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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

assombrada

— Você deveria me valorizar mais.
— Talvez. Talvez eu já te valorize demais. Não sei. Só sei que nunca vai ser o suficiente.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

espetada

   Acho que engoli um palito de dente enquanto comia uma batata recheada. A princípio não parece nada, porém pesquisei no Google, e veio logo o anúncio da catástrofe. Eu sinto o palito enfiado no meu coração, espetando-o, rasgando-o, do epicárdio ao endocárdio. Meu coração sangrento, sangra, sangra... 
   Talvez eu morra.
   Sozinha no escuro, o coração espetado, eu fico em silêncio, aguardando. Silêncio aqui dentro, quero dizer. Lá fora os fogos já estouram, ao longe. Não olho pela janela, só ouço, bem parada, a respiração bastante controlada...
   Falta pouco. Cinco minutos e isso acaba, só para depois começar de novo.
    Não ouço os risos, mas certamente eles também ecoam lá, bem longe do meu coração que descompassa com a ferida e com a angústia.
   Eu os imagino, os vejo — no âmago da minha loucura. Estão lado a lado, as cabeças erguidas, observando os fogos... e quando o relógio anuncia, por fim, a meia-noite, ela, com um sorriso extremamente largo, se joga nos braços dele. Ele se diz solitário, mas não é, não de verdade. Com ela nos braços, ele nunca está sozinho. Beijam-se. Ela sente o calor do abraço dele lhe envolver por completo. Eu sinto o calor da ansiedade subindo pelo meu corpo, se concentrando nas minhas duas bochechas, tão vermelhas quanto o meu coração sangrando, sangrando. 
   Desejam-se feliz ano novo, sorriem com os lábios e os olhos.
   O meu coração está doendo, talvez eu morra. O palito espeta minha alma. Sozinha, talvez eu morra. 

