quinta-feira, 13 de abril de 2023

cinco e meia

Nunca mais bebi. Nunca mais me cortei. Nunca mais fiz nada de ruim e nem de bom contra mim mesma. Mas eu sinto a vontade. Eu sinto essa energia dentro de mim sempre exigindo o estrago.
Estática, assisto cenas monstruosas rodando na minha cabeça. Eu poderia me queimar, como antes. Eu poderia enfiar uma faca no meu coração. Eu poderia me jogar na frente de um trem. 
... Moro ao lado da estação de trem. Cinco e meia já tem trem rodando...
Eu sinto falta das marcas de cortes pelo meu corpo, da lâmina dançando sobre a minha pele, deixando os rastros de sangue. Eu sinto falta do vermelho espesso.
Eu sinto falta de ir ao pronto socorro e ser cuidada por alguns minutos, enquanto me costuram. Sinto falta das mãos em mim e do cheiro de hospital.
Um diazepam, ou dois ou três, tem 10?
Minha psicóloga me disse para conversar com alguém quando eu sentisse vontade de me machucar. Eu disse pra ela: não tem ninguém. Não sobrou ninguém... Ninguém mais aguenta me ouvir chorar a ausência dele.
Ela me disse: "então escreve".
Eu não deveria precisar de incentivo e nem de desculpas para escrever...
Cinco e trinta e cinco.
Olha quantas linhas eu escrevi. Olha quanto sangue.
Eu queria estar dormindo, envolta no nada, como as pessoas saudáveis. Como ele dormia, depois de uma briga.
..........
Tenho um monte de rascunhos de poemas escondidos desde que voltei com ele. Um monte de ideias enchendo minha cabeça. Faz tanto tempo que terminei com ele. Um ano e dois meses. Nunca mais fiz nada de bom por mim mesma...
Nem sequer gozei. Não de verdade. É como uma faísca riscando brevemente o escuro e apagando logo em seguida. Depois as lágrimas caem como uma tempestade e meus soluços ecoam no silêncio da madrugada feito trovões... Eu fico até enjoada de tanto chorar. 3 dramins e um gole de água.
Quando o conheci, não conseguia atingir o orgasmo acompanhada. Agora não consigo gozar nem sozinha. A única coisa molhada em mim são meus olhos, chorando 3 vezes por dia, como se esse fosse o remédio. Um ano e dois meses de lágrimas.
Imagino ele gozando com outra, enfiado entre outras pernas dizendo "eu te amo", como costumava me dizer. E eu acreditava. Eu queria acreditar...
... Quando ele me dizia que só comigo era daquele jeito. Que só eu fazia ele rosnar feito um cachorro. Eu acreditava. Eu queria acreditar.......
Mesmo quando ele se contradizia sem querer 
Me fodendo por trás, ele puxava meus cabelos e perguntava: "você me ama?" e eu respondia sem hesitar: "eu te amo demais".
Agora ele faz isso com ela. Não só com ela, mas com Virgínias e Brunas e Isabelles e Bárbaras e Helenas e com Maysas também. Sempre tem alguém, sempre tem uma substituta para a substituta.
Mais um dramin.
..........
Meus dedos costumavam deslizar tão facilmente, era como se tivesse um pote de mel entre as minhas pernas. Agora é como se eu carregasse o deserto do Saara em mim. É tudo árido.
Minha buceta está seca. Meu útero está secando. Meu corpo está murchando, especialmente meus seios. Minha alma está morrendo...
Cinco e quarenta e nove...
Minha vida gira em torno dele desde o dia em que o conheci, quase 4 anos atrás. Ele entrou em mim pelos meus olhos. Eu o vi e soube que o queria comigo para sempre. Ele chegou como quem não quer nada (o que ele queria era me comer, me disse um dia, depois de já ter comido até enjoar) e foi ocupando todos os espaços em mim. Se instalou no meu cérebro, invadiu meu coração, andou sob a minha pele, de ponta a ponta, correu pelas minhas veias, encheu os meus pulmões: hoje eu respiro ele. Ele rompeu minhas cordas vocais. Ele cegou os olhos que o acolheram. Não sobrou nada pra mim dentro de mim. É tudo dominado por sua vontade (ou falta dela).
Eu tenho tantas ideias na minha cabeça, mas tudo se resume a ele. Então não escrevo como antes. Escrever significa me humilhar um pouco mais, inflar ainda mais o ego dele. Eu busco a aprovação dele em cada linha.
Hoje eu sou como uma boneca esquecida num canto, como uma boneca que não tem mais graça, uma boneca sem vida, porque ele tomou minha vida. Ninguém viu e ninguém sabe. O tempo passa por mim, embranquece meus cabelos, endurece meu olhar ... novamente. Não sinto emoções fora das lembranças de cada momento dele em mim; no começo era tão doce... Ele usava as palavras mais bonitas, com sua voz aveludada. Ele dizia exatamente o que eu queria ouvir. No fim sobraram as palavras mais duras, na voz mais áspera.
Seis e vinte e três.
Não, no fim o que sobrou foi o silêncio.
De dia ou de madrugada, faz um silêncio cruel dentro de mim. 
Eu estou morrendo em silêncio...