Mostrando postagens com marcador Lágrimas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lágrimas. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

das coisas que você não sabe

você nunca vai saber das noites que eu passei acordada
de todos os cigarros transbordando no cinzeiro improvisado
enquanto eu prometia parar de fumar
parar de pensar em você.... 

das promessas em vão

você nunca vai saber da agonia da pele em chamas 
o seu olhar inocente na mente
suas palavras dançando sobre mim 
como insetos numa noite infernal de verão
o misto de compreensão e raiva 
ardendo nos meus olhos esfumaçados

você nunca vai saber das tardes desperdiçadas
do dedo no gatilho, hesitante e cheio de remorso
nunca vai saber a sensação do disparo quente 
nem da velocidade do projétil atingindo o meu cérebro em cheio

nunca vai saber do vazio que fica depois de tudo
no coração e no crânio dilacerados

você nunca vai saber da solidão que torna tudo inútil
ou da morte da esperança
dos poemas rasgados e queimados, só por garantia

você nunca vai saber do meu desejo
de ser o seu cachorro
ter sua lealdade
o rabo balançando de contentamento
pelo afago

você nunca vai saber de todas as vezes que eu chorei
gemendo seu nome

te chamando, chamando
sem nunca ser ouvida
você nunca vai saber
você nunca vai saber

você nunca vai saber...



