegava na academia vomitando puro óleo após mais um episódio secreto de compulsão alimentar. Ela tinha vergonha de usar maiô e de se movimentar na frente das pessoas. Ela tomava banho usando maiô e depois se escondia numa cabine para passar o "gel redutor de gordura" que sua mãe lhe deu e depois se vestir. Ela sentia seu corpo queimar, mas aguentava, porque diziam que ela tinha que sofrer para ser "magra e bonita".</div><div style="text-align: justify;">A Cíntia de 11 anos olhava para uma moça mais gorda do que ela na turma de natação e morria de medo de ser "tão gorda assim"...!</div><div style="text-align: justify;">.....…....</div><div style="text-align: justify;">A Cíntia de 33 anos é a gorda que a Cíntia de 11 anos tinha medo de se tornar. Ainda assim, ela não voltou para a natação para emagrecer. Essa Cíntia usa maiô e se sente gostosa com ele. A Cíntia de 33 anos curte cada segundo dentro da água, se movimenta sem se preocupar com os olhares dos outros, ela impõe seus limites. Ela tem voz para tirar dúvidas e ter um melhor aproveitamento, ela toma banho nua e se seca na frente de outras mulheres. Ela não se sente mal por ser vista sem roupa.</div><div style="text-align: justify;">Talvez a Cíntia de 33 seja a figura adulta que a Cíntia de 11 um dia precisou e não teve...</div><div style="text-align: justify;">...</div><div style="text-align: justify;">Hoje foi incrível, apesar do cansaço. Depois de muitos meses parada numa cama, hoje fiz duas aulas de natação seguidas. Movimentei meu corpo fazendo algo que eu amo. Me senti viva, me senti gente. O movimento do meu corpo junto com o movimento da água me revigorou! Nesse momento eu sinto mais esperança do que tristeza.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E isso é alguma coisa ❤️</div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-26164778034850158072023-03-23T01:38:00.000-03:002023-03-23T01:38:04.021-03:00quando eu me vejo <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgy5X2pQK6Fw0CDhb8hoKPHO8QZs21awWbL8dUUO1vYJFGc-4Blq7LFgo6dVMD2omM9hsUTw8SNJ-FBj8Q1zWFKsd6vUF9Rjo8sIRJTCC5I3N9ydIcN-sf48GDAqSKHFZb2DonqKTlsGCdKvz4N2aaUajb_KoohZN8pBzpuqt2r5XZtJzSk8ahGUnUQ/s4000/20230314_094138_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgy5X2pQK6Fw0CDhb8hoKPHO8QZs21awWbL8dUUO1vYJFGc-4Blq7LFgo6dVMD2omM9hsUTw8SNJ-FBj8Q1zWFKsd6vUF9Rjo8sIRJTCC5I3N9ydIcN-sf48GDAqSKHFZb2DonqKTlsGCdKvz4N2aaUajb_KoohZN8pBzpuqt2r5XZtJzSk8ahGUnUQ/s320/20230314_094138_0.jpg" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHg7wqyb4C_QTDEWc2C5K60peROnqd_N22sh9EVlOq_nxp2eFt4Ikyk9DrzcsJCjwZ3tCeP5Ym0OFhx0Hp5tV4voAcBhu1J48MAlSdbRYhqXnaDgBKQeoCU4IT-Y3tyFTFTyqJhhqMcfKSxf5xHftZorSkZMEborseSC4i8oTzXLxTIJUG4-ZzN4Ln/s4000/20230314_094259_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHg7wqyb4C_QTDEWc2C5K60peROnqd_N22sh9EVlOq_nxp2eFt4Ikyk9DrzcsJCjwZ3tCeP5Ym0OFhx0Hp5tV4voAcBhu1J48MAlSdbRYhqXnaDgBKQeoCU4IT-Y3tyFTFTyqJhhqMcfKSxf5xHftZorSkZMEborseSC4i8oTzXLxTIJUG4-ZzN4Ln/s320/20230314_094259_0.jpg" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-nx1cO9TXm-JjLCxFqUWNmMdhzoT5TQ_wVdqgi0juHImJmlNBgd25OR-_FsMpLu-QLnLMdpjAaP51vn1WQ0nH2FafoSnv37yZd-sgkD9K1p0w5uSEy3exo0bqQH8D0bfK3yeq7IP-OVFaWOwGzWd7ep9rZl4Qr-YhVxjzpb0xe34tllRQuaBQhIHB/s4000/20230314_093331_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-nx1cO9TXm-JjLCxFqUWNmMdhzoT5TQ_wVdqgi0juHImJmlNBgd25OR-_FsMpLu-QLnLMdpjAaP51vn1WQ0nH2FafoSnv37yZd-sgkD9K1p0w5uSEy3exo0bqQH8D0bfK3yeq7IP-OVFaWOwGzWd7ep9rZl4Qr-YhVxjzpb0xe34tllRQuaBQhIHB/s320/20230314_093331_0.jpg" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgssJmColu8A_XnNIgS17iQloKSv3S9sNzBjlJJxBc_2K6GZMwn7EbfCFekulYbQXJQms0DtaN8dpRSN_PpWEYRal3zeNSY-uxpSybvqzpoi0fjg7q8mu90RTuxBPUxP1RCsopVF0L5nGAwClPIAeYWPNYHMnI3Q_dkv6LHmCpwaQ4gaOVhiF7aSAzA/s4000/20230314_093345_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgssJmColu8A_XnNIgS17iQloKSv3S9sNzBjlJJxBc_2K6GZMwn7EbfCFekulYbQXJQms0DtaN8dpRSN_PpWEYRal3zeNSY-uxpSybvqzpoi0fjg7q8mu90RTuxBPUxP1RCsopVF0L5nGAwClPIAeYWPNYHMnI3Q_dkv6LHmCpwaQ4gaOVhiF7aSAzA/s320/20230314_093345_0.jpg" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4ABpbLCPcReDq7dUoe1gwOJI4MXwrh2_IaFSXBKEgmR2Qw_0TG4J96BM-sSluQjWVgJg_2Jqr7ikuOFXjQ5xLkh1BX5S-VmWorAMDSA8q60gFamGvq1xCu17_toPkqFvXTU732I-d5jtGyU7Q0MtVhYZm54nEqNiWmIlp2g2eBFxPdihsfCfGtDC-/s4000/20230314_093431_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4ABpbLCPcReDq7dUoe1gwOJI4MXwrh2_IaFSXBKEgmR2Qw_0TG4J96BM-sSluQjWVgJg_2Jqr7ikuOFXjQ5xLkh1BX5S-VmWorAMDSA8q60gFamGvq1xCu17_toPkqFvXTU732I-d5jtGyU7Q0MtVhYZm54nEqNiWmIlp2g2eBFxPdihsfCfGtDC-/s320/20230314_093431_0.jpg" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4hHaf8_cJPvEv_uCPWbKtCXhI1qrK6Lhu3wkrIAl--mJgpZ17MgMEFdtbf7OQkJRhKYcJDffb-5A-fvSfku2t4XZ2_1G2hwOON3frfu4xmr4GbinT6eHeqpkzrjy6J2JlR1C5Q7Xe3V3xAOvFcSsCIbk64nizNWCgL-WDraoy6c5NFARmWdjeQsFI/s4000/20230314_093455_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4hHaf8_cJPvEv_uCPWbKtCXhI1qrK6Lhu3wkrIAl--mJgpZ17MgMEFdtbf7OQkJRhKYcJDffb-5A-fvSfku2t4XZ2_1G2hwOON3frfu4xmr4GbinT6eHeqpkzrjy6J2JlR1C5Q7Xe3V3xAOvFcSsCIbk64nizNWCgL-WDraoy6c5NFARmWdjeQsFI/s320/20230314_093455_0.jpg" width="320" /></a></div><div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivJ7Zq_75a2tcK7EiulgQEz8iGCei0301c3VsI5KaXE5iNHmaKLkxXKk3vioL_7Rbs1adKV1MvL50mRaMHoTYwaccS_Ko9_X5cvZ7j2tKA0MlC3lh3GTgC2A7lbvTfRvrEhhp3TKbW_rEy1X_jq5XAUZMbesdbBpa_1hFadyigWPI9RXVB5WXh_WfS/s4000/20230314_093511_0.