segunda-feira, 3 de abril de 2023

terminal

Esses dias eu ouvi uma menina dizer: "eu não sinto vontade de viver", e sua mãe indagar: "tá, mas POR QUE você não sente vontade de viver? Tem muita gente lutando para viver!"

E esse diálogo me chocou. Bateu forte. Foi além do clássico "tem gente sofrendo mais do que você". Naquele momento eu lembrei que existem pessoas que lutam contra a morte porque amam a vida. Eu pude visualizar pessoas em hospitais e em sarjetas, lutando contra a morte, não por instinto ou por medo, mas porque realmente amam a vida e querem continuar *vivendo*. Eu tinha esquecido que é possível amar viver. Eu tinha esquecido que nem todo mundo apenas sobrevive. Que nem todo mundo pensa que seria melhor morrer.
Imaginando essas pessoas que lutam para viver porque AMAM viver, eu me senti tão INADEQUADA nesse mundo. Eu não sinto vontade de viver. Eu não amo viver. Nunca amei, nem quando criança. Eu sinto desespero ao acordar para mais um dia. Eu penso que essa vida não tem nada para me oferecer. Nenhum prazer momentâneo compensa a agonia que é VIVER.
Mas hoje me ocorreu que embora eu não ame viver ou sequer sinta vontade, eu TAMBÉM estou lutando para continuar viva. Eu também tenho algum apego à vida, e o motivo ficou bem claro com uma frase do Kafka que caiu no meu colo: "ele tem muito medo de morrer porque ainda não viveu".
Eu li essa frase e chorei.
Essa minha luta pela vida é apenas isso. Muitas vezes profissionais de saúde mental me disseram, e eu sempre soube: eu ainda não vivi, eu apenas sobrevivi a toda a violência que me impuseram.
Talvez a minha relação com a vida seja a minha relação mais tóxica. Eu a odeio, mas não consigo largá-la. Eu até tentei, mas falhei, então só me resta seguir com ela.
Por anos eu tenho lutado pela minha sanidade e pela minha vida, escorada na expectativa de que A VIDA pode me trazer algo de bom se eu ficar. Que eu vou perder oportunidades de viver e me sentir feliz se não estiver mais aqui. Eu tenho me apegado a essa promessa de dias melhores.
...
O tempo foi passando e nada do que eu esperava e queria aconteceu. Pelo contrário, a vida me trouxe mais tragédias, mais violência, mais dor do que eu poderia imaginar. Quando eu penso que não pode ficar pior, fica.
Faz muito tempo que eu estou indo de mal a pior. Faz muito tempo que eu tenho sofrido com falta de apetite. Faz muito tempo que eu fico dias seguidos sem conseguir comer. Faz muito tempo que eu tenho perdido peso sem querer, sem tentar. Faz tempo que meus cabelos estão caindo, que me sinto enjoada, que meu corpo está fraco e ferido, que eu sinto dores a ponto de querer gritar. Faz tempo que não me reconheço no espelho. Faz tempo que eu não me toco e nem sou tocada, faz tempo que não sinto prazer em nada que eu gostava. Faz tempo que não consigo dormir, faz tempo que acordo chorando no meio da madrugada. Faz tempo que eu perco o fôlego de tanto chorar ao longo do dia, no meio de multidões. Faz muito tempo que vocês me assistem morrer... Porque a sensação que eu tenho é que estou morrendo, definhando, apagando, murchando. Faz muito tempo também que busco ajuda, que tento melhorar e me esforço todos os dias para recomeçar. Eu tenho lutado. Luto para viver, independente dos meus sentimentos pela minha vida. 
Mas ninguém entende de verdade. Ninguém realmente reconhece meus esforços. Eu vi muita gente fazer chacota da minha dor, da minha falta de apetite, da minha insatisfação por estar perdendo peso e pelo meu corpo estar mudando contra a minha vontade. Eu vejo o olhar das pessoas. Minimizam minhas queixas ou duvidam de tudo que eu digo. Me fazem sentir louca a ponto de eu ficar me medindo e me pesando de maneira neurótica para me validar, para ter certeza de que o que eu vejo é real, porque a balança e a fita métrica não mentem.

Não me acham digna e nem me dão validação. Mas eu, que não amo a vida, estou lutando para VIVER, tanto quanto qualquer pessoa que a ama.