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sábado, 6 de maio de 2023

ser gorda

Texto de 27 de julho de 2018

Ser gorda é nunca ser considerada o suficiente. 
É passar uma vida ouvindo que deve se amar, e que se não se ama a culpa é sua, e depois, uma vez que conquista auto-amor, ouvir que não merece tudo isso. É estar errada se não come de forma saudável, e estar errada se come de forma saudável, afinal, está tentando "se provar" em demasia. É ouvir que é preguiçosa, mas se tentar ir a uma academia, ser escorraçada, porque ali não é o seu lugar. É ser rejeitada até mesmo pelo feminismo. É ser pressionada por médicos, e deixar de procurá-los mesmo por problemas de saúde não relacionados ao peso, o que leva a situações dolorosas e alarmantes que poderiam ter sido evitadas. É viver num mundo projetado para pessoas magras: ter medo de ir ao motel e quebrar a cama, a um salão de estética e quebrar a maca, ser internada e não ter pijama do seu tamanho. É não passar na catraca e saber que as pessoas estão satisfeitas de te ver sendo humilhada. É ouvir pessoas bufando quando você senta ao lado delas em locais públicos. É ter amizades tóxicas, porque as pessoas te usam para inflar o próprio ego. É não encontrar roupas que sirvam, por um preço razoável, e ainda assim agradecer às marcas que fazem o mínimo (e por motivos pouco altruístas). É ser competente e ter um bom currículo, mas ser rejeitada pelo RH, porque "não faz o perfil da empresa".  Ser gorda é ter seu corpo sexualmente explorado, mas sem permissão de curtir, exigir, gozar. É ser usada e descartada, porque não te enxergam como um ser humano.  É sofrer violência doméstica porque foi ensinada que merece ser maltratada, e que tem poucas opções. É solidão, é massacre. Ser mulher gorda é ser desumanizada em todos os aspectos da existência, e tentar não sucumbir.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

e se a shein acabasse hoje?