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivJ7Zq_75a2tcK7EiulgQEz8iGCei0301c3VsI5KaXE5iNHmaKLkxXKk3vioL_7Rbs1adKV1MvL50mRaMHoTYwaccS_Ko9_X5cvZ7j2tKA0MlC3lh3GTgC2A7lbvTfRvrEhhp3TKbW_rEy1X_jq5XAUZMbesdbBpa_1hFadyigWPI9RXVB5WXh_WfS/s320/20230314_093511_0.jpg" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br />† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-67662474875600600792022-12-06T21:44:00.003-03:002022-12-06T21:45:39.138-03:00Juventude sugada: recortes e padrões das relações entre adolescentes e pessoas adultas <p style="text-align: justify;">(aviso de gatilhos: menções a solidão da pessoa gorda, pedofilia, violência sexual, violência psicológica, violência física)</p><p style="text-align: justify;">Nota: os cards complementam o texto!</p><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Eu fui uma pré-adolescente sonhadora, carente, com uma sexualidade precocemente aflorada... e sem supervisão ou direcionamento. </div><div style="text-align: justify;">Talvez por influência das novelas que eu assistia compulsivamente, eu sempre quis amor. Queria namorar. Sendo uma menina gorda, isso parecia muito distante para mim. Enquanto eu via minhas colegas magras ficando e namorando meninos da nossa faixa etária (literalmente via, porque eu era a ponte para que isso acontecesse sem que suas mães descobrissem, cedendo minha casa e minha vigilância), trocando cartinhas (às vezes escritas por mim) e sendo levadas a encontros em parques de diversões, eu era assediada por homens tão velhos quanto o meu avô e rejeitada por todos os meninos ao meu redor. Eu ainda não havia lidado com aquela vozinha na minha cabeça dizendo que eu também gostava de meninas, o que de qualquer forma não teria me trazido nada palpável, porque como aprendi mais tarde, meninas e mulheres rejeitam corpos gordos até mais do que muitos homens. Eu assistia minhas colegas beijando, assistia minhas novelas mexicanas e escrevia no meu diário, como um clichê ambulante, esperando que um dia chegasse a minha vez, mas temendo que isso nunca acontecesse.</div><div style="text-align: justify;">Em todos os lugares, especialmente em casa, eu ouvia que se não emagrecesse, ninguém iria me querer além daqueles velhos que me diziam absurdos pelas ruas desde os meus 9 anos, o que me causava profundo nojo, mas fazia minha mãe rir.</div><div style="text-align: justify;">Eu pensava que teria sorte se um dia fosse beijada. Eu tinha medo de morrer sem amor. De morrer virgem.</div><div style="text-align: justify;">Até que descobri a internet. Muitos anos atrás, anonimato era basicamente uma regra da internet. Não era necessário confirmar nenhum dado, e quase ninguém tinha câmera para tirar fotos e postar. Não era realmente esperado que alguém mostrasse a verdadeira face. Podíamos ser qualquer pessoa. De repente era possível encontrar qualquer tipo de pessoa, com qualquer tipo de interesse.</div><div style="text-align: justify;">E assim eu encontrei pessoas que "não ligavam" que eu fosse gorda e que eram "interessantes" e "sensíveis". Pelo menos a princípio. Eu tinha 13 anos, e comecei a ter contato com pessoas, homens e mulheres, de 20 a 40 e poucos anos que me falavam de livros de poesia, música, paixão... E tesão. Começavam o papo com a poesia, logo estavam me chamando de "meu amor" e dizendo que eu era "muito madura pra minha idade", "muito interessante", e terminavam se tocando na frente da web cam para que eu assistisse (a pedido delas). Eu ficava apavorada, mas também instigada e sempre cedia a esse instinto. Muitas dessas pessoas nem "precisavam" que eu mostrasse também, bastava para eles me mostrar o que faziam, escondendo o rosto e narrando o que estavam pensando, enquanto eu me tocava e também descrevia meus movimentos, sensações e sentimentos. E deixo claro que não foram só homens: muitas mulheres mais velhas fizeram isso comigo. Com elas eu me sentia até mais a vontade para também ligar a web cam.</div><div style="text-align: justify;">Provavelmente essas pessoas nunca mais pensaram em mim e nem se lembram que eu sequer existi algum dia, mas EU lembro nitidamente da maioria delas. Lembro sempre de uma dessas mulheres com quem eu conversava com frequência quando eu tinha 15 anos e ela mais de 40. Ela adorava se exibir nua para mim quando o marido dela saía para trabalhar. Adorava a possibilidade de ser pega fazendo isso.