domingo, 11 de agosto de 2019

daddy issues

Vou confessar que morro de inveja de quem tem pai e mãe para comemorar dia dos pais e dia das mães (nem que seja apenas um dos dois). Não especificamente pai e mãe de sangue ou pai e mãe perante a lei, mas qualquer figura que tenha desempenhado esse papel, que tenha cuidado delas. Pessoas com quem elas podem contar.
Eu me sinto ingrata às vezes — me fazem sentir ingrata:  assim como tantos, o pai de dois dos meus irmãos mais novos os abandonou quando eles eram bebês. Um deles chegou aos 16 anos sem sequer lembrar do rosto do próprio pai. Nunca tiveram amparo financeiro, que o dirá emocional, e isso reflete na vida deles de forma palpável.
O meu pai, por outro lado, não me abandonou no sentido de sumir no mundo. Ele me deu um teto, me deu comida, me deu acesso à escola, à internet, me deu várias coisas ao longo dos anos, mas não me deu gestos de carinho, palavras de apoio, afagos. Eu lembro muito bem como é o rosto dele, especialmente porque parece muito com o meu. Ele sempre me olhou de cima, com dureza, e às vezes, quando me olho no espelho, eu vejo esse mesmo olhar frio me encarando. O meu pai não me abandonou, mas também não esteve presente: "meu nome é trabalho", ele costuma dizer, e continua, "o negócio é ganhar dinheiro, não tenho tempo para esses sentimentalismos baratos".
"Poderia ser pior", então eu não posso reclamar. É o que dizem.
Quando eu tentei suicídio pela última vez, eu desmaiei e fiquei assim por mais de 24 horas. Acordei fisicamente destruída. Não conseguia focar minha visão, não conseguia sustentar meu corpo de pé, meu coração parecia que iria explodir dentro do meu peito, e minha pele queimava. Eu pedi ajuda, e a primeira coisa que ouvi foi um "não acredito que vou ter que passar por isso de novo". Fui enfiada dentro de um carro, e da minha casa até o hospital ouvi palavras difíceis de digerir, sobre como eu o estava atrapalhando. Fui deixada no hospital como uma "coisa". Ali fiquei, dopada e sozinha, cambaleando na cadeira, e quando o hospital me mandou embora, eu não tinha como voltar para casa, pois não conseguia andar sem me desequilibrar. Até o momento, essa é a lembrança mais marcante que eu tenho do meu pai.
Poderia ser pior.
Nem sempre foi assim, eu tenho que admitir. Teve um período da minha vida em que ele não dizia APENAS coisas duras. Quando eu era criança e ele ainda podia me controlar, ditar quando eu podia falar ou não, e o que eu podia falar ou não, havia uma mescla de momentos de tempestade e momentos de calmaria. Tenho algumas boas lembranças; elas só não são o suficiente para eu me sentir "filha" de alguém. Não são fortes o bastante para apagar a minha dor, ou ao menos amenizá-la.
Ano passado o meu pai me chamou de puta. 
Ano passado o meu pai me deu um surra. Socou minha cara e o meu estômago, e embora eu tenha, por instinto, revidado os socos, hoje, toda vez que eu ouço os passos dele se aproximando, eu sinto medo. Sinto a adrenalina crescendo dentro de mim, um desespero se espalhando pelas minhas células. Involuntariamente prendo minha respiração e cerro os punhos, esperando  pelo pior. E quando ele passa sem falar comigo, sem notar minha existência, eu respiro aliviada, mas começo a tremer de corpo e alma. Nesses momentos eu sinto como se eu fosse desmoronar. Demora algum tempo até o meu coração voltar ao seu estado normal.
Mas poderia ser pior, e assim sendo, eu sou uma ingrata.


Feliz dia dos pais.