Recentemente entrei em uma discussão  com uma blogueira de moda GORDA. Ela apareceu OSTENTANDO um look composto por *7 marcas*, afirmando que "a questão de roupas para pessoas gordas está quase resolvida" e que AGORA é hora de lutar por "políticas públicas". Ela estava fazendo praticamente um "arrume-se comigo para ir lutar por políticas públicas yeah fat girl power, porra!"
Quando vi aquilo, eu fiquei transtornada. Eu não conseguia acreditar no esvaziamento de pautas e na ignorância daquela pessoa. Ignorância até sobre os próprios privilégios. Tentei ignorar, fingir que não vi e ficar na minha, mas a raiva foi tomando conta de mim...
"A questão de roupas para pessoas gordas está quase resolvida? 🧐" Eu questionei, e ela respondeu: "você não acha que está quase resolvida? Muita coisa mudou no mercado plus size nos últimos 20 anos".
O que realmente mudou? Mais do que isso, ~para quais~ pessoas gordas as coisas "mudaram"? Para gordas famosinhas e bonitinhas que GANHAM roupas de marcas? Para gordas menores? Para gordas que têm as proporções limitadas contempladas pelo mercado plus size? Para as gordas com carreira e grana num mundo que exclui a pessoa gorda do mercado de trabalho?
Ela jogou a SHEIN na minha cara, afinal, "hoje é possível encontrar vestidos plus size por 40 reais". Como se TODA pessoa gorda estivesse na internet comprando lookinhos da Shein!
Muitas pessoas gordas fora desse contexto ilusório da internet sequer sabem da existência das marcas online NACIONAIS, imagina ter acesso a Shein! As pessoas gordas "comuns" dependem de marcas plus size de bairro, QUANDO tem lojas plus no bairro ou até na cidade delas. Dependem dessas lojas oferecerem seus tamanhos. Até uns 5 anos atrás, eu também dependia totalmente de lojas plus size de bairro. Eu moro numa grande capital, mas vestindo 58/60, eu não tinha minhas necessidades atendidas. Imagina então como é para quem mora em cidade pequena! Ou para quem é maior do que eu.
Eu usava "o que tinha", me apertava em roupas menores do que o meu corpo (e me machucava dentro delas), suava em cabines pequenas demais, chorava e arrancava os cabelos por não achar uma legging para começar a academia, uma calcinha para colocar o absorvente ou uma roupa qualquer que me fizesse sentir bonita ao invés de me sentir um saco de batatas! E pagava mais caro por esse SOFRIMENTO, tendo, assim, pouquíssimas peças de roupa. Usava uma calça jeans por 5 dias seguidos — por anos —, mesmo quando ela desgastava nas coxas e rasgava minha pele no atrito . Mas ainda assim podia cobrir a nudez. 
Menos de 5 anos atrás, assim como ACONTECE para MUITAS pessoas gordas, esse "movimento" de internet não chegava até mim. Mas mesmo quando ele chegou, nada do que eu precisava ou queria era acessível. Eu conheci muitas pessoas gordas "que se amavam", que "tinham estilo" e falavam sobre moda "acessível" e "representatividade", conheci muitas lojas online, conheci feiras plus size, mas ainda não tinha acesso a nada daquilo. Ainda ficava presa em casa sem calcinha para colocar o absorvente. Eu só assistia de longe a vida "colorida" de outras gordas e pensava que o problema era o meu corpo ser tão errado. Assisti a vida "colorida" dessa blogueira, que no meio da discussão me disse que "trabalhou muito para ostentar 7 marcas e até mais se ela quiser".  
...
Não foram as marcas nacionais plus size  que mudaram minha realidade. Até HOJE, 2023, quase nenhuma loja plus size online oferece roupas para o meu tamanho e proporções, e as que oferecem têm preços MUITO acima das minhas possibilidades. Uma calça legging? 150 reais. UMA calcinha? 50 reais. Um vestido? 250 reais. Uma blusinha de tule? 90 reais. Um conjunto de moletom? 480 reais.
E a despeito da propaganda que fazem através de blogueiras, é sempre tudo feito de qualquer jeito. Mesmo pagando caro, o atendimento é sempre sem a menor dignidade e respeito. As tabelas são sempre uma mentira. A qualidade não é boa. Tantas vezes arrumei dinheiro e comprei dessas lojas online, e mesmo pagando valores absurdos, recebi peças de tamanho inadequado e me vi tentando me enfiar em roupas, chorando e suando, odiando meu corpo exatamente como era quando comprava em lojas físicas. A diferença é que agora eu fazia isso no meu quarto e não em uma cabine minúscula.
Mas o que mais me revoltou lendo a afirmação de que "a questão de roupas está quase resolvida", foi pensar em todas as pessoas gordas maiores que me procuram. Pensar na Maria, que 4 anos atrás me procurou contando que vestia 66 e não tinha NENHUMA peça de roupa. Para esconder a nudez, Maria usava um lençol em volta do corpo e não podia sair de casa nem para tomar um sol. Quando chegavam visitas para suas filhas, ela tinha que se trancar no quarto.
Ao longo dos anos ouvi relatos assim inúmeras vezes. Inclusive de pessoas contempladas pelas duas campanhas do agasalho que fiz aqui.
Foi de amargar ler essa fala, quando sofri tanto fazendo esssas campanhas. Eu perdi a saúde que me restava ano passado fazendo essa campanha, e mesmo com dinheiro na mão isso não foi suficiente para oferecer dignidade para pessoas gordas maiores. Mesmo com dinheiro na mão eu NÃO TINHA onde comprar os agasalhos, porque o mercado plus size nacional é insuficiente, anêmico e prefere fazer roupas para quem veste 42, 44 e 46 do que atender os tamanhos acima do 60. Comprar na Shein significaria esperar até um mês para as peças chegarem e ainda correr riscos de ser taxada. Além disso, a Shein não atendia as medidas de todas as pessoas inscritas na campanha.