</div><div style="text-align: justify;">Diferente de muitos adolescentes que desenvolveram compulsão por pornografia, eu não precisava nem entrar em sites pornô, pois tinha adultos gerando pornografia exclusivamente pra mim. Eu ficava no computador no meio da sala de casa, com 13, 14, 15 anos, fazendo sexo virtual com adultos, às vezes quase sendo pega também. E na hora eu me sentia bem, era fisicamente gostoso, mas depois me sentia suja, culpada, errada. Usada. Sentia nojo deles e de mim. Os impactos disso na minha vida foram exatamente iguais aos de vício em sites pornográficos. Por "covardia", eu não "consumei o ato" com nenhuma dessas pessoas, apesar de ter encontrado algumas delas, mas todas aquelas ocasiões, somadas aos abusos sexuais que sofri na infância, fizeram um estrago na minha percepção de sexo, amor e confiança que durou anos, e retardou bastante minhas primeiras experiências sexuais físicas, porque sexo para mim era algo sujo, ligado a culpa e medo. Eu não conseguia pensar em fazer sexo com alguém que eu realmente amasse, porque seria como sujar esses sentimentos.</div><div style="text-align: justify;">E mesmo quando essas interações não tinham nenhuma abordagem sexual, eu vivi experiências bizarras e que poderiam ter acabado muito mal. Uma vez, quando eu tinha por volta de 13 anos, me apaixonei por um cara na casa dos 30 anos, que primeiro me convenceu, com galanteios e palavras doces, que estava apaixonado por mim e "não se importava" com o meu peso, e depois, usando da minha insegurança, tentou me convencer de que se EU não gostava de ser gorda, ele poderia me ajudar a emagrecer, porque "me amava" e queria me ver bem. A proposta dele? Que eu RETIRASSE alguns dos meus órgãos. Segundo ele, eu não precisava de todos para viver e a retirada de alguns me faria perder peso. Ele queria me indicar onde e como fazer isso. A princípio pensei que ele estava brincando, mas quando vi que era sério, cortei contato. Eu não era TÃO ingênua assim. Mas anos depois fiquei pensando que alguma garota talvez tenha sido ingênua e desesperada o suficiente para ter tentado esse "método", que com certeza nada mais era do que um golpe para venda de órgãos. </div><div style="text-align: justify;">Aos 15 anos eu me relacionei online com um cara de 21 anos, e quando terminei o "namoro", logo após nos conhecermos pessoalmente (encontro no qual ele me beijou a força), ele começou a me perseguir, a me difamar online e ameaçava, inclusive através de ligações, contar meus segredos para o meu pai. Essa perseguição durou uns 2 anos. Nenhum adulto ao meu redor tinha ideia de que essas coisas aconteciam na minha vida, e até hoje muita gente minimiza a gravidade e as consequências dessas situações, dizendo que nada disso foi "real", porque aconteceu "na internet". Uma pessoa adulta, homem ou mulher, se masturbar na frente de uma adolescente de 13 anos enquanto fala putaria, é violência sexual. Um adulto convencer uma adolescente de 13 anos a se masturbar na sua frente, é crime. Um adulto de 21 anos perseguir, difamar e ameaçar uma adolescente de 15 anos, é violência psicológica, é crime. São atos moralmente errados e ilegais, independente do lugar ou da maneira que aconteceram. Foi bem real para mim e teve efeitos duradouros na minha vida afetiva e sexual.</div><div style="text-align: justify;">É claro que poderia ter sido muito pior. Eu poderia ter fugido de casa, poderia ter engravidado, apanhado, ter sido estuprada ou assassinada. Poderia ter me tornando de fato parte das estatísticas, e talvez ninguém ficasse sabendo o que aconteceu comigo.</div><div style="text-align: justify;">Um adolescente "se relacionar" com uma pessoa adulta não é mais TÃO naturalizado quanto já foi um dia, mas ainda está muito longe de deixar de acontecer. Muitas pessoas jovens caem nas garras de pessoas adultas e sofrem violência psicológica, física e sexual, às vezes sem que ninguém saiba, mas outras vezes com aval dos pais e responsáveis das mesmas. Infelizmente não tem como PROIBIR uma pessoa de se relacionar com outra, nem mesmo um adolescente. Tentar proibir, muitas vezes até aumenta a vontade de estar naquela relação.</div><div style="text-align: justify;">O que podemos tentar fazer é conscientizar esses jovens dos riscos que essas "relações" oferecem. Deixar aberto um canal de comunicação claro e livre de julgamentos. Eu realmente queria que adolescentes entendessem que quando nós, pessoas adultas, problematizamos elas se relacionarem com pessoas mais velhas, não é um ataque a elas e nem estamos sendo caretas ou conservadoras, estamos tentando alertá-las, zelar por elas, pois muitas vezes já sofremos na mesma situação. Infelizmente não é uma comunicação fácil. Eu mesma não teria ouvido ninguém na minha época de adolescente, ainda que tivesse alguém para cuidar de mim. Eu sei que é muito sedutor ter 13, 14 anos e ouvir de uma pessoa adulta, especialmente quando a admiramos, que somos "maduras para a nossa idade", que somos "mais interessantes do que muitas pessoas adultas". É até gostosa a sensação de saber que alguém sente tesão por nós, e de sentir tesão também, afinal, estamos conhecendo nossos corpos. Mas isso tem seu peso e seu preço. Ter desejos aos 14, 15 anos, e estar pronto para bancar esses desejos, ainda mais com uma pessoa adulta com exigências e com experiência, são coisas diferentes.