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

auto-conhecimento

   Não dormi, mas comecei o dia gargalhando. Seis horas da manhã e minha risada alta preenchia meu quarto, provavelmente se fazendo ouvir fora dele. Ri tanto, que a minha barriga começou a doer, enquanto as lágrimas escorriam pelas minhas bochechas e embaçavam meus óculos. Eu tentava não rir, porque o motivo do riso desenfreado era a desgraça de algumas pessoas que caíram com a freada violenta de um ônibus. Parava por alguns minutos, segurando o riso com a consciência pesada, mas depois não aguentava, e o ritual descontrolado recomeçava.
   Ouvi os passos em frente à janela do meu quarto. Ouvi minha avó na cozinha, senti o cheiro do café. Eu não tomo café, mas devo admitir que o cheiro de café, especialmente pela manhã, aguça alguma coisa boa dentro de mim.
   Entre o riso e o silêncio culpado, ouvi o barulho das xícaras na cozinha, e o som de pessoas cochichando. Tentei ouvir o que diziam, mas não deu.
   Eu ainda estava indecisa se deveria ir à consulta com a psiquiatra ou não, mas pensei: "ainda tenho bastante tempo", e depois me ocorreu que é justamente quando eu tenho tempo de sobra que me atraso. Eu me conheço, estou sempre certa. Me atrasei, depois de colocar uma roupa qualquer e sair correndo, de cara lavada, na chuva que tornava o chão escorregadio sob o meu all star velho demais para ter algum efeito anti-derrapante. Quase escorreguei algumas vezes. Teria sido um belo castigo, ser filmada escorregando para abastecer o riso de alguém depois, na internet.
   Mas não caí. 
   Cheguei ao posto de saúde, tirei os óculos escuros respingados da chuva, e peguei a senha eletrônica. Agora tem isso lá, e eu me sinto de alguma forma traída por esse avanço tecnológico. Tira o aspecto familiar da coisa. 
   Mais traída ainda me senti quando minha senha foi chamada, e a recepcionista não lembrou meu nome. Ela me olhou, olhou para a tela do computador por uns segundos, e me olhou de novo, soltando um odioso: "esqueci seu nome...". Ela me conhece há dez anos. Eu sei o nome dela e de todas as pessoas no posto de saúde. Aos poucos, eles esquecem o meu. 
   "Cíntia, prontuário 19-119".
   Enquanto esperava, irritadiça pela noite não dormida, observei as pessoas passando. Auxiliares de enfermagem, as moças da limpeza, o pessoal da administração, e as agentes de saúde. Recebi dois abraços genuínos, fortes, e muitos sorrisos amarelos: "você anda sumida!". Eu sempre busco amor nos lugares mais improváveis.
   O posto está cheio de enfeites florais feitos de papel crepom; dois tons de rosa e um branco, para a campanha de prevenção de câncer de mama. Fiquei com vontade de roubar alguns dos enfeites, colar na parede do meu quarto. Eu sou assim. Uns anos atrás roubei um dos enfeites da já precária árvore de natal do posto de saúde, porque eu preciso ter esses souvenirs para me lembrar dos momentos. Para tornar as minhas memórias tangíveis. Ou para manter a ilusão ativa.
   Pensei em todos os anos esperando por aqueles corredores, vendo as pessoas passando e preocupando-se comigo. Pensei nos meus professores do ensino fundamental. O meu sentimento era o mesmo por ambos os ambientes e seus habitantes. O mesmo amor por pessoas que são pagas para notar a minha existência, e que esquecem do meu nome assim que o meu caso deixa de ser prioridade em suas mesas.
   Comecei a andar de um lado para o outro, inquieta com a demora. Apertei o aparelho de álcool gel, mas não saiu nada, como sempre. Tem uma mesa no corredor, ao alcance dos pacientes, e eu sempre me perguntei o que tinha naquelas gavetas, sem coragem de abrir para ver. Olhei para os dois lados do corredor cheio de pacientes cuidando de suas próprias dores. Abri a primeira gaveta, e, adivinha só, não tinha merda nenhuma. Foi o suficiente para acabar com qualquer traço de tesão detetivesco.
   Me pus a ler os cartazes de prevenção de câncer de mama, e depois o mural cheio de post-its com mensagens "motivacionais". Cuide-se!, dizia um dos post-its. Ame-se! A vida importa! AUTO-CONHECIMENTO! Eu nunca fiz o auto-exame. Pensei em roubar um ou dois, quem sabe três post-its rosa choque. Mas talvez a mensagem fizesse falta para outras pessoas. Eu sou hipocondríaca. Quando eu penso em fazer o auto-exame, penso na possibilidade de encontrar um nódulo, e começo a surtar. A bem da verdade, se eu procurasse eu provavelmente encontraria mil nódulos, a minha ansiedade os colocaria ali.
