sábado, 24 de setembro de 2022

um poema de amor


Te quero quando acordo
Te quero antes de dormir
E em todos os momentos
Entre uma coisa e outra

Te quero quando você
Se dirige a mim
Com uma paciência e cumplicidade
Similar à que o meu avô
Se dirige à minha avó
Nessa voz, assim
Sempre calma e doce
Com um riso de fundo
Como se soubesse de algo
Que eu não sei

;

Como se fosse prazeroso
E não embaraçoso
Me observar entrando nos lugares
Destrambelhada,
Derrubando tudo ao meu redor
Te quero
Vendo divertimento na minha
Graciosidade peculiar
Que tantas vezes escapa
Aos espectadores mais medíocres

Te quero quando lembro do seu olhar
De baixo pra cima
O misto de inocência e safadeza
O desejo estampado na sua cara
Sua cabeça entre os meus seios
Seus ombros no meio do meu abraço
E o seu nariz
Roçando no meu
O meu corpo roçando no seu
Sem vergonha

Te quero falando bobagem
Te quero falando o que importa
Quero seus discursos mais inteligentes
Te quero falando putaria
Te quero gemendo eu te amo

Te quero quando
Os pingos de água no seu corpo
Convidam meus lábios
Quando as gotas de suor no seu rosto
Convidam minhas mãos
Quando a sua língua vermelha
Visualmente
Atiça
Meu corpo inteiro
Te quero quando seus dedos
Convidam minha pele
Minhas cicatrizes
Te quero porque você viu arte
Nas minhas texturas

Te quero beijando meus relevos

M u i t o

L e n t a m e n t e

. . .

Te quero quando sinto um raio
Atingindo minha buceta
Molhada
Fruto da sua boca
Molhada
Comendo a minha boca
Molhada
Quero nossos corpos elétricos,
Tentando se conter
Em meio às pessoas

Te quero da esquina do
Theatro Municipal à Avenida Paulista
Do primeiro beijo, comportado, mas suficiente para deixar minhas pernas bambas
Ao beijo mais selvagem
Quase pornográfico

Te quero apalpando os meus mamilos
Com urgência
Apertando minhas dobras
Te quero me deixando a ponto de rasgar
Minhas próprias roupas
Na estação da Sé
Meu joelho subindo entre suas coxas
Na estação da Sé

Quero ser sua
Na estação da Sé

Sua vadia,
Na Sé
Sua princesa,
Na Sé.


(24 de setembro de 2019)

domingo, 3 de julho de 2022

indecência

O vestido vermelho
é alguns números menor
do que o meu tamanho
 
Me emprestaram
e eu não devolvi

Ele entra;
Nas fotos parece perfeito
Pessoalmente, não me cai tão bem...

Ele fica repuxando
Me enforca, mesmo;

Quando eu ando ele sobe
É muito apertado
Na barriga
Minhas coxas ficam perigosamente à mostra
Qualquer ventinho mostra minha bunda

Minha avó até perguntou
Cíntia,
Você está sem calcinha?

Eu fico desconfortável no vestido
Como uma pessoa que está dentro
de algo que não é seu 

Roubei o vestido, não é meu
Eu posso esticá-lo,
posso cortá-lo
E transformá-lo
Mas não seria a mesma coisa
Eu o estragaria
O desbotaria
Desalinharia suas fibras

Arriscaria perder
A essência
Escolho, então, a indecência 

Andando por aí com a bunda de fora

Dia desses, entre juras de amor,
meu bem me disse:
"O pronome possessivo
cai tão bem sobre você!
Veste como aquele seu vestido
vermelho: minha!"

"Muito sua!", respondi

Não disse mentira
É o mais próximo da verdade que se chega

Ainda assim, senti a inquietação
No meu estômago
E um nó na garganta
Me sufocando tal qual o vestido

Esse pronome
Vindo da boca dele
Entra em mim
Mas não me cai bem

Me emprestaram
Esse Homem
E dessa vez eu vou ter que devolver
O que me foi emprestado

Nem eu sou tão indecente!