Uma marca se comprometeu comigo a fazer os agasalhos sob medida por um preço mais acessível. Prometeu fazer quantas peças eu precisasse, sem limite de tamanho. Mas após pegarem o dinheiro, só me entregaram desdém. Foram meses de desgaste. Algumas pessoas só receberam seus agasalhos no fim do inverno. Muitas pessoas receberam trapos furados, manchados, descosturados. Roupas que desbotaram e encolheram na primeira lavagem. Roupas menores do que o corpo. Isso sem contar todos os desaforos que ouvi, do tipo: "não se reclama de PRESENTE".
No fim é isso, as poucas marcas que fazem tamanhos realmente grandes, cobram valores abusivos e nos tratam como se fosse um favor. 
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É uma questão de esforço, como a nossa querida blogueira afirmou? Quem trabalha MAIS do que ela, mas não tem acesso a metade do que ela tem, não se esforçou o suficiente? E as gordas que ficam peladas em casa e não conseguem trabalho porque "não fazem o perfil" de nenhuma empresa? Não se esforçaram o suficiente. Que fiquem peladas em silêncio! O importante é que uma dúzia de blogueiras gordas agora tem acesso a roupas, a eventos chiques, a dinheiro e ao que mais quiserem ostentar.
A meritocracia da pretensa esquerda é mais fétida do que a da direita. Pelo menos a direita não disfarça seus pensamentos. Eu tenho certeza que ela não me diria isso em público. Mas o mais PODRE nesse discurso, é que o namorado dessa blogueira é gordo MAIOR (68+), e mesmo TENDO dinheiro, ele não encontra uma cueca ou uma jaqueta de frio pra usar no inverno. Eu sei disso, porque ela mesma me contou ano passado, durante minha luta na campanha do agasalho.
O egoísmo é tamanho, que ela consegue ignorar a falta de acesso do próprio namorado. Ela tem acesso, então tudo bem! Por quem essa galera gorda da internet luta, além de si própria?
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O que mudou no mercado plus size nos últimos 20 anos? Eu era uma pessoa gorda há 20 anos atrás e sou muito mais gorda agora e posso dizer que "pouca" coisa mudou. E isso sendo bem generosa.
Hoje a Shein quebra um galho, mas nem de longe é suficiente e nem deveria ser vista como A solução. A Shein atende a MAIS corpos gordos do que o mercado plus size nacional, tem uma diversidade de peças e de estilos MUITO maior do que o oferecido por aqui, e tem preços acessíveis. Mas a Shein também não atende TODOS os corpos, não atende todas as necessidades e muito menos a todas as realidades. Além disso, a Shein tem suas problemáticas.
Na prática, a falta de acesso continua a mesma para quem é pobre, para quem não acesso a internet (especialmente pessoas gordas mais velhas e/ou não-letradas), para quem não tem cartão de crédito, para quem mora onde os Correios não entram, para quem mora em cidade pequena, para quem não é gorda padrão.
Se a comunidade gorda brasileira depende de UMA marca chinesa para se vestir, não tem nada resolvido. Especialmente quando a própria Shein tem um futuro incerto no Brasil. O que acontece se a Shein acabar ou se tornar ainda menos acessível no Brasil? Pessoas magras voltam para C&A, Riachuelo e Renner. E nós, pessoas gordas? E as pessoas gordas que nem tiveram acesso à Shein?
Enquanto não tiver lojas em qualquer esquina de qualquer cidade, atendendo TODAS as demandas e as mais diversas realidades financeiras de pessoas gordas — assim como existem lojas em qualquer esquina para atender a pluralidade de gente magra — nada estará resolvido.
Não basta "ter". Se a INFORMAÇÃO não chega para a maioria das pessoas que precisam, se a maioria das pessoas não podem pagar, então a questão do acesso não está resolvida. Não está nem mesmo "quase" resolvida.
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Mas é claro, agora a pauta de "políticas públicas" está rendendo $ mais do que a pauta de moda, já que a Shein deu espaço para que muitas gordas falem de moda, o que antes era reservado apenas para meia dúzia de blogueiras classe média e famosas. Só que mesmo sem acesso à roupas, à moda, a dinheiro ou a visibilidade, muitas pessoas gordas JÁ estão falando sobre políticas públicas há anos. Estão se esfolando e sendo silenciadas no processo, justamente pela falta de glamour do discurso... Até então.
A hora de falar sobre políticas públicas era dez anos atrás. Era quinze anos atrás. Era em todos esses anos que essa e outras blogueiras passaram falando de moda (e veja bem, de MODA, não de acesso a roupas), ganhando visibilidade e enriquecendo, enquanto tantas outras gordas morriam de fome, de frio ou por negligência médica, no anonimato.
Agora é a hora de jogar um glitter sobre as pautas de políticas públicas, ganhar views fingindo que se importa com alguém além de si mesmo e monetizar a pauta.
Esse "movimento" de internet não serve pra NADA. Nojo e cansaço é o que eu sinto dessa gente gorda elitista cujas vidas giram em torno do próprio umbigo.