segunda-feira, 29 de outubro de 2018

auto-conhecimento

   Não dormi, mas comecei o dia gargalhando. Seis horas da manhã e minha risada alta preenchia meu quarto, provavelmente se fazendo ouvir fora dele. Ri tanto, que a minha barriga começou a doer, enquanto as lágrimas escorriam pelas minhas bochechas e embaçavam meus óculos. Eu tentava não rir, porque o motivo do riso desenfreado era a desgraça de algumas pessoas que caíram com a freada violenta de um ônibus. Parava por alguns minutos, segurando o riso com a consciência pesada, mas depois não aguentava, e o ritual descontrolado recomeçava.
   Ouvi os passos em frente à janela do meu quarto. Ouvi minha avó na cozinha, senti o cheiro do café. Eu não tomo café, mas devo admitir que o cheiro de café, especialmente pela manhã, aguça alguma coisa boa dentro de mim.
   Entre o riso e o silêncio culpado, ouvi o barulho das xícaras na cozinha, e o som de pessoas cochichando. Tentei ouvir o que diziam, mas não deu.
   Eu ainda estava indecisa se deveria ir à consulta com a psiquiatra ou não, mas pensei: "ainda tenho bastante tempo", e depois me ocorreu que é justamente quando eu tenho tempo de sobra que me atraso. Eu me conheço, estou sempre certa. Me atrasei, depois de colocar uma roupa qualquer e sair correndo, de cara lavada, na chuva que tornava o chão escorregadio sob o meu all star velho demais para ter algum efeito anti-derrapante. Quase escorreguei algumas vezes. Teria sido um belo castigo, ser filmada escorregando para abastecer o riso de alguém depois, na internet.
   Mas não caí. 
   Cheguei ao posto de saúde, tirei os óculos escuros respingados da chuva, e peguei a senha eletrônica. Agora tem isso lá, e eu me sinto de alguma forma traída por esse avanço tecnológico. Tira o aspecto familiar da coisa. 
   Mais traída ainda me senti quando minha senha foi chamada, e a recepcionista não lembrou meu nome. Ela me olhou, olhou para a tela do computador por uns segundos, e me olhou de novo, soltando um odioso: "esqueci seu nome...". Ela me conhece há dez anos. Eu sei o nome dela e de todas as pessoas no posto de saúde. Aos poucos, eles esquecem o meu. 
   "Cíntia, prontuário 19-119".
   Enquanto esperava, irritadiça pela noite não dormida, observei as pessoas passando. Auxiliares de enfermagem, as moças da limpeza, o pessoal da administração, e as agentes de saúde. Recebi dois abraços genuínos, fortes, e muitos sorrisos amarelos: "você anda sumida!". Eu sempre busco amor nos lugares mais improváveis.
   O posto está cheio de enfeites florais feitos de papel crepom; dois tons de rosa e um branco, para a campanha de prevenção de câncer de mama. Fiquei com vontade de roubar alguns dos enfeites, colar na parede do meu quarto. Eu sou assim. Uns anos atrás roubei um dos enfeites da já precária árvore de natal do posto de saúde, porque eu preciso ter esses souvenirs para me lembrar dos momentos. Para tornar as minhas memórias tangíveis. Ou para manter a ilusão ativa.
   Pensei em todos os anos esperando por aqueles corredores, vendo as pessoas passando e preocupando-se comigo. Pensei nos meus professores do ensino fundamental. O meu sentimento era o mesmo por ambos os ambientes e seus habitantes. O mesmo amor por pessoas que são pagas para notar a minha existência, e que esquecem do meu nome assim que o meu caso deixa de ser prioridade em suas mesas.
   Comecei a andar de um lado para o outro, inquieta com a demora. Apertei o aparelho de álcool gel, mas não saiu nada, como sempre. Tem uma mesa no corredor, ao alcance dos pacientes, e eu sempre me perguntei o que tinha naquelas gavetas, sem coragem de abrir para ver. Olhei para os dois lados do corredor cheio de pacientes cuidando de suas próprias dores. Abri a primeira gaveta, e, adivinha só, não tinha merda nenhuma. Foi o suficiente para acabar com qualquer traço de tesão detetivesco.
   Me pus a ler os cartazes de prevenção de câncer de mama, e depois o mural cheio de post-its com mensagens "motivacionais". Cuide-se!, dizia um dos post-its. Ame-se! A vida importa! AUTO-CONHECIMENTO! Eu nunca fiz o auto-exame. Pensei em roubar um ou dois, quem sabe três post-its rosa choque. Mas talvez a mensagem fizesse falta para outras pessoas. Eu sou hipocondríaca. Quando eu penso em fazer o auto-exame, penso na possibilidade de encontrar um nódulo, e começo a surtar. A bem da verdade, se eu procurasse eu provavelmente encontraria mil nódulos, a minha ansiedade os colocaria ali.
   Eu me conheço, mas às vezes não quero conhecer demais. Pensei nas minhas seguidoras.
   A psiquiatra me chamou. Ela não lembrava exatamente sobre o meu caso, ficou lendo por cima as páginas do meu prontuário, me fazendo as mesmas perguntas mil vezes, e eu as respondia, sentindo a exasperação crescer. É como se ela não ficasse contente com as minhas respostas, então continuasse perguntando para ver se eu as mudava. Você está pensando em suicídio, ou está planejando suicídio? Qual é a merda da diferença? Perdi a calma com ela, e me arrependi em seguida, porque apenas parte da minha exasperação era pela condescendência dela, a outra parte era pela noite não dormida. Eu sou como uma criança que vai ficando rabugenta à medida que o sono chega, e que precisa deitar e pegar no sono assim que esses momentos batem.
   Ela continuou fazendo as mesmas perguntas e as mesmas propostas. Eu parei de responder, adotando a tática de simplesmente encará-la. Ela continuou na expectativa de uma resposta, e eu continuei oferecendo silêncio, sabendo que meus olhos estavam tão vazios quanto às vezes me acusam.
   Foi uma consulta absurdamente longa, em que nada foi abordado. A minha impaciência crescente, louca para sair dali. Comecei a concordar com ela, era o único passaporte para a saída daquele lugar. Funcionou. Até mais, Cíntia. Obrigada. Tchau.
   Peguei meus remédios, não tinha todos. Estava exausta. Passara horas ali, e a consulta com a psiquiatra no fim me deixou pior do que quando eu cheguei. Com os bolsos da jaqueta jeans molhada cheios de remédios, coloquei os óculos escuros e saí. Eu não suporto claridade, especialmente quando não durmo.
   Ia chegar em casa, tirar toda a roupa e me jogar na cama ao som de Florence + the Machine. Isso não aconteceu. Enrolei o dia inteiro, cansada, sem fazer nada, sem ter noção de como as horas passaram. Dava tempo de ir pro curso ainda, mas eu simplesmente não teria energia física ou intelectual para acompanhar a aula.
   No fim da tarde eu tirei as roupas ainda molhadas, e deitei, cobrindo a cabeça. Meu corpo começou a pesar, minha mente começou a desligar, e o celular apitou. Relutei por alguns momentos, mas descobri a cabeça e estiquei o braço, pegando o aparelho.
   Era ele. Meu coração acelerou. Ele gostou da minha foto de 4. Instigada, minha mente acendeu, voltou a funcionar a todo vapor. Minha buceta a acompanhou. Em alguns minutos ele conseguiu me fazer esquecer da mágoa de situações anteriores, do sono, do cansaço, da exasperação, e tudo isso deu lugar a um tesão violento, que provocava ondas de prazer pelo meu corpo sem que eu ao menos me tocasse. 
   Eu te quero. Você me faz sentir um tesão desmedido. Seu pau está pulsando? Quero me esfregar em você. Imagina, imagina, imagine! Imaginei o coturno dele pressionando meu corpo, me imobilizando contra a parede, deixando as marcas da sola na minha pele. Estava molhada novamente, mas dessa vez não era culpa da chuva, que ainda batia  contra a minha janela.
   E as mensagens começaram a ficar mais espaçadas... 
   Ocupado.
   Ok...
   Abri as pernas, coloquei os dedos para trabalhar, imaginando. AUTO-CONHECIMENTO!
    Os dedos deslizando com facilidade. AUTO-CONHECIMENTO!
   Me esparramei na cama, me desfazendo entre os lençóis e cobertas. AUTO-CONHECIMENTO!
   Soltei gemidos e suspiros... AUTO-CONHECIMENTO!
   A atenção dele nunca é só minha. Eu sempre tenho que dividi-la com outras pessoas, com outras coisas.... AME-SE!
   É só sobre ele. O prazer dele, o sentimento dele, o momento dele, a vida dele. Ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se ame-se, AME-SE, porra!
   Tomada pelo tesão e pela tristeza de uma só vez, comecei a chorar enquanto me tocava, enquanto os dedos entravam em saíam, e o tesão começava a ser vencido pela tristeza. O som do meu choro preencheu meu quarto, talvez se fizesse ouvir lá fora. Chorei tanto, que a minha garganta começou a doer, as lágrimas escorrendo em abundância pelas laterais do meu rosto. Parava por alguns segundos, mas depois não aguentava, e os soluços convulsos recomeçavam. No escuro, no silêncio.
   Os dedos desistiram. Fechei as pernas, deitei em posição fetal e cobri a cabeçaEu sempre busco amor nos lugares mais improváveis. Chorei tanto, que dormi. Por dois dias.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