Ele engatou, numa voz de sono, 
Já sumindo 
"Para de falar isso...
Nisso eu acredito que sou seu dono,
e as coisas podem ficar mais complicadas"

Reafirmei:
"Você é!"

Ele dormiu
Eu não dormi

Eu posso esticar,
Prolongar,
Posso me enganar
Para manter a ilusão;

Perderíamos a essência.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

eu te amo tanto...


Tanto,
que quando penso em você,
me escapa:
"eu te amo tanto..."
Minha voz ecoando no vazio
Eu espero que as palavras te alcancem
Eu espero que o sentimento te alcance

Eu aqui
E você
Onde?
Nem sei mais onde
Não sei por onde
Seus pés caminham 
Não sei onde te encontrar

Mesmo sem saber onde você está
Mesmo que eu nunca mais te encontre

No meio da multidão

Eu te amo tanto...

Não escolhi te amar
Eu nunca escolhi te amar!
Se eu tivesse escolha
Escolheria não te amar

Escolheria nunca ter
Olhado para você...

Te amar é como cair
Num poço sem fundo
Te amar é cair

Na solidão
De não saber mais quem eu sou...

Te amar reduziu tudo que eu era
Te amar drena toda a minha força

Quando penso em você
Eu me sinto fraca

Cabeça leve
Uma lágrima escorrendo num fio contínuo
Pernas trêmulas
Meu corpo em queda livre

Na agônia do meu amor
Penso que vou morrer
... Mas não morro

Te amar é pior do que morrer

Te amar é ser violentamente
Tirada de órbita
Te amar é ser destroçada 
Por um buraco negro
Te amar é como se perder 
No espaço sideral
Sumir sem deixar rastros
Te amar é ser esquecida...

E eu te amo tanto...

Tanto, que às vezes escapa:
"eu te amo tanto, tanto..."
Minha voz abafada 
Pelos gritos do mundo...

Eu espero que as palavras te alcancem
Eu espero que esse amor te alcance

Mas tudo se perde
Na imensidão do Universo
Na imensidão da minha mágoa
.... Eu te amo tanto....