   Eu me conheço, mas às vezes não quero conhecer demais. Pensei nas minhas seguidoras.
   A psiquiatra me chamou. Ela não lembrava exatamente sobre o meu caso, ficou lendo por cima as páginas do meu prontuário, me fazendo as mesmas perguntas mil vezes, e eu as respondia, sentindo a exasperação crescer. É como se ela não ficasse contente com as minhas respostas, então continuasse perguntando para ver se eu as mudava. Você está pensando em suicídio, ou está planejando suicídio? Qual é a merda da diferença? Perdi a calma com ela, e me arrependi em seguida, porque apenas parte da minha exasperação era pela condescendência dela, a outra parte era pela noite não dormida. Eu sou como uma criança que vai ficando rabugenta à medida que o sono chega, e que precisa deitar e pegar no sono assim que esses momentos batem.
   Ela continuou fazendo as mesmas perguntas e as mesmas propostas. Eu parei de responder, adotando a tática de simplesmente encará-la. Ela continuou na expectativa de uma resposta, e eu continuei oferecendo silêncio, sabendo que meus olhos estavam tão vazios quanto às vezes me acusam.
   Foi uma consulta absurdamente longa, em que nada foi abordado. A minha impaciência crescente, louca para sair dali. Comecei a concordar com ela, era o único passaporte para a saída daquele lugar. Funcionou. Até mais, Cíntia. Obrigada. Tchau.
   Peguei meus remédios, não tinha todos. Estava exausta. Passara horas ali, e a consulta com a psiquiatra no fim me deixou pior do que quando eu cheguei. Com os bolsos da jaqueta jeans molhada cheios de remédios, coloquei os óculos escuros e saí. Eu não suporto claridade, especialmente quando não durmo.
   Ia chegar em casa, tirar toda a roupa e me jogar na cama ao som de Florence + the Machine. Isso não aconteceu. Enrolei o dia inteiro, cansada, sem fazer nada, sem ter noção de como as horas passaram. Dava tempo de ir pro curso ainda, mas eu simplesmente não teria energia física ou intelectual para acompanhar a aula.
   No fim da tarde eu tirei as roupas ainda molhadas, e deitei, cobrindo a cabeça. Meu corpo começou a pesar, minha mente começou a desligar, e o celular apitou. Relutei por alguns momentos, mas descobri a cabeça e estiquei o braço, pegando o aparelho.
   Era ele. Meu coração acelerou. Ele gostou da minha foto de 4. Instigada, minha mente acendeu, voltou a funcionar a todo vapor. Minha buceta a acompanhou. Em alguns minutos ele conseguiu me fazer esquecer da mágoa de situações anteriores, do sono, do cansaço, da exasperação, e tudo isso deu lugar a um tesão violento, que provocava ondas de prazer pelo meu corpo sem que eu ao menos me tocasse. 
   Eu te quero. Você me faz sentir um tesão desmedido. Seu pau está pulsando? Quero me esfregar em você. Imagina, imagina, imagine! Imaginei o coturno dele pressionando meu corpo, me imobilizando contra a parede, deixando as marcas da sola na minha pele. Estava molhada novamente, mas dessa vez não era culpa da chuva, que ainda batia  contra a minha janela.
   E as mensagens começaram a ficar mais espaçadas... 
   Ocupado.
   Ok...
   Abri as pernas, coloquei os dedos para trabalhar, imaginando. AUTO-CONHECIMENTO!
    Os dedos deslizando com facilidade. AUTO-CONHECIMENTO!
   Me esparramei na cama, me desfazendo entre os lençóis e cobertas. AUTO-CONHECIMENTO!
   Soltei gemidos e suspiros... AUTO-CONHECIMENTO!
   A atenção dele nunca é só minha. Eu sempre tenho que dividi-la com outras pessoas, com outras coisas.... AME-SE!
   É só sobre ele. O prazer dele, o sentimento dele, o momento dele, a vida dele. Ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se, AME-SE, porra!
   Tomada pelo tesão e pela tristeza de uma só vez, comecei a chorar enquanto me tocava, enquanto os dedos entravam em saíam, e o tesão começava a ser vencido pela tristeza. O som do meu choro preencheu meu quarto, talvez se fizesse ouvir lá fora. Chorei tanto, que a minha garganta começou a doer, as lágrimas escorrendo em abundância pelas laterais do meu rosto. Parava por alguns segundos, mas depois não aguentava, e os soluços convulsos recomeçavam. No escuro, no silêncio.
   Os dedos desistiram. Fechei as pernas, deitei em posição fetal e cobri a cabeçaEu sempre busco amor nos lugares mais improváveis. Chorei tanto, que dormi. Por dois dias.

