domingo, 20 de março de 2016

amor


"PRA SEMPRE", 2013
Remexendo minha lata de lembranças, me deparei com uma carta da Giuliane, de 2008, a única que ainda existe — em um rompante que hoje me causa arrependimento, rasguei todas suas cartas, juntei as bijuterias com significado unilateral e joguei tudo por cima do muro do parque ao lado da minha casa. O arrependimento, na verdade, foi imediato, mas o ódio era tão grande que não fiz o que meu coração pediu: ir até o outro lado do muro, recolher todos os pedaços e guardá-los para sempre.
 Se bem que, de acordo com a própria, eu recebia menos cartas do que ela enviava, então é possível que existam algumas perdidas em agências dos Correios. Uma coisa bem cinematográfica: imagina eu receber algumas dessas cartas daqui 50 ou 60 anos! RÁ!
Foi com espanto que encontrei a carta sobrevivente, apesar de eu tê-la colocado na lata conscientemente alguns meses atrás. A peguei, fiquei acariciando o envelope, temerosa do que encontraria dentro. Como se pudesse, magicamente, ter surgido novas palavras que eu já não conhecesse de cor. Tirei as folhas, as cheirei, mas o perfume que antes conseguia sentir já evaporou por completo. Comecei a ler com cautela, mas fui remetida a uma das melhores épocas do nosso relacionamento, quando ela me chamava de "meu amor" e me dava explicações e carinho. Também tive a certeza absoluta de que não me enganei, que realmente falamos em amor além da amizade. Essa foi provavelmente a carta mais explícita que recebi dela. Ela referenciava uma de nossas conversas, me dizia que havia pensado em me propôr namoro, mas ficou com medo de receber um "não" como resposta"... e eu pude me ver novamente na lan house ao lado da escola, a webcam ligada, timidez, ela dizendo o quanto me amava e que eu era linda. Foi naquele mesmo lugar que eu recebi a mensagem responsável por partir meu coração de forma irreparável: quando ela  abruptamente colocou um ponto final no que tínhamos, no que ainda não havia nem começado de verdade.
Lendo a carta senti meu peito apertar, um nó na garganta e a tristeza por todas as coisas que não aconteceram. E pude rastrear tantas coisas para aquela época da minha vida. Nunca mais fui capaz de me envolver daquela forma com ninguém. Nunca mais senti essa conexão. Nunca mais fui capaz de me entregar para pessoas reais, e caí nas garras de pessoas aproveitadoras, de uma forma ou de outra.
Agora mesmo, enquanto digito, sinto meu rosto pegando fogo e as lágrimas surgem, mas ficam retidas.
Eu queria amar novamente daquela forma. Com aquela pureza, inocência, entrega total e correspondência. Independente de como as coisas aconteceram, eu nunca me senti tão bem, nem antes e nem depois. A vida teve sentido e expectativa por um período de tempo. A minha poesia já não falava de tristeza e morte, existia com o propósito único de exaltar todas as coisas maravilhosas que ela me fazia sentir, todas as coisas maravilhosas que ela era.
Mas quando olho para aquela época não consigo deixar de me sentir como se estivesse assistindo através dos olhos de outra pessoa. E obviamente, isso se deve ao fato de que eu SOU outra pessoa, assim como ela não é a mesma. Porra, ela nem ao menos se lembra de um terço dessas coisas! Ou prefere não lembrar?
Mas há ali os mesmos traços que ela até hoje carrega. Talvez eu tenha mudado mais do que ela no fim das contas. Perdi todo resquício de doçura, de gentileza, de esperança, e me tornei em um ser humano caótico. Eu sempre fui uma confusão, mas antes tinha bondade em mim. Ela trouxe essa bondade à tona, mas também a matou de vez.
Nessa carta ela dizia que sabia que estava me ferindo e se propunha a parar de fazer aquilo. Naquela época ela estava namorando um garoto para manter as aparências, mas deixa isso totalmente escancarado para mim. Inclusive diz com todas as letras que me amava desde antes, quando estava estava noiva de outro, e que o cara soube disso mesmo antes de ela saber. Ela dizia que era só eu pedir que ela terminaria com o novo namorado. E eu lembrei que na época isso era tudo que eu mais queria na vida, mas não me sentia no direito de dizer a ela o que fazer, sobretudo porque eu não podia lhe oferecer nada do que precisava, a um estado de distância.
O que teria acontecido se eu tivesse pedido que terminasse? Se eu tivesse dado um jeito de ir lá? Isso teria mudado alguma coisa? Nosso amor teria tido uma vida um pouco mais longa?
Apesar da dor, foi bom ter essa certeza... de que ela me amou, e que eu a amei. Não é o suficiente, mas é alguma coisa. Porém também cheguei a conclusão de que nunca vou ser capaz de amar novamente. Não daquela forma — que é a única que consigo conceber como verdadeira. Jamais haverá uma pessoa como a Giuliane, a minha Giuliane, que morreu e foi enterrada pelos princípios da sociedade.
Ela foi capaz de esquecer a Cíntia, que também foi cimentada há muito tempo. Ela seguiu em frente, e agora tem outra pessoa com quem planejar o futuro. Alguém que possivelmente ama ainda mais do que amou a mim. 
Se você conseguiu ler até o final: não lhe desejo mal.


Eu só queria ser capaz de seguir em frente também.