</div><div style="text-align: justify;">Uma pessoa maior de idade que se relaciona com uma pessoa pré-adolescente ou adolescente, já está errada ou com más intenções desde o começo. Muitas vezes, a imatura é ela, por isso "não se garante" com pessoas da mesma idade e precisa conquistar pessoas mais jovens, que não perceberão isso. </div><div style="text-align: justify;">Só com o tempo e bastante terapia eu entendi os perigos que passei ao me expôr com 13, 14 anos, não só sexualmente, mas psicológica e fisicamente, revelando todos os meus segredos e me encontrando com pessoas adultas da internet. Só o tempo me fez admitir que fui ingênua, que fui usada como objeto de prazer e que não, eu não tinha maturidade para me relacionar com tais pessoas: não tinha como eu ter, pois estava começando a vida, e já vinha de um lugar ruim. É difícil para um adolescente admitir que não é extremamente maduro, que ainda não tem muita bagagem. Soa como uma ofensa, eu sei, mas não ser maduro na adolescência não é demérito, é uma parte natural do processo do ser humano. Nessa fase da vida estamos aprendendo a viver, até os nossos cérebros ainda estão em formação. Entender isso o quanto antes, ou aceitar os conselhos de quem passou pelo mesmo, pouparia muita dor e TRAUMA para o resto da vida, pois os relacionamentos que vivemos na adolescência nos marcam pra sempre, moldam como iremos nos relacionar no futuro...</div><div style="text-align: justify;">E uma relação com uma pessoa bem mais velha SEMPRE vai ter um desnível de poder absurdo e por isso quase sempre vai "se tornar" abusiva e SEMPRE trará prejuízos emocionais. E isso nem se restringe às relações entre adolescentes e pessoas maiores de idade. Esse desnível de poder e potencial abusivo se estende a qualquer relação onde as pessoas tenham muita diferença de idade, seja uma pessoa de 15 com uma de 20 ou 30, seja uma pessoa de 25 com alguém de 40 ou 50. São fases bem diferentes da vida, marcadas por diferentes níveis de experiência e status social. </div><div style="text-align: justify;">É inegável que uma pessoa com menos experiência de vida está mais suscetível a ser manipulada por uma com mais experiência. E independente da quantidade de coisas que aconteçam no começo da vida de uma pessoa, tem coisas que só o tempo e um maior período de observação de mundo pode ensinar!</div><div style="text-align: justify;">E isso se intensifica por questões financeiras, não só porque dinheiro garante acessos que geram experiência, mas porque com dinheiro é fácil levar pessoas jovens à dependência financeira (seja por necessidades básicas ou ambição). Dinheiro é ferramenta de controle, e quanto mais uma pessoa tem, mais fácil é comandar vidas, perseguir pessoas.</div><div style="text-align: justify;">Existem exceções, é claro, mas é muito mais provável uma pessoa mais velha ter estabilidade financeira do que uma mais nova. E mesmo quando a pessoa jovem pensa que ela também está usando e ganhando algo, ela está sendo mais usada e perdendo muito mais do que a pessoa mais velha.</div><div style="text-align: justify;">É claro que *entre adultos* pode acontecer uma relação natural e saudável mesmo com uma grande diferença de idade. O amor pode nos surpreender. Mas são poucos os casos com a chamada "age gap" que não terminam em abusos e tragédias. Temos muitos mais exemplos negativos do que positivos, tanto na vida de pessoas anônimas, quanto na vida de pessoas públicas. Um caso brasileiro bem conhecido é o de Eloá, que em 2008 foi assassinada por seu então ex-namorado. Eloá tinha 15 anos e seu assassino tinha 22 anos. É muito fácil recordar de casos semelhantes envolvendo adolescentes e ex-namorados maiores de idade que cometeram tais crimes após o término do relacionamento. </div><div style="text-align: justify;">Recentemente Demi Lovato lançou a música "29", expondo sua experiência de ter se "relacionado", quando tinha 17 anos com um homem de 29 anos. Na letra ela reflete sobre como uma adolescente de 17 não é plenamente capaz de consentir a uma relação com essa diferença de idade e deixa claro o papel de PODER que ele exerceu em sua vida. Antes de Demi, esse mesmo homem já havia se "relacionado" com Mandy Moore quando ela tinha 15 anos e ele 20 (e depois inclusive espalhou que havia tirado a virgindade dela, como se isso fosse uma conquista) e com Lindsay Lohan, quando ela tinha 17 e ele 24.</div><div style="text-align: justify;">O caso de Evan Rachel Wood é outro que nos mostra a realidade desse tipo de relação. Wood tinha 18 anos quando começou a se relacionar com Marilyn Manson, que tinha 37 anos. Há alguns anos ela tem exposto os abusos que sofreu, desde ser "marcada" (através de escarificação), distanciada de familiares, impedida de usar anticoncepcional, ser forçada a cozinhar após um aborto, a estupro. A vida e a carreira dela foram severamente afetadas por todas essas situações, e ainda assim o público prefere ficar ao lado de Manson.