sábado, 11 de novembro de 2017

justiça


   Mesmo com todo o meu pessimismo, eu sempre procurei acreditar que as coisas têm uma ordem. Que a vida é feita de ação e reação, e isso me fez relevar, de certa forma, todas as maldades que me impuseram. A esperança de que um dia o mal voltaria para essas pessoas me servia de consolo. A expectativa de que um dia eles receberiam um pouco do próprio veneno me fez aceitar a forma como a minha vida transcorreu. Isso me torna uma pessoa ruim? Querer que as pessoas que me fizeram mal também sofram? Ou me faz conformada, por esperar que a vida se encarregue de me dar "vingança", ao invés de eu mesma buscá-la?
   Um dia, muito tempo atrás, um cara, cansado de me ver sofrer e definhar, me propôs: "você quer que eu mate o seu tio? Se você quiser eu mato. Dou um tiro nele". E eu sei que ele o faria, ele era esse tipo de pessoa. O amei por isso, mas não pude aceitar. Eu tinha 16 anos, cheia de ideais, e matar alguém, ou ordenar a morte de alguém, ainda me era uma coisa incabível. A minha consciência não me deixaria em paz. Eu preferi continuar definhando e esperando que a vida agisse.
   Não se trata de vingança, se trata de justiça. Sim. Eu, logo eu, fui tola o bastante para acreditar, por 27 anos, que pode haver alguma justiça nesse mundo fodido! Mesmo o mundo me mostrando consistentemente nas manchetes de jornais, nos relatos de amigos e na minha própria vida que a justiça é uma utopia. Eu acreditei. Aposto que por essa vocês não esperavam!
   Mas hoje a verdade me atingiu no meio da fuça. Surgiu feito um raio, quando eu menos esperava: não existe justiça. Não há divindades, não há karma, não há energia, não há um sistema cósmico para honrar quem quer que seja...
   Eu luto todos os dias. Luto para continuar viva e para manter minha sanidade. Luto mais do que qualquer pessoa poderá imaginar, mais do que todos pensam. Luto contra mim e por mim, enquanto as pessoas que deram vida e alimento aos meus demônios seguem suas vidas tranquilamente, sempre adiante, sempre prosperando, dormindo feito bebês; enquanto eu não consigo pregar os olhos, com medo das lembranças e indignada enquanto minha vida se esvai.
   Não existe justiça.
   Eles estão sempre felizes, e eu sinto essa angústia que dilacera minha alma.
   Não existe justiça.
   Eles conhecem o amor de uma forma que nunca me será permitido.
   Não existe justiça.
   Eles não se sentem sozinhos ou abandonados nunca.
   Não existe justiça.
   Eu tento ser boa.
   Não existe justiça. E o que eu faço com isso?
   Se não existe justiça, como eu posso continuar lutando, com que forças?
   Não existe justiça. A vida e uma questão de azar ou sorte, tudo da forma mais aleatória possível. Talvez eu devesse arrumar uma arma, no fim das contas, e resolver a questão eu mesma. Porque não existe justiça, e nada mais importa.

"Nem todas as flores têm a mesma sorte,
umas enfeitam a vida e outras enfeitam a morte"   

domingo, 9 de abril de 2017

mensagem entregue ao destinatário

Eu sinceramente não aguento mais ser ignorada por você, sabe? Eu sei o que você vai dizer: que não tem mais tanto tempo quanto antes para dar atenção, mas eu não estou pedindo para você me dar atenção 24h por dia, para falar comigo em todo segundo que estiver acordado... porém eu realmente acho que se você quisesse, você poderia dedicar mais do que 1 minuto por dia, que é o que tem dedicado há semanas. Eu não entrei no Tinder buscando alguém para me ignorar, isso eu tenho aos montes por parte de colegas distantes, família e até amigos bem próximos. Eu entrei lá buscando intimidade e calor humano, alguém com quem eu pudesse falar, abraçar, ver, beijar, contar, ligar, rir, chamar para um rolê espontâneo... Justamente o que nunca tive. Isso está minando minha auto-confiança, que você mesmo ajudou a construir ao longo dos dois meses que nos conhecemos. Um cara como você, que se mostrou tão sexual simplesmente não pararia de falar de forma tão brusca. E eu acho que foge da compreensão de qualquer pessoa sensata o que você tem feito... você está conversando com alguém mais interessante? Acabou o encanto? O tesão? A intensidade do que estava rolando te assustou o suficiente para você pisar nos freios dessa forma? Porque mesmo sendo uma pessoa fodida eu não tive dificuldade de me entregar A VOCÊ, mas isso tem que ser recíproco, não pode seguir sendo uma coisa unilateral, com monólogos da minha parte. Você é basicamente a minha Rosa. Tem milhares da sua espécie por aí, mas não tem nenhum exatamente igual a você, porque VOCÊ que me cativou, porque é VOCÊ que eu quero. Mas assim como a Rosa, você se colocou sob uma redoma que eu não posso penetrar. Você me perguntou um tempo atrás se eu teria maturidade e estabilidade emocional para ter o tipo de relação que VOCÊ queria, e eu acredito veementemente que estou tendo essa maturidade e essa estabilidade, mas você não. Você falou sobre responsabilidade emocional, mas não está sendo responsável comigo. Você falou sobre cuidar de quem eu sou contigo, mas não está cuidando. Diz que é recíproco, mas não oferece reciprocidade. Você disse muitas coisas. E eu amo palavras, elas são peça fundamental na vida, e você usá-las tão bem tanto de forma escrita quanto falada, foi o que me encantou por você. Mas no fim do dia, o que conta MESMO são atos. Eu sou sua putinha enquanto você quiser. Mas sexualmente. Fora desse contexto eu sou uma mulher intelectualmente compatível a você, e é isso que torna tudo tão incrível. Nós dois somos extremamente inteligentes. Mas você não está me tratando como se eu fosse inteligente, embora diga que sou. A primeira coisa escancarada desde o princípio no meu perfil, e que você disse ser instigante, é justamente que EU NÃO QUERO JOGOS MENTAIS. Não sou feita pra eles, simplesmente não tenho emocional PRA ISSO. Eu preciso que você pegue todo esse carinho, respeito e tesão que diz sentir, e decida o que você quer. Porque eu sei exatamente o que eu quero: você. Mas não dá para eu ficar dando sem receber. Não é justo. Eu não preciso de proposta de compromisso, preciso de honestidade. Para consigo e para comigo. Sempre partindo DOS DOIS LADOS!



