Hoje me juraram de morte. Foi assim: uma bruxa-vidente viu a minha morte em seus sonhos, e veio me pedir que eu faça exames e cuide da minha saúde, pois quando ela sonha, acontece. Que belo alimento para a ansiedade de uma hipocondríaca! Uma hipocondríaca que se diz ateia, mas tem contestado isso intimamente um pouquinho a cada dia. Uma hipocondríaca que está sempre às voltas com a vida e a morte, querendo viver em um instante, e buscando a mais cruel das mortes em outro.
Mas ontem, ah, ontem foi um bom dia. Que dia bonito, sem pensar em morte ou deuses ou doenças. Um dia doce, traçando beijos em uma constelação de pintas, em veias de braços, e num rosto que visto bem de pertinho é ainda mais bonito. Sentindo um abraço tão bem encaixado que parecia ter sido feito sob medida (calma aí com a emoção, Cíntia!).
E depois, o uber em 5 minutos.
Quantos beijos cabem em 5 minutos? - eu perguntei. Ele riu e nos beijamos.
Mas não era uma pergunta retórica.
Cheguei em casa sentindo a vibração de lábios nos meus lábios e dormi o sono dos justos, não sem antes perguntar, repetidamente, para mim mesma: "quantos beijos cabem em 5 minutos?". Eu precisava usar isso numa poesia, aqui está. Mas, bem, dormi, e foi o sono de quem teve o que desejava há muito tempo.
E aí acordei com a sentença e a minha mente já começou a maquinar: quanto tempo eu tenho? Será que eu tenho tempo suficiente? Será que eu vou conseguir chegar onde eu quero, para justamente nesse momento, morrer? Morrer e cair no esquecimento, como a Thamires, que morreu e ninguém ligou, e eu mesma só descobri 1 ano e meio depois.
Para controlar a minha ansiedade, peguei um livro. Ele não consegue me prender, não consegue me tirar dos meus próprios pensamentos. A história está meio confusa, meio maçante, meio blasé. E eu não tenho apego pelo blasé.
Enquanto tento me concentrar no livro, atormentada pelos meus pensamentos, chega até mim o perfume de ontem, ele vem da minha camiseta da Janis Joplin que repousa ao meu lado. Perdendo as palavras da narrativa, sinto o cheiro que prova que aconteceu, e que eu quero sempre mais, mais e mais. Talvez eu não consiga lavar essa camiseta por algum tempo, vou deixá-la com o aroma de ontem, a mistura de kaiak, pele, desejo e sexo. Talvez minha seguidora-bruxa-vidente esteja certa e eu morra antes de ter tempo de lavá-la, ou antes de repetir o ontem.
Estava perdida em pensamentos, quando ouvi o tique-taque. Pousei o livro aberto para baixo. Fazia muito tempo que eu não ouvia o som tormentoso de um relógio. Há muito me desfiz de tais objetos que só servem para me afrontar. Mas agora ouvia, bem nítido, tique-taque, tique-taque, bem baixinho, tique-taque, mas perto. Quanto tempo eu tenho? Vai dar tempo? Meu deus! (pera lá, é só uma expressão, não uma anulação do ateísmo).
Avistei o relógio azul que ganhei dos meus irmãos. Ali estava, com seus ponteiros impiedosos, ligeiros, , fazendo meu coração perder o compasso, angustiando a minha alma. Findando as coisas.
Quantos beijos cabem em 5 minutos? Um longo beijo até ficar sem ar? 5 beijos de um minuto cada, cronometrado? Muitos e muitos beijinhos pelos lábios e pelo rosto todo? Um no ombro pra fechar?
... Em 5 minutos não cabe o suficiente de nada que valha alguma coisa. Vou de Cazuza: "você tem exatamente três mil horas pra parar de me beijar". Depois dobramos a meta.
Que a vidente esteja errada, que a vida tenha renovado meu contrato no dia 3, que ele me beije de novo e de novo e de novo.
Amém (uso fluido)