sábado, 18 de novembro de 2023

as últimas horas da borboleta...

o que me move...?
Estava a caminho da academia. Estava atrasada, mas sabia que se a deixasse ali, ela morreria grudada no asfalto, assim como a borboleta que encontrei outro dia.
Sempre que eu vejo uma borboleta voando, eu paro, na expectativa de que ela pouse em mim, um presságio de felicidade. Mas elas nunca pousam. Elas passam por mim. As pessoas dizem que não adianta correr atrás de borboletas, nós temos que cuidar do nosso jardim e elas virão. (...)
Todo inseto que me procura, está morrendo (quase nunca borboletas). Eu coloco uma música triste, faço companhia... Mas eles morrem sozinhos, como toda criatura.
Bem, apesar do atraso, eu abaixei e recolhi a borboleta do asfalto. Minha intenção era deixá-la em algum canteiro ou árvore, mas ela estava ferida. O vento batia e a arrastava. Ela não conseguia manter seu voo. Tentei deixar num jardim no caminho do ponto de ônibus, mas não tive coragem. Fiz minhas mãos em copo, levando ela no centro escuro e protegido contra o vento. Peguei o ônibus com a borboleta nas mãos, todo mundo me olhando com curiosidade ou estranheza. Mas, como eu faria com ela ao chegar na academia? Guardaria no armário? Lembrei que lá tem um jardim bem grande no estacionamento. Fui lá, a deixei em um graveto entre árvores, folhas e flores. Entre predadores. Fiz a natação pensando nela. Se ela conseguiria se defender. Se teria sido comida por formigas. Depois da aula, fui lá olhar. Pensei em deixar ela lá, parecia mais digno morrer na natureza selvagem do que ficar entre as paredes da minha casa, depois de uma longa metamorfose. Novamente, não tive coragem. A coloquei em um copo, dessa vez de plástico, peguei o ônibus, depois o trem, sempre cobrindo o copo com a mão para o vento não machucá-la. Vim para casa sob um sol escaldante, com receio de morrermos no caminho. Chegamos em casa molengas, mas sobrevivemos.
Ela não pousou em mim. Ela aceitou a minha mão. Ela não me trouxe felicidade. Ela me trouxe, sim, alegria por sua existência e por sua beleza, aflorou meu instinto de proteção, me fez sentir ternura... mas me trouxe outros sentimentos negativos por seu destino. Pelo destino de todos os seres. Hoje essa borboleta me moveu, mas ao cruzar o meu caminho, ela me trouxe tristeza em um dia já triste, por me fazer pensar no desperdício que é passar por uma transformação longa e dolorosa, criar asas, para no fim acabar confinada em um quartinho, esperando a morte. E depois, tirando essas fotos — confesso, por imposição minha —, ela me fez olhar pra mim e me fez pensar no meu tempo passando. No meu rosto mudando. Nas novas marcas que eu tenho ignorado. Eu vi beleza nisso tudo, na minha pele, nas nossas cores, em suas asas, mas tem sempre um pouco de tristeza também.

O que me move...?

A minha solidão? O meu desejo pela companhia? O meu medo de morrer sem ter ninguém para me aninhar e me proteger do vento... O que me move é o meu medo de ser arrastada por esse mundo, assim, sem defesa. Quando acolho um inseto morrendo, não sou movida só por bondade, por identificação ou por hiperfoco: tem muito mais de egoísmo. Por alguns momentos eles me tiram da minha solidão. É um tipo tão triste de companhia. Um tipo tão triste de beleza.