segunda-feira, 9 de março de 2015

cartão vermelho

   Uns anos atrás tive um amigo. Thiago. Provavelmente o melhor amigo que já tive - definitivamente o mais compatível.  Depressivo, auto-estima baixa, extremamente nerd. A gente podia conversar por horas, sobre qualquer coisa e manter um nível incrível de intensidade e conexão... de auto destruição ao que comemos no almoço, qualquer assunto virava uma bíblia entre nós. Rimos juntos, choramos juntos. Ele dizia: "você é a minha Gilmore da vida real". 
   Estranho como começou. Foi tão fácil, tão imediato. Eu o via constantemente na comunidade "Condenados", do orkut... acho que o título deixa bem claro qual era o tema de tal comunidade - mas não tinha coragem de conversar com ele. O achava muito intelectual,  tanto que tinha medo de me aproximar e mostrar minha inferioridade. Um dia nos esbarramos em um tópico e trocamos algumas palavras. Assim, coisa boba. E nos adicionamos (não lembro se tomei coragem, ou se fui pega de surpresa). No dia 14 de janeiro de 2007 trocamos as primeiras palavras pra valer, quando eu elogiei a foto da afilhada dele (uma menininha incrivelmente linda, de olhos azuis intensos), e não paramos de trocar mensagens, então, pelos próximos... 2 anos? Logo era impossível acessar a internet e não ir correndo checar se havia novas mensagens dele... e sempre havia, no mínimo, 10. Eu respondia com 15. Ele respondia com 20. E assim seguíamos o dia, conversando por horas.
   É claro que a certo ponto desenvolvi uma queda por ele. Assim eu era... era só me dar um pouco de moral, e a paixonite era instantânea. E o Thiago me dava MUITA moral. Mas, o que dizer? Ele estava na Paraíba, eu em São Paulo. Obviamente, havia também o fato de eu ser uma criatura horrível e estar mais apaixonada por outra pessoa. 
   Eu era a amiga imaginária dele, como ele às vezes colocava. Um personagem saído de um cartoon. 
   O melhor amigo dele jamais poderia saber as coisas que ele me contava, o fato de ele ser depressivo, o fato de ele ter um fake e manter tais assuntos em comunidades, e especialmente comigo. Isso porque o amigo dele é um modelo profissional, machão, que odeia demonstrações de fraqueza. E o Thiago, além de idolatrá-lo, sentia um forte complexo de inferioridade e, assim como eu sinto por muitas pessoas, inveja. 
   Em 2010 ele arrumou uma namorada. Não tardou, mudou comigo. Apagou meus depoimentos, e os que me mandara, as mensagens se tornaram menos frequentes, os assuntos mais ralos, as brigas começaram a se apilhar - nunca suportei ser jogada pra escanteio, e realmente odiei o fato de ele achar que era desrespeitoso à namorada dele manter o mesmo nível de amizade que tinha comigo. Esperava que nosso laço fosse... como dissemos, certa vez, inexorável, e que a namorada dele pudesse entender nosso vínculo inocente. E nunca passou disso. Nunca deixei escapar nem mesmo uma linha sobre sentir algo a mais por ele, e mesmo que eu sentisse, não era tão forte a ponto de eu sonhar em estragar nossa amizade, que significava tanto pra mim! O Thiago foi a minha fortaleza por muito tempo, e de certa forma sei que fui a dele. Eu sentia que não podia viver sem falar com ele por um dia, que ele era a muleta que me sustentava. Mas se eu era amputada de uma perna, ele era da outra, e assim nos sustentávamos, unidos. Esperava, no mínimo, um pouco mais de consideração.
