sexta-feira, 5 de abril de 2024

do zero

O surto veio, fui de Britney. Foi uma decisão bem difícil, que eu já considerava há algum tempo, mas contive minha impulsividade, em partes por medo. Eu já raspei a cabeça quando mais jovem, a primeira vez em um ato de desespero muito maior do que o atual. Na época, fazer isso me trouxe muito alívio, mas também muitas inseguranças e julgamentos. Aos vinte e um anos, eu ligava muito mais para o que pensavam sobre mim do que hoje. Eu não achava meu rosto bonito, não achava nada em mim bonito, e sem os cabelos estava despida. Me sentia livre por ter me livrado dos cabelos, mas me sentia feia, e como apontavam de forma pejorativa, "mascunilizada". É verdade que amadureci muito desde aquela época e aprendi a ver beleza em mim mesma. Construí minha feminilidade, independente de orientação de gênero. Aprendi mais sobre mim. Não tenho mais que dar satisfações para ninguém. Mas são várias as questões que me atravessaram e me fizeram ter medo de perder meus cabelos... de ficar careca, exposta, de ser menos atraente para as pessoas.e
De 2014 pra cá, meus cabelos cacheados e volumosos se tornaram o pilar da minha autoestima e uma das minhas características mais marcantes. Mas até isso a depressão me tirou. Eu atingi níveis tão altos de estresse, que meus cabelos, ora volumosos, viraram fiapos patéticos. Eu me apeguei por mais de 2 anos aos cabelos que restaram, vendo com pavor eles caindo aos tufos a cada vez que eu penteava ou sequer passava as mãos. Chorei de desespero muitas vezes, me senti feia, novamente vi minha autoestima destruída. E quando as pessoas comentavam, me sentia impotente. Tentei de tudo para preservar eles, mas muitas vezes quis raspar de uma vez e começar do zero. Minha psicóloga me perguntava se essa era uma decisão que eu conseguiria bancar nesse momento, e  eu não sabia dizer. Na verdade, achei que não, então me controlei ao máximo e de forma surpreendente. Devo admitir que meu maior medo era que isso afetasse ainda mais minha vida sexual e afetiva. Que numa sociedade machista, minha cabeça raspada seja um repelente.
Mas tem uma pessoa em especial que eu pensei muito, com temor: "será que ele vai me achar feia?". Ele gostava dos meus cabelos, sempre dizia. Bem, não importa. Não adiantava eu continuar me apegando a fiapos de cabelos, assim como não adianta eu ficar me apegando a um amor que não se concretizou. Meus cabelos não fizeram ele ficar, e provavelmente não seriam motivo para ele voltar algum dia. Depois de uma semana em uma crise que me fez sentir como se tivesse dado muitos passos para trás, eu levantei da cama e decidi. Mais ou menos. Foram horas de espera até o salão abrir. Num minuto eu dizia: "eu vou", no outro dizia: "melhor não". Fiquei olhando do meu portão e quando o salão abriu fui lá e pedi para raspar. Ele lançou o típico "tem certeza?" E eu disse, sem hesitar: sim. Foi muito mais tranquilo do que eu pensava, tanto na tratativa do cara, quanto no meu psicológico. Não senti tristeza e nem desespero. Não senti alívio também. Não me senti, a princípio, nem feia e nem bonita. Não me senti "masculinizada".  Quando voltei pra casa, comecei a me olhar no espelho, olhei toda vez que passei na frente dele e parei para me admirar.  Me olhei de uma forma que não me olhava há tempos... E me vi. Vi minha essência. Eu não sou meus cabelos. Não sou um objeto para agradar ninguém. Me senti linda pela primeira vez em muito tempo. Me senti potente, feminina. Como uma tigresa... É assim que tenho me visto nos últimos dias. E aí me senti livre. Senti tesão. Me senti fresca, limpa. Manter cabelos tendo depressão, e principalmente em dias quentes, não é um trabalho fácil. Nos últimos dias, sem os cabelos, tenho feito skin care, tenho sentido vontade de me maquiar, de me enfeitar, até meu jeito de andar voltou a ser como antes... 
Meu objetivo era raspar para ver se os cabelos cresciam novamente mais fortes, mas acho que vou manter a cabeça raspada por algum tempo. Talvez as pessoas me julguem, talvez eu não fique com ninguém por muito tempo, talvez não me vejam como atraente. Mas nesse momento, isso faz sentido pra mim. Só isso importa.