Pra quem vocês dão visibilidade?

domingo, 7 de abril de 2019

o testamento do Peixe


fotógrafa: Ana Di Castro

O que será que incomoda mais nessa foto?

Gorda sorrindo? 
Gorda brilhando? 
Gorda sendo sexy? 
Gorda com vida sexual? 
Gorda com gorda? 
GORDAS! 

"É pornografia! Temos que preservar nossas crianças!" 

Em seus quartos, cubículos e banheiros eles gritam, arrancando os próprios cabelos:

Gorda e puta! Mas puta virgem, porque ninguém te quer. Vulgar, histriônica! Se você se ama, por que se corta? Se você se ama, por que precisa da aprovação dos outros? Hein? Responde, aberração! É feliz nada! Faz isso na internet para compensar o que falta na vida! Gorda doente! Doente porque eu sou doente! Infeliz porque eu sou infeliz! Se eu, que fiz bariátrica e emagreci não me aceito, até parece que ela vai se aceitar! Tudo mentira! Se aceita porque não tem coragem de mudar! Preguiçosa! Faz o que da vida?! Eu malho 5 vezes por semana para ter esse corpo! Não como pizza, não tomo refrigerante, você não vai fazer isso na minha frente não! Feminista esquerdista filha da puta! 

O Peixe me olha...

O que incomoda mais é o glitter, que depois vai parar no oceano. A consciência até pesa.

sábado, 3 de novembro de 2018

a bunda

   Muito da imagem que nós, mulheres, temos de nós mesmas, é distorcida. São tantos comentários maldosos, tantas pessoas apontando o que consideram "errado" no nosso corpo, jogando na nossa cara ideais de COMO um corpo feminino DEVE ser, que a nossa visão fica focada em detalhes irrelevantes. Nos torturamos de tal maneira, que fica muito difícil conhecermos a nós mesmas, nos vermos como REALMENTE somos. 
   Nós ficamos nesse círculo vicioso porque somos ensinadas não apenas a odiar nossos próprios corpos, mas os corpos umas das outras, seja por medo ou por desejo de SER IGUAL. Nos ensinam que somos rivais. Até irmãs, ou mãe e filha. 
   Eu cresci com uma visão distorcida de mim mesma, a ponto de não me me reconhecer no espelho, porque fui ensinada a me ver de forma negativa por pessoas igualmente inseguras. 
Minha mãe nunca poupou críticas ao meu corpo, nem quando eu era pré-adolescente, e nem agora. Não faz muito tempo que ela me disse: "você é uma gorda *estranha*. Geralmente gordas têm quadril largo, bundão, peitão. Você não tem peito nem bunda, só barriga". Por muito tempo o meu pensamento foi esse: "sou uma mulher errada, uma gorda errada!". Ela repete este comentário com frequência e naturalidade, e se gaba de ter uma bunda maior do que a minha.
   Quando elogiam minha bunda eu penso no que a minha mãe diz, é inevitável. Me sinto como se estivesse fazendo propaganda enganosa e me vejo reafirmando, automaticamente, que não é tão grande quanto parece. Que é diferente em diferentes ângulos. Que tem marcas, tanto de celulite quanto da cadeira, que tem manchas. 
   Já chega! Nós temos que assimilar o fato de que isso é normal. Ter manchas e celulite é normal. O corpo tem diferentes formas em diferentes ângulos! ISSO é normal! O que não é normal é deixar de transar por medo de alguém ver seu corpo, ou não se olhar no espelho por desprezar a si mesma. O que não é normal é deixar de ir à praia, deixar de se divertir, por medo de ser julgada por características DO CORPO HUMANO. O que não é normal é tentar forçar em si mesma ou em outra mulher a ideia de que só existe felicidade na ponta de um bisturi. 
   Não!
   COM minhas manchas e marcas, eu sou PERFEITA. E você também é!