   Entendia que ele sempre se achou incapaz de conseguir uma namorada. Já tinha visto isso acontecer antes... homens, especialmente, mudando da água pro vinho ou, no caso, saindo da mais profunda depressão para o estado de permanente euforia. E ainda entendo que quando uma coisa dessas acontece pra um cara que sempre se achou feio, sem atrativos, ele não mede esforços para manter a relação. O único jeito de um relacionamento acabar em casos assim, é se a mulher der um fora. E não torcia, naquele momento, que isso acontecesse com meu melhor amigo. Mas não podia evitar a tristeza, o sentimento de rejeição. Sofri muito com o distanciamento. Mas um dia decidi que não valia mais a pena. Nunca consegui lidar com essas situações... qual o problema em querer ser importante, querer ser prioridade na vida de alguém? QUAL O PROBLEMA EM ESPERAR QUE AS PESSOAS RETRIBUAM SEUS SENTIMENTOS NA MESMA PROPORÇÃO? Num momento de impulsividade escrevi ao Thiago. Estou magoada por significar tão pouco na sua vida, e se for pra ser dessa forma, não quero mais sua amizade. Vou esperar você ler isso, e se quiser, responder, e te excluirei da minha vida.
   Mas o Thiago, devo dizer, é muito mais orgulhoso do que eu. Quando uma das partes coloca um ponto final, pra ele é sem volta. Sabia disso por fato, pois ele mesmo me disse em diversas situações.
   Não sei se ele chegou a ler a mensagem. No dia seguinte, quando abri o Orkut, minha conta tinha sido deletada por postar "ofensa religiosa". O começo do fim do Orkut também. Nunca mais criei uma conta, não sei se o Thiago pensou que simplesmente sumi, ou se leu e resolveu não se importar. Nenhum e-mail, nada.
   Quando entrei pra faculdade pela primeira vez, em 2011, enviei a ele um e-mail contando, agradecendo, pois se sobrevivi aos anos que fomos amigos, foi justamente porque o tive na minha vida. E fora ele quem me incentivara a voltar para a escola, anos antes. Ele nunca respondeu.
   Há uns dois anos o encontrei no facebook. Costumo fuçar a vida de todo mundo que um dia amei, que um dia me foi importante. É engraçado pensar que todos eles estão ótimos. Eram todos depressivos, com tendências suicidas - pois nunca consegui fazer amizade com pessoas que secretamente ou abertamente não se odiassem. E hoje, estão bem. Família, amigos... é claro que há aquela parte do facebook onde a maioria das pessoas finge ser feliz, mas vejo em todos eles genuína mudança. E dói bem lá no fundo saber que eles não pensam em mim nem por um momento, talvez nem lembrem da minha existência. Sou agora uma sombra que os segue, observadora, sem ser notada.
   Mas tentei adicionar o Thiago, uma das raras ocasiões em que pisei no meu próprio orgulho. Ele nem aceitou, nem rejeitou, mas sei que me viu, pois quando cancelei a solicitação de amizade, com um sentimento de humilhação, ele bloqueou a opção de ser adicionado.
   Hoje parte de mim deseja que ele sofra novamente. Que seja abandonado e se veja na mesma situação que estava em 2007. Que então lembre de mim, que em tantos momentos estive lá para ele. Penso: será que então ele me adicionaria?