segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

espetada

   Acho que engoli um palito de dente enquanto comia uma batata recheada. A princípio não parece nada, porém pesquisei no Google, e veio logo o anúncio da catástrofe. Eu sinto o palito enfiado no meu coração, espetando-o, rasgando-o, do epicárdio ao endocárdio. Meu coração sangrento, sangra, sangra... 
   Talvez eu morra.
   Sozinha no escuro, o coração espetado, eu fico em silêncio, aguardando. Silêncio aqui dentro, quero dizer. Lá fora os fogos já estouram, ao longe. Não olho pela janela, só ouço, bem parada, a respiração bastante controlada...
   Falta pouco. Cinco minutos e isso acaba, só para depois começar de novo.
    Não ouço os risos, mas certamente eles também ecoam lá, bem longe do meu coração que descompassa com a ferida e com a angústia.
   Eu os imagino, os vejo — no âmago da minha loucura. Estão lado a lado, as cabeças erguidas, observando os fogos... e quando o relógio anuncia, por fim, a meia-noite, ela, com um sorriso extremamente largo, se joga nos braços dele. Ele se diz solitário, mas não é, não de verdade. Com ela nos braços, ele nunca está sozinho. Beijam-se. Ela sente o calor do abraço dele lhe envolver por completo. Eu sinto o calor da ansiedade subindo pelo meu corpo, se concentrando nas minhas duas bochechas, tão vermelhas quanto o meu coração sangrando, sangrando. 
   Desejam-se feliz ano novo, sorriem com os lábios e os olhos.
   O meu coração está doendo, talvez eu morra. O palito espeta minha alma. Sozinha, talvez eu morra. 

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

perdida

   Eu não sei como o meu coração pode ser tão cheio e tão vazio ao mesmo tempo. Eu amo todo mundo e não amo ninguém. Eu quero ficar sozinha, mas a solidão me machuca. Finjo que esqueço, mas lembro toda noite. Às vezes as memórias e os sentimentos se misturam e todas as pessoas viram uma só. Eu sou apaixonada por um conceito, uma junção de todas as pessoas que um dia amei de forma mais fiel. As palavras de um, o jeito de outro. A inteligência de alguns e o potencial de outros. As pintas e marcas  de todos. Quando eu sinto falta, não sei por quem estou realmente de luto. Talvez eu esteja de luto por mim mesma; por todas as esperanças que depositei neles e em mim mesma, e foram friamente assassinadas.
   Talvez eu só ame de fato a mim mesma.
   Estou sozinha como nunca estive.
   Não sei. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

humana

   Eu sei que você não deve mais pensar em mim, mas eu penso em você todos os dias que estou acordada. Fico parada no escuro, no silêncio, a pele eriçada pelo pensamento do abraço que você me prometeu. E nos dias que escolho não despertar, eu sonho com você. Nós dois juntos na cama, lendo poemas entre um beijo e outro. Lábios explorando pintas.
   Ainda fico tentando imaginar seu cheiro e a textura da sua pele. A imagino quente e macia, e chego a sentir, de um jeito muito abstrato, o conforto do seu corpo no meu.

   Ouço músicas que me fazem pensar em você, mesmo sabendo que você não gostaria delas, e penso em todas as coisas que poderiam ter sido e nunca serão...
   Vejo você surgindo um dia, mesmo que leve muitos anos, e dizendo que agora é diferente. Eu sei que é bobo, e eu sei que você nunca vai surgir dizendo isso, mesmo que as coisas sejam diferentes! Imagino você racionalizando e escolhendo me ignorar.
   Toda vez que acendo um cigarro eu lembro da sua voz e dos seus lábios se movendo, ... e agora foram muitos cigarros.
   Às vezes eu estou na rua, na fila do ônibus ou numa livraria e vejo mãos parecidas com as suas... Minhas pernas fraquejam. Sinto um nó na garganta. Lembro dos seus dedos segurando cigarros e os tragando, daquele jeito encenado que me cativou. As lágrimas surgem e ficam presas nos meus olhos até que eu inevitavelmente pisque, então elas escorrem, um filete de cada lado, inundando meu rosto e indo parar no meu peito. 
   E às vezes eu lembro da sua risada, ao lado da sua namorada, e novamente sinto aquela sensação. Minha pele sendo arrancada do meu corpo.
   Eu só queria que você soubesse.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

taciturno

Te chamo
Ouvimos o eco da minha voz
Você me olha, mas não diz nada

Não sou boa com despedidas

É como

Minha pele desgrudando do corpo
Um nó na garganta
Algo incômodo no peito

E se amanhã não tiver ninguém

Aqui

... Entende?

A morte da expectativa

Das coisas que poderiam ser
E de tudo que sempre foi improvável...

Você volta
Com seus sentimentos fragmentados
Me oferece reticências e
Seus beijos abreviados me ferem

Deliberada, para te mostrar que sofro, te apedrejo com palavras
Você finge a dor tão bem que eu quase acredito

Amor

Pouco não nutre minha fome de vida de tudo que é grande e forte e
Aquela palpitação que a gente ouve e sente ao mesmo tempo, alta e quente
Vibrando loucamente eu

Amo tudo em você
Até as coisas que odeio

Não te atinjo
Longe
Impenetrável
Duro feito rocha

O seu auto-controle me descontrola
E eu estou cansada

Grito vai embora como quem diz
Fica
Você sussurra adeus como quem diz 
Nunca estive

Te chamo outra vez
Você não olha para trás

sábado, 1 de dezembro de 2018

entenda

Pra quem sabe enxergar
o céu é sempre bonito

mesmo quando chove muito
mesmo quando o sol exagera
mesmo quando não tem estrelas
mesmo quando tudo é cinza
e triste
e não venta o suficiente

quando tudo fica parado

mas talvez
pipas também alcem voo

na frente de um ventilador

lá fora
as pessoas não importam
sobre o que falamos nós
além da pizza de dez (muito fina)
e as coisas que perdemos
caindo
no meio do caminho

sem lembrar que se caímos
também levantamos
e encontramos outras coisas
jogadas na rua
cartas e gravetos e insetos 

... assassinados 

Outras formas de viver a inocência...

Se for pra usar o que eu disse
Pelo menos use direito

Estamos os dois quebrados

Ou a vida apenas nos cortou,
feito peças de um quebra-cabeça

Prontas para 
o encaixe

...
Agora fica a esperança

Eu estou batendo à sua porta!