domingo, 15 de maio de 2022

Anderson

Você morreu.
Acabou. Você acabou.
Era para eu estar feliz? Aliviada? Me sentindo vingada? Eu não estou sentindo nada de bom. O que sinto é a raiva crescendo em mim, se espalhando dentro de mim, tomando conta dos meus movimentos. Meus músculos se contraindo, meus punhos cerrando, meu coração acelerando mais e mais e mais, ... Sinto o nojo e o ódio exercendo sua força violenta na minha alma, me estraçalhando um pouco mais, me tornando menos humana. Lágrimas grossas inundam meu rosto.
Nunca pensei muito na sua morte. Você esteve perto dela algumas vezes ao longo dos anos, mas o pensamento de você morrer nunca me foi realmente reconfortante. A morte sempre pareceu tão pouco — mesmo as formas mais brutais de morte! Parecia mais justo você continuar vivo, sujo, fraco, chafurdando em decadência e dor. Vivendo um reflexo do que me fez, do que me tornou.
Eu te odeio, Andy.
Houve um tempo que eu te amei. Te amei com a pureza de uma criança, com a devoção de uma sobrinha para o seu tio preferido, mas você destruiu o amor, você me destruiu. Você profanou meu corpo, marcou minha alma, matou minhas possibilidades. Mudou o rumo da minha vida inteira. Tudo que eu tenho, tudo que eu sou, tudo que eu amo, está manchado pelo que você me fez. Tudo que eu não tenho, foi você que me roubou. Você roubou uma criança de 6 anos de ter uma vida saudável e plena. Você esvaziou minha alma de tudo que era bom e no lugar colocou apenas podridão. Você me roubou minha família, que preferiu ficar ao seu lado e acreditar que eu sou mentirosa e torpe. Você me roubou a possibilidade de construir uma nova família, longe de você, porque me deixou louca, sem nada para oferecer para uma criança, para alguém. Você, com a sua imundície, nunca está realmente longe de mim.
Nunca pensei muito sobre sua morte, mas muitas vezes pensei em te ferir. Parada e muito quieta, por anos tenho perdido meu tempo mergulhada no mesmo devaneio. Nele eu vou atrás de você com um pedaço de pau, e, aproveitando do seu estado físico lastimável, te acerto repetidamente e sem piedade, fazendo a madeira subir e descer com vigor, atingindo seu corpo, dilacerando sua pele, quebrando seus ossos enquanto te ouço implorando que eu pare e sinto o seu sangue jorrar e espirrar em mim. Mas eu ignoro suas súplicas e continuo até você apagar. A energia desse devaneio é tão forte, que quando volto a mim, sinto cansaço pelo esforço físico de te agredir.
Eu sempre pensei em tornar esse devaneio uma realidade.
Agora você me roubou até essa possibilidade.
Morrer engasgado com um pedaço de pizza é pouco. É aleatório e misericordioso. Saber da sua morte é pouco. Eu queria ter causado sua morte, eu queria ter te assistido morrer. 
Você morrer não é suficiente. Nada seria suficiente.
Hoje, como tantas vezes, eu estou chorando sozinha. As pessoas choram por você. Minha mãe chora por você, meus avós choram por você. Choram sobre o seu corpo. Ninguém chora por mim. Não tem ninguém para me abraçar e me aquecer. 
Não estou chorando por você. Estou chorando por mim. Pela Cíntia de 6 anos, sendo manipulada e violada por você. Pela Cíntia de 15 anos, sendo desacreditada por sua própria mãe após tentar se matar. Pela Cíntia de 21 anos... suja como você, entorpecida de álcool e cocaína como você. Pela Cíntia de 32 anos, que te odeia, que tem te odiado uma vida inteira, mas sente esse vínculo eterno com você.
Eu te odeio. Te odeio, mas meu ódio vai te manter vivo. Quem te ama vai morrer. As pessoas vão te esquecer. Essa é a verdadeira morte, ser enterrado e esquecido! Exceto que eu não vou te esquecer. Você vai permanecer em mim da forma mais vil. Nos meus pesadelos, nos meus pensamentos, nas lembranças que me tomam de súbito e corrompem meus melhores momentos... na minha auto-destruição, no meu fracasso!
Você não vai morrer de fato, até que eu morra e seja esquecida por todos. Porque você roubou minha vida, e mesmo quando eu morrer, você vai continuar vivo na minha história. Quando pensarem em mim, sua existência vai estar atada à minha.
Não existe justiça possível.
Você não morreu.
Você não acabou. Você acabou comigo antes mesmo de eu começar.