inteira

   Quando eu me dou para as pessoas, elas nunca me querem inteira. Me querem fragmentada. Eu sou um ser humano completo, com desejos e sentimentos que por vezes  parecem não caminhar juntos, mas que são os mais sinceros que alguém pode oferecer...
   E isso é inaceitável para elas. Querem apenas o que fica entre o bom e o sofrível, quando, ao contrário, eu ofereço excelência. O mundo que existe dentro de mim — esse solo nunca explorado. Eu ofereço mais do que o suficiente. Ofereço uma viagem completa e louca.
   Mas não. Querem que eu escolha uma só fantasia e nunca me dispa dela. Ser a irmã ou ser a puta. Ser a amiga ou ser a amante. Ser fofa ou ser safada. Eu quero ser tudo, quero ser plena. Nós não precisamos seguir uma linha reta, e por que você está tão assustado?
   Eu acordei e estava contente. Mas o contentamento durou pouco e foi engolido pelo buraco negro que habita minha alma. As lágrimas rolaram sobre o travesseiro ao qual eu durmo agarrada, fingindo que é o seu corpo entre meus braços, seu peito sob a minha cabeça...
   O desejo era latente no espaço mais íntimo do meu ser; o desejo de te adorar e ser adorada na mesma proporção; tocar todos os espaços que existem em você e ser tocada como nunca antes... E que ilusão é essa! Desejo que nunca alcanço...
   Brinquei com a possibilidade de te ligar, eu diria: "te quero! e você? algum pedaço de você me quer?"
   Mas eu quero que você me queira por inteiro também...
   Se não te ligo, se não te pergunto e permaneço esperando, é porque sei o que ouviria.
   Então eu me atiraria em direção a um penhasco ou de outros braços: dá na mesma.