</div><div style="text-align: justify;">Ao se relacionar com uma pessoa mais velha, além da diferença de idade e de níveis de experiência, tanto meninas quanto meninos, em diferentes graus e formas, ainda terão que lidar com o machismo de toda a sociedade. Enquanto meninas são culpabilizadas por essas "relações" e abusos, acusadas de "terem provocado" pessoas mais velhas, em especial, homens mais velhos, meninos terão os abusos sofridos anulados. Qualquer tentativa de expor abusos de cunho sexual, será silenciada pela percepção social de que meninos serem "sexualmente iniciados" por mulheres mais velhas é sorte. Meninos que sofrem abusos de homens e meninas que sofrem abusos de mulheres passam ainda pelas ideias preconceituosas, limitadas e estigmatizante de uma sociedade heteronormativa. Enquanto meninos abusados por mulheres têm sua "masculinidade" glorificada, meninos abusados por homens têm sua sexualidade questionada ou colocada como fator gerador de tal violência, fazendo com que poucos garotos nessa situação exponham os abusos sofridos.</div><div style="text-align: justify;">Apesar dos recortes possíveis, quando a pessoa "mais jovem" (maior de idade) da vez é só "mais uma" numa longa lista, quando existe um padrão bem definido, e se relacionar com pessoas bem mais jovens é uma REGRA nas relações de uma pessoa mais velha, há de se pensar no porquê. Isso é nítido quando observamos homens ricos e poderosos, como por exemplo Leonardo DiCaprio e Johnny Depp, estampados pela grande mídia ostentando uma mulher mais jovem por ano. Ao observarmos a forma com que cada uma dessas mulheres é descartada e coletivamente exposta, torturada, reduzida a pó publicamente após o término. Quanto mais velhos eles ficam, mais jovens exigem que seus pares sejam, e embora "as escolhidas" sejam maiores de idade, sempre têm uma aparência e às vezes até uma "postura" de adolescente, deixando assim claro que a imagem que os atrai é essa, e o que os impede de se relacionar com adolescentes de fato não é a moral e sim o medo do cancelamento e das consequências legais. </div><div style="text-align: justify;">Muitas pessoas têm a juventude consumida como um produto por pessoas mais velhas. Essas pessoas sugam a juventude dos outros para se sentirem elas mesmas mais jovens e cada vez mais poderosas. Usam jovens como força braçal, como troféu, como objeto sexual ou como suporte afetivo para alimentar o próprio ego. E no fim, quando a pessoa já não é TÃO jovem, quando teve toda sua juventude retirada de si a força, ela é descartada. Trocada por uma pessoa MAIS jovem. Porque ninguém é jovem para sempre, e a ideia de juventude reforçada pela mídia dura tanto quanto um sopro.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioMZnHsbfN_0-3vvjE1LGVdNiOXfSMHAPT9_xoQyl7Qn_AmGA2W0lXcOXR6Jh2Zclhp5ckcnRfX7HBM2uXi4cQmOBc3Dvk9T-sfqTFvYrBtJIMPVarvNFYy9L0eDNs9XuL-d00Cu8faUcQHn8QkKk-VoRsvNK-_sWvltQ8MhX83AkfcDHwXfRk9ZFE/s800/20221206_213437_0000.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioMZnHsbfN_0-3vvjE1LGVdNiOXfSMHAPT9_xoQyl7Qn_AmGA2W0lXcOXR6Jh2Zclhp5ckcnRfX7HBM2uXi4cQmOBc3Dvk9T-sfqTFvYrBtJIMPVarvNFYy9L0eDNs9XuL-d00Cu8faUcQHn8QkKk-VoRsvNK-_sWvltQ8MhX83AkfcDHwXfRk9ZFE/s320/20221206_213437_0000.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; 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margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEha5N7LCNM2RVHyYRbkWGBmtBKTLKBJO1JfDV6tShqin1hRrR6RLQVdfRehdnRug72kOhedworEOt1AbPL5fFAQV0uvmyaz79R6sdLWnNG_D-ydz1gKMuv5UQN3svJ7AAXt0hy-dFH0qs2UbAxIWoioLRqnC7c_qzT1R3rGcI33o9sK5xssrEFErQMJ/s320/20221206_213515_0000.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUyR5s-7zDLtHz52gX1FSpfEmfcywoq4eSFx-ku5UEOjm9LMCLDNU7GjqkcoX2bP8hGQkgTeWVNOHwoidcIG_ZFdfCLDjfPyKUe5aNO-1QW4MJu-zPFUaq13OJGO2VTd1-PMj_6RIJXzj-2lRikOSEDW7bWKRKxdlmwOlQg6pHbwgEaSIKwmqujjsS/s800/20221206_213528_0000.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUyR5s-7zDLtHz52gX1FSpfEmfcywoq4eSFx-ku5UEOjm9LMCLDNU7GjqkcoX2bP8hGQkgTeWVNOHwoidcIG_ZFdfCLDjfPyKUe5aNO-1QW4MJu-zPFUaq13OJGO2VTd1-PMj_6RIJXzj-2lRikOSEDW7bWKRKxdlmwOlQg6pHbwgEaSIKwmqujjsS/s320/20221206_213528_0000.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; 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margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDl3q8vhZhOK_ZDdNz45lF8UuzoHts185R-kfbzuFsYyXXVd-MgBj-60EAZxpvC5lOMfYTxEkx6JNVkhHPcdSSYrJ94eBD8SuoX7VeiYCUmjASjVV5FGNOLkwetYVr8uhWbfIWa7H4fJME3GCQADPLh3DoxMDnnaTAs_hM6OC3PHlcQob3URtF4q_w/s320/20221206_213545_0000.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMwliDojlLgQyAu214xJ31mWmXvd3JRaNY6n8A3lYAuvue6ZQGgQ3wXupZ5oGRhn_JSpiVLKZBH4FnwOFbKYkUWkKaYU8QJG4Pwhb692tJ59ZwRtgqp7TdHs10RDZv5N2uzlexVzwcPgzPUAA4ux97x6O8qL7IRDvTsTON1g9fOxeiUtZ2VslAgx5J/s800/20221206_213551_0000.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMwliDojlLgQyAu214xJ31mWmXvd3JRaNY6n8A3lYAuvue6ZQGgQ3wXupZ5oGRhn_JSpiVLKZBH4FnwOFbKYkUWkKaYU8QJG4Pwhb692tJ59ZwRtgqp7TdHs10RDZv5N2uzlexVzwcPgzPUAA4ux97x6O8qL7IRDvTsTON1g9fOxeiUtZ2VslAgx5J/s320/20221206_213551_0000.png" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-83396175701946450472022-11-23T19:56:00.005-03:002022-11-23T19:57:17.357-03:00natalina <div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;">Fazia um bom tempo que eu não me animava a tirar o pó dos meus enfeites preferidos e montar uma árvore de natal.