domingo, 15 de maio de 2022

Anderson

Você morreu.
Acabou. Você acabou.
Era para eu estar feliz? Aliviada? Me sentindo vingada? Eu não estou sentindo nada de bom. O que sinto é a raiva crescendo em mim, se espalhando dentro de mim, tomando conta dos meus movimentos. Meus músculos se contraindo, meus punhos cerrando, meu coração acelerando mais e mais e mais, ... Sinto o nojo e o ódio exercendo sua força violenta na minha alma, me estraçalhando um pouco mais, me tornando menos humana. Lágrimas grossas inundam meu rosto.
Nunca pensei muito na sua morte. Você esteve perto dela algumas vezes ao longo dos anos, mas o pensamento de você morrer nunca me foi realmente reconfortante. A morte sempre pareceu tão pouco — mesmo as formas mais brutais de morte! Parecia mais justo você continuar vivo, sujo, fraco, chafurdando em decadência e dor. Vivendo um reflexo do que me fez, do que me tornou.
Eu te odeio, Andy.
Houve um tempo que eu te amei. Te amei com a pureza de uma criança, com a devoção de uma sobrinha para o seu tio preferido, mas você destruiu o amor, você me destruiu. Você profanou meu corpo, marcou minha alma, matou minhas possibilidades. Mudou o rumo da minha vida inteira. Tudo que eu tenho, tudo que eu sou, tudo que eu amo, está manchado pelo que você me fez. Tudo que eu não tenho, foi você que me roubou. Você roubou uma criança de 6 anos de ter uma vida saudável e plena. Você esvaziou minha alma de tudo que era bom e no lugar colocou apenas podridão. Você me roubou minha família, que preferiu ficar ao seu lado e acreditar que eu sou mentirosa e torpe. Você me roubou a possibilidade de construir uma nova família, longe de você, porque me deixou louca, sem nada para oferecer para uma criança, para alguém. Você, com a sua imundície, nunca está realmente longe de mim.
Nunca pensei muito sobre sua morte, mas muitas vezes pensei em te ferir. Parada e muito quieta, por anos tenho perdido meu tempo mergulhada no mesmo devaneio. Nele eu vou atrás de você com um pedaço de pau, e, aproveitando do seu estado físico lastimável, te acerto repetidamente e sem piedade, fazendo a madeira subir e descer com vigor, atingindo seu corpo, dilacerando sua pele, quebrando seus ossos enquanto te ouço implorando que eu pare e sinto o seu sangue jorrar e espirrar em mim. Mas eu ignoro suas súplicas e continuo até você apagar. A energia desse devaneio é tão forte, que quando volto a mim, sinto cansaço pelo esforço físico de te agredir.
Eu sempre pensei em tornar esse devaneio uma realidade.
Agora você me roubou até essa possibilidade.
Morrer engasgado com um pedaço de pizza é pouco. É aleatório e misericordioso. Saber da sua morte é pouco. Eu queria ter causado sua morte, eu queria ter te assistido morrer. 
Você morrer não é suficiente. Nada seria suficiente.
Hoje, como tantas vezes, eu estou chorando sozinha. As pessoas choram por você. Minha mãe chora por você, meus avós choram por você. Choram sobre o seu corpo. Ninguém chora por mim. Não tem ninguém para me abraçar e me aquecer. 
Não estou chorando por você. Estou chorando por mim. Pela Cíntia de 6 anos, sendo manipulada e violada por você. Pela Cíntia de 15 anos, sendo desacreditada por sua própria mãe após tentar se matar. Pela Cíntia de 21 anos... suja como você, entorpecida de álcool e cocaína como você. Pela Cíntia de 32 anos, que te odeia, que tem te odiado uma vida inteira, mas sente esse vínculo eterno com você.
Eu te odeio. Te odeio, mas meu ódio vai te manter vivo. Quem te ama vai morrer. As pessoas vão te esquecer. Essa é a verdadeira morte, ser enterrado e esquecido! Exceto que eu não vou te esquecer. Você vai permanecer em mim da forma mais vil. Nos meus pesadelos, nos meus pensamentos, nas lembranças que me tomam de súbito e corrompem meus melhores momentos... na minha auto-destruição, no meu fracasso!
Você não vai morrer de fato, até que eu morra e seja esquecida por todos. Porque você roubou minha vida, e mesmo quando eu morrer, você vai continuar vivo na minha história. Quando pensarem em mim, sua existência vai estar atada à minha.
Não existe justiça possível.
Você não morreu.
Você não acabou. Você acabou comigo antes mesmo de eu começar.





quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

ninho

Depois do riso
Do afeto
E do gozo
Eu pensei que sua partida
Me deixaria triste

Pensei que meu coração pesaria,
Como em todas as nossas despedidas,
Sufocado pela saudade instantânea
Pensei que as lágrimas rolariam
Pela distância crescendo
Entre nossos corpos

Com surpresa,
Quando você partiu
— Um piscar de olho
E um te amo suspenso no ar —
Eu não senti vazio
Eu não senti tristeza
Eu não chorei

Meu bem, não disfarço
Eu queria que você ficasse mais
Queria que ficasse para sempre
Aninhado no espaço entre os meus braços

Mas dessa vez
Enquanto você caminhava
Se afastando lentamente
Eu soube que você não iria longe
Nunca mais você vai estar longe
Porque você está dentro
Você está aqui para ficar

De repente a tempestade 
No meu coração deu trégua
Um arco-íris surgiu no meu horizonte
A gritaria na minha mente foi silenciada
Cantaram os pássaros

A paz reinou
Dentro de mim

Te observando trilhar o seu caminho,
Eu soube que aquilo não era um adeus,
Era um volto logo.
Não era um se cuida,
Era um te cuido
De onde eu estiver