terça-feira, 14 de março de 2017

Preterida

  Eu tenho 5 relógios. Nenhum deles funciona.
  Eu compro e uso por um tempo... não, na verdade, eu coloco. Mas quando chego ao meu destino, a primeira coisa que faço é tirá-lo. Um amigo me perguntou, depois de eu esquecer meu relógio na casa dele pela terceira vez: "por que você coloca relógio, hein?"
  Sou obcecada pelo tempo. O tempo que já foi, o tempo que desperdiço, o tempo que ainda me resta. O tempo que eu poderia encurtar. Mas não faço nada sobre nada.
  Não gosto de chegar atrasada; mas já fui melhor nisso. Perdi minha pontualidade britânica. Eu programo o horário que devo acordar, quanto tempo posso ficar no banho (é sempre aí que a coisa desanda), quanto tempo tenho para me arrumar (sempre na correria) e quanto tempo levará o trajeto (o ônibus sempre atrasa). Antes eu chegava horas mais cedo, hoje eu chego em cima da hora. Quando não me atraso - mas sempre mando mensagem avisando.
  Acontece que a empolgação já não é a mesma. Quando você chega horas antes para um compromisso, e a pessoa chega horas depois em relação ao horário combinado, você começa a perceber que não há tanta vontade assim... Que você não está na cabeça da pessoa tanto quanto ela está na sua. Que ela tem controle, você não tem. Bate a desilusão.
  Eu queria ser prioritária na vida de alguém. Ser a primeira coisa na cabeça de alguém um momento antes de ela abrir os olhos de manhã, e ser a última um momento antes de ela cair no torpor. Ser a primeira escolha, ser a preferida. O que recebo, entretanto, é, repetidamente, uma indiferença sadia o suficiente para manter no ar a noção de que eu sou a louca, de que eu cobro demais. Insana. Compulsiva.
 O tempo: as pessoas não valorizam o meu. Eu valorizo o delas desmarcando compromissos - sempre com certa antecedência.
  Ademais, eu odeio o barulho insistente dos relógios. Tick tack me enlouquece.
  Ia sugerir que alguém criasse um relógio que não fizessem barulho, mas lembrei que eles existem. Os relógios digitais, que não parecem completamente relógios, que não cumprem completamente seu papel. Os números estão ali, mas não estão. E eu estou aqui, mas não estou. Não sou completamente. Não sou suficiente. 
  Sou um relógio que não funciona.
  E estou atrasada.