</div><div style="text-align: justify;">Essa época costumava ser uma injeção de ânimo para mim, mesmo que isso tivesse suas limitações práticas e viesse com um prazo de validade. Eu amo coisas coloridas, vibrantes, que piscam. Amo rituais. Gostava muito de montar minhas próprias árvores (uma no quarto e uma na sala) e encher a casa de enfeites. Também adorava ficar sentada num banco de praça, observando as pesssoas passando e sendo também iluminadas pelos pisca-piscas pendurados em árvores reais. As pessoas se tornavam parte da decoração. Eu ficava ali por horas, num universo particular, sentindo o cheiro das árvores piscando, observando suas folhas caindo numa dança sob o reflexo colorido das luzinhas. Sentindo a brisa de natal penetrando minha alma...</div><div style="text-align: justify;">Nos últimos anos, nada. Eu fiquei só admirando de relance as luzinhas e enfeites das lojas. Nem os espaços públicos tiveram grandes decorações. Faltou ânimo em todos, até nas luzinhas meio queimadas...</div><div style="text-align: justify;">Porém, confesso: não era só das decorações que eu gostava. Eu amava todo o conceito de união, amor, compaixão e magia que essa época costumava trazer nas pessoas, mesmo que isso fosse momentâneo e não se estendesse a mim, que quase sempre passo o natal sozinha. Eu amava o cheiro da comida natalina e de roupa nova. Amava a ideia da troca de presentes.</div><div style="text-align: justify;">Gostar de natal é apenas mais uma das minhas contradições: uma ateia anticapitalista apaixonada pela IDEIA do natal! Bem, apesar de todas as ideologias forjadas na base da racionalidade e até certa amargura, eu também cresci numa cultura cheia de filmes natalinos falando da magia dessa noite. Também me sinto inundada por esse conceito, mesmo que seja algo tão distante da minha realidade. Não tenho vergonha de admitir que choro assistindo O Natal Encantado da Bela e a Fera. Que gargalho assistindo Esqueceram de Mim.</div><div style="text-align: justify;">Eu não tenho nenhuma expectativa de uma noite de natal encantada... me sinto tão longe dos meus sonhos e ideais. Mas esse ano comecei a sentir cheiro de natal já em agosto, como antigamente, e decidi montar uma árvore. E fazer isso foi como resgatar um pedacinho bom de mim mesma.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggbMb81oAbeZYmNLXC7lKu_d1fNJnvVIqyhLp50jNPumC775Zg-CQvCuVIjqLYYwfSguaaPWYzr45UoDG8MGMGq-oRAHRM5mbZFUhUSI0aNMKpiappkpAT4OV7nNY9oYb4u2RTl5wQpuboaR9oWKv9W2Gn9nIO0q33ww0tAg3UmyxiIxLKzgwTxJVl/s2413/IMG_20221123_195544.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2413" data-original-width="2368" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggbMb81oAbeZYmNLXC7lKu_d1fNJnvVIqyhLp50jNPumC775Zg-CQvCuVIjqLYYwfSguaaPWYzr45UoDG8MGMGq-oRAHRM5mbZFUhUSI0aNMKpiappkpAT4OV7nNY9oYb4u2RTl5wQpuboaR9oWKv9W2Gn9nIO0q33ww0tAg3UmyxiIxLKzgwTxJVl/s320/IMG_20221123_195544.jpg" width="314" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-44989947021739282942022-11-21T02:38:00.006-03:002022-11-21T02:41:45.272-03:00sua amiga<div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Você me pede perdão</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E me oferece sua amizade...</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Sua amiga?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando eu sinto seu cheiro</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Antes mesmo de te ver chegando?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Se quando te vejo</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Caminhando na minha direção </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Eu tenho o impulso de correr até você</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Te agarrar</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Rasgar as suas roupas</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Possuir e ser possuída</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">No meio da multidão?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando a sua energia </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Esparrama cores vivas</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Sobre o cinza dessa cidade </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E sobre o meu próprio mundo cinza?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando a sua voz</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Silencia os barulhos violentos</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Da Metrópole </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E acalma mais meu coração</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Do que qualquer música que eu já ouvi?