sábado, 11 de novembro de 2017

justiça


   Mesmo com todo o meu pessimismo, eu sempre procurei acreditar que as coisas têm uma ordem. Que a vida é feita de ação e reação, e isso me fez relevar, de certa forma, todas as maldades que me impuseram. A esperança de que um dia o mal voltaria para essas pessoas me servia de consolo. A expectativa de que um dia eles receberiam um pouco do próprio veneno me fez aceitar a forma como a minha vida transcorreu. Isso me torna uma pessoa ruim? Querer que as pessoas que me fizeram mal também sofram? Ou me faz conformada, por esperar que a vida se encarregue de me dar "vingança", ao invés de eu mesma buscá-la?
   Um dia, muito tempo atrás, um cara, cansado de me ver sofrer e definhar, me propôs: "você quer que eu mate o seu tio? Se você quiser eu mato. Dou um tiro nele". E eu sei que ele o faria, ele era esse tipo de pessoa. O amei por isso, mas não pude aceitar. Eu tinha 16 anos, cheia de ideais, e matar alguém, ou ordenar a morte de alguém, ainda me era uma coisa incabível. A minha consciência não me deixaria em paz. Eu preferi continuar definhando e esperando que a vida agisse.
   Não se trata de vingança, se trata de justiça. Sim. Eu, logo eu, fui tola o bastante para acreditar, por 27 anos, que pode haver alguma justiça nesse mundo fodido! Mesmo o mundo me mostrando consistentemente nas manchetes de jornais, nos relatos de amigos e na minha própria vida que a justiça é uma utopia. Eu acreditei. Aposto que por essa vocês não esperavam!
   Mas hoje a verdade me atingiu no meio da fuça. Surgiu feito um raio, quando eu menos esperava: não existe justiça. Não há divindades, não há karma, não há energia, não há um sistema cósmico para honrar quem quer que seja...
   Eu luto todos os dias. Luto para continuar viva e para manter minha sanidade. Luto mais do que qualquer pessoa poderá imaginar, mais do que todos pensam. Luto contra mim e por mim, enquanto as pessoas que deram vida e alimento aos meus demônios seguem suas vidas tranquilamente, sempre adiante, sempre prosperando, dormindo feito bebês; enquanto eu não consigo pregar os olhos, com medo das lembranças e indignada enquanto minha vida se esvai.
   Não existe justiça.
   Eles estão sempre felizes, e eu sinto essa angústia que dilacera minha alma.
   Não existe justiça.
   Eles conhecem o amor de uma forma que nunca me será permitido.
   Não existe justiça.
   Eles não se sentem sozinhos ou abandonados nunca.
   Não existe justiça.
   Eu tento ser boa.
   Não existe justiça. E o que eu faço com isso?
   Se não existe justiça, como eu posso continuar lutando, com que forças?
   Não existe justiça. A vida e uma questão de azar ou sorte, tudo da forma mais aleatória possível. Talvez eu devesse arrumar uma arma, no fim das contas, e resolver a questão eu mesma. Porque não existe justiça, e nada mais importa.

"Nem todas as flores têm a mesma sorte,
umas enfeitam a vida e outras enfeitam a morte"   

sexta-feira, 29 de maio de 2009

chore

"A senhora chorou quando ele morreu?"
"A Cíntia tem cada pergunta..."

Chorar ou não chorar? Eis a questão!

   Pra mim é natural que uma pessoa chore quando outra morre. A primeira pergunta que me vem em mente com as histórias daqueles mais velhos que eu, é: "você chorou quando tal pessoa morreu?"
   Às vezes eu tenho vontade de morrer só pra saber se alguém choraria por mim. Na minha cabeça, a pessoa mostra seu amor ao chorar no leito de outra. É um pensamento errôneo, pois o amor deve ser demonstrado em vida e não na morte! Que espécie de amor é esse, que só surge quando não pode mais ser vivido?
   Falo com conhecimento de causa, pois minha bisavó, em vida foi muito maltratada pelos filhos e quando morreu todos eles foram chorar as pitangas! Em vida ela gostava de balas, mas nenhum deles dava isso a ela. Em morte, em seu caixão, foram depositados pacotes e mais pacotes de balas. Pra quê? Era um prazer carnal, que provavelmente foi inutilizado com a morte daquela senhorinha a quem realmente amei.
   Não perdi muita gente. Quatro pessoas importantes, algumas que deixou-me impactada, mas pelas quais não derramei nenhuma lágrima. Apenas por Steve eu chorei. Steve, a quem nunca conheci "pessoalmente". Foi também a vez em que mais chorei. E foi a coisa mais estúpida do mundo, porque em vida não demonstrei meu carinho, mas quando ele morreu fiz mil homenagens e chorei mais do que pensei que alguém poderia chorar. Ainda acho a morte deveras complexa. Meu medo é esta complexibilidade. Mas viver também é complexo. Talvez ainda mais! Creio que morrer é isso, morreu, acabou, já era. Viver não. Não, sobreviver é pior. Levantar todo dia sentindo o peso do mundo nas costas. Fazer tudo de forma automática.
   Um dia você acorda meio realista e percebe quão fracassado é. Percebe que os sonhos foram apenas isso, sonhos... e que você se tornou alguém totalmente apático, muito diferente do que o esperado. Então, se não há nada o que fazer, talvez o melhor a ser feito seja buscar a morte. Ou não?
   Talvez não, porque, quando não se tem nada a perder, é indiferente viver ou não. E vai que um dia alguma coisa realmente boa acontece? Meu medo é morrer esperando. Então, a morte novamente. Tudo parece me remeter a ela. Mas, tudo bem. Por hoje sobreviverei, até chegar o dia em que sairei da sobrevivência e viverei de fato. Ou não.
   Bem, se for pra me amar, ame agora. Não espere por amanhã. Se for pra me amar, que seja um amor que traga-me coisas boas, porque de coisas ruins estou farta.
   E, sim, se eu digo que te amo, o ideal é que você corresponda. Mas se isso não for possível, então não diga absolutamente nada. Obrigada.