domingo, 3 de julho de 2022

indecência

O vestido vermelho
é alguns números menor
do que o meu tamanho
 
Me emprestaram
e eu não devolvi

Ele entra;
Nas fotos parece perfeito
Pessoalmente, não me cai tão bem...

Ele fica repuxando
Me enforca, mesmo;

Quando eu ando ele sobe
É muito apertado
Na barriga
Minhas coxas ficam perigosamente à mostra
Qualquer ventinho mostra minha bunda

Minha avó até perguntou
Cíntia,
Você está sem calcinha?

Eu fico desconfortável no vestido
Como uma pessoa que está dentro
de algo que não é seu 

Roubei o vestido, não é meu
Eu posso esticá-lo,
posso cortá-lo
E transformá-lo
Mas não seria a mesma coisa
Eu o estragaria
O desbotaria
Desalinharia suas fibras

Arriscaria perder
A essência
Escolho, então, a indecência 

Andando por aí com a bunda de fora

Dia desses, entre juras de amor,
meu bem me disse:
"O pronome possessivo
cai tão bem sobre você!
Veste como aquele seu vestido
vermelho: minha!"

"Muito sua!", respondi

Não disse mentira
É o mais próximo da verdade que se chega

Ainda assim, senti a inquietação
No meu estômago
E um nó na garganta
Me sufocando tal qual o vestido

Esse pronome
Vindo da boca dele
Entra em mim
Mas não me cai bem

Me emprestaram
Esse Homem
E dessa vez eu vou ter que devolver
O que me foi emprestado

Nem eu sou tão indecente!

Ele engatou, numa voz de sono, 
Já sumindo 
"Para de falar isso...
Nisso eu acredito que sou seu dono,
e as coisas podem ficar mais complicadas"

Reafirmei:
"Você é!"

Ele dormiu
Eu não dormi

Eu posso esticar,
Prolongar,
Posso me enganar
Para manter a ilusão;

Perderíamos a essência.