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando as suas palavras</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Exercem maior fascínio</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Sobre a minha mente</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Do que a soma de todas as palavras</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Que li nas páginas dos meus livros preferidos?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando o calor que irradia da sua pele</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Aquece a minha pele fria</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Melhor do que o sol do meio-dia?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando o seu abraço me conforta</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Mais do que a minha casa,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Mais do que todos os museus que já visitei,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Mais do que a minha própria carcaça?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando um mero roçar de pernas</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Incendeia o meu corpo inteiro,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Dentro</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Fora</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E de tal maneira </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Que minhas células parecem</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Querer abandonar meu corpo</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Em busca do seu?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando eu sinto a minha alma</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Sendo atraída pela sua</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E os meus dedos imploram contato</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Com os seus?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando noite após noite,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Eu fantasio com o peso do seu corpo</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Sobre o meu corpo,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Se de pernas abertas</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Eu lembro do seu olhar sobre</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">O meu rosto?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando eu sonho com você</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E ouço meu próprio gemido</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Recitando o seu nome?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando ao acordar</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Eu sinto meu estômago revirar de tristeza</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Por você não estar ao meu lado?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando nós viramos as costas</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Após o beijo de despedida e</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ainda de pernas bambas,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Eu começo a contar os dias</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Os minutos</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">E os segundos </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Para te ver novamente?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando o meu coração </span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Está em chamas</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Ardendo</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">De amor</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Por você?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando eu quero ser mais</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Do que sua amiga?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Quando eu sei como é ser mais</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Do que sua amiga?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Me diga,</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">Como eu posso ser sua amiga?</span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;"><br /></span></div><div style="text-align: left;"><span style="font-family: arial;">(21 de novembro de 2019)</span></div>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-4691656050412808349.post-32599135231023643462022-10-05T22:33:00.007-03:002022-10-06T05:57:41.341-03:00uma flor murcha no concreto da cidade <div style="text-align: justify;">Eu cheguei nesse ponto da vida que parece que tudo se resume a bebês. Para todos os lados que eu olho, vejo bebês ou alguém falando sobre bebês. Na mídia, nas redes, nas rodinhas de conversa: bebês. Alguns se programando para tê-los, outros se esquivando de tal possibilidade com todas as forças.</div><div style="text-align: justify;">Quase todas as conversas que tenho com os meus irmãos, recém-chegados aos 30, terminam na expectativa de trazermos mais bebês para nossa família e nessa corrida contra o tempo.