quarta-feira, 12 de abril de 2023

a pessoa gorda na academia

23 de abril de 2014. Eu havia começado a praticar boxe recentemente. Ninguém me forçou, foi só um pensamento que eu tive: "eu deveria fazer boxe". No princípio eu nem pensava em emagrecer, só me ocorreu que um esporte como esse poderia me ajudar a liberar a energia negativa, e sim, pensei que seria saudável para o meu corpo. Eu estava *começando* a me enxergar e a me sentir de uma forma diferente.
Comecei bem empolgada, cheia de vontade de aprender, mas desde o princípio foi um desafio. Além de estar acostumada a uma vida sedentária, depois de anos de isolamento, eu ainda tinha muita vergonha do meu corpo ser observado em movimento. Era humilhante, para mim, ser vista correndo e pulando. Eu procurava não ser o centro das atenções. Mas quando você é uma pessoa gorda (especialmente gorda maior) e chega de legging e começa a pular corda no meio das pessoas, você atrai todos os olhares. Um dos garotos da minha turma era realmente paciente e bondoso, mas os outros me olhavam feio, me julgavam e resmungavam porque eu "os atrasava". Esse tipo de reação, por mais esperada que seja, naquela época ainda me abalava, e diante do constrangimento, eu me forçava a ir além do meu limite físico.  Era cobrada e me cobrava a fazer o mesmo que os outros, mesmo sem ter o mesmo preparo. Aquilo era uma espécie de punição, especialmente moral. Depois dos treinos eu ficava muito mal, pelo desgaste físico e pelo excesso de adrenalina. Saia da academia tonta e vomitava na esquina.
Então, aos poucos, foi perdendo o sentido para mim, porque, com o apoio torto de pessoas próximas a mim, o boxe se tornou apenas uma cruzada pelo emagrecimento, na qual o desrespeito ao meu corpo era louvado, e a ansiedade era amplificada. Exercícios por obrigação e como punição não deixam ninguém mais saudável, pelo contrário.
Uma das maiores cobranças sociais sobre o corpo gordo é que não sejamos sedentários (como se a maioria dos magros não o fossem), mas quando tentamos praticar exercícios físicos, primeiro encontramos a barreira de que não existem roupas apropriadas do nosso tamanho, e depois, se de alguma forma superamos isso, somos ridicularizados e aterrorizados em academias. Sofremos abusos físicos quando nos forçam, por meio de pressão psicológica, a ir além dos nossos limites, e sofremos abusos quando nos observam, riem, apontam, fotografam... como se fôssemos bicho! 
Ou seja, para a sociedade, a pessoa gorda nunca será digna de respeito. Se não nos exercitamos, somos repreendidos, se nos exercitamos, somos humilhados, se comemos "besteira", somos irresponsáveis, se comemos coisas saudáveis, estamos querendo nos provar.
HOJE eu entendo que dentro deste cenário, a única coisa que nos cabe é fazermos o que quisermos e zelarmos por nós mesmos, de corpo, mente e alma. Não é fácil se desligar dos olhares e das cobranças, mas precisamos aprender a fazê-lo. Não tem problema só fingir que não ligamos a princípio, até chegar o ponto de tal comportamento se tornar realmente irrelevante para como nos sentimos ao EXISTIR. Porque nós temos o direito de existir, de amar, de gozar, de comer... e de nos movimentarmos. Pela comunhão entre todas as coisas que nos constituem, precisamos ser gentis conosco, e acima de tudo, respeitarmos os nossos limites! Não deixe ninguém ditar o ritmo dos seus movimentos e da sua vida, ou você não encontrará ânimo algum para VIVER.

Texto de 23 de abril de 2019.