<br />Para eles é quase uma questão de linhagem. Quase uma obrigação moral de manter o nome <b>Lira</b> vivo.<br />Para mim é algo mais... </div><div style="text-align: justify;">......<br />Eu vejo um grande relógio pendurado na parede da minha mente. Os ponteiros correndo e mudando de posição freneticamente. Ouço o tic tac tic tac tic tac dentro de mim 24 horas por dia e me sinto <b>murchando</b> a cada tic, <b>apodrecendo</b> a cada tac.<br />Tento não pensar em nada disso, mas o relógio está sempre ali, tic tac em movimento, um lembrete ambulante me mantendo agitada, insone, <i>impotente</i>... e paradoxalmente, <b>estática</b>, em posição de espera. Paralisada pela iminência de cada segundo e o que a soma de todos eles pode me trazer. Loucura, esterilidade, fatalidade.<br />A última conversa que tive (ou melhor, participei) sobre bebês, terminou com um soco no meu peito, quando ouvi a profecia: "acho que a Cíntia não vai ter filhos".<br />"Não diga isso", ouvi minha própria voz rebater sem forças... "Se esse for o caso, eu vou ser infeliz para sempre".<br />.... <b>Sempre</b> quis um filho. Mas eu seria uma boa mãe? O que eu poderia oferecer aos 15? O que eu poderia oferecer aos 25? O que eu posso oferecer agora?<br />32 anos, quase 33. Eu nunca pensei que chegaria até aqui. Com todo o meu coração, eu achei que morreria extremamente jovem. Me conformei com não ter nada naqueles pretensos breves anos. Porém, contra a minha vontade, os anos foram se acumulando, e já não tem sido breve há algum tempo. O peso de não ter nada, que era suportável, agora me esmaga.<br />É angustiante pensar em ser infeliz <i>para</i> <i>sempre</i>, mas me consolo: quanto mais pode durar o meu "para sempre"?<br />Independente das ironias da vida, provavelmente tenho menos tempo de vida para viver do que de vida vivida.<br />Cada dia que eu vivo dessa forma, é um dia a menos para ser a mãe desse ser que eu sempre quis. Cada minuto que passa, esse bebê fica um pouco mais fora do meu alcance.<br />Não sinto orgulho real de ainda estar viva, "vivendo" da forma que eu "vivo". Eu sinto que ainda estar aqui, mas distante de tudo que eu sempre quis, é o meu castigo por ter tentado <b>tanto</b> morrer. É o maior <b>foda-se</b> que a vida me deu, uma forma impiedosa de mostrar quem é que manda nessa porra (!).<br />Eu não quis, não planejei, mas fiquei aqui.<br />Estou aqui... ?<br />Existo trancada em uma caixa de vidro disposta no meio de uma multidão que se renova a todo momento. Daqui de dentro eu vejo as pessoas e elas me assistem de relance enquanto transitam, indo de um lado para o outro, ora sozinhas, ora em pares, ora em grupos... carregando amores, carregando flores, carregando dores impermanentes. Carregando bebês.<br />Atrás do vidro eu olho fixamente para cada um desses bebês.<br />Quem observa meu olhar demorado e por vezes inexpressivo pode pensar que eu odeio esses seres que choram e riem, que babam e se agitam entre braços e babados e brinquedos. Por fora eu não sei expressar muito. Por dentro, eu sou tomada ao mesmo tempo por um amor e uma tristeza que me rasga, que me afeta de tal forma que eu penso novamente que a morte é a minha única salvação. </div><div style="text-align: justify;">Por instinto eles também me olham, mas com seus olhos inocentes, provavelmente não entendem o afeto que o meu sorriso sutil e triste lhes oferta.<br />Coloco os óculos escuros e choro escondida atrás das lentes e da minha falta de expressão. A violência da minha mãe me fez aprender a chorar em silêncio e eu nunca desperdicei esse <i>dom</i>.<br />A <b>violência</b> da minha mãe é o que me fez questionar, por muitos anos, se eu seria uma boa mãe.<br />Eu seria uma boa mãe?<br />Eu seria uma boa mãe, meu bem?<br />O <b>meu</b> <b>bem</b>, numa sombria tentativa de conter a urgência dos meus desejos (ou exigências?), disse de muitas formas que <b>não</b>. Eu não seria uma boa mãe. Ao mesmo tempo, balançava na minha frente a possibilidade de me dar um filho, como um adestrador balançando uma recompensa na frente de um cachorro, usando meu desejo (ou exigência?) como ferramenta de controle. <b>Se</b> eu fosse uma <i>boa</i> <i>menina</i>, ele me daria um filho. Algum dia.<br />Ele regou e nutriu essas sementes com tanta dedicação, que cresceu uma floresta dentro de mim.<br />Eu estou perdida na mágoa dessa floresta, regando novas sementes de dúvidas e desesperos com as minhas lágrimas.<br />.........<br />As pessoas passam, os bebês passam. Às vezes acenam. Seguem.<br />Aqui dentro eu estou sempre sozinha, me debatendo com essa dor que nunca cessa.<br />Os dias passam e eu vejo tudo de longe, sonhando sonhos impossíveis, me sentindo cada dia mais intocada e morta.<br />Eu seria uma boa mãe, meu bem?</div><div style="text-align: justify;">Eu queria tentar ser.</div><div style="text-align: justify;"><br />Tic tac tic tac tic tac</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p>† Cíntia fucking Lira †http://www.blogger.com/profile/11419557019660500706noreply@blogger.com