quinta-feira, 12 de outubro de 2017

esmurrando portas


   O que mais eu posso escrever, que já não tenha escrito das mais variadas formas, utilizando os mais variados sinônimos e adjetivos, e até dispondo de palavras inventadas, nos últimos 21 anos?
   Tudo o que eu fiz na vida foi escrever. Escrever, escrever, sentir e escrever, escrever e sentir, mesmo quando o que eu estava escrevendo e sentindo era ridículo, maçante ou simplesmente indigno de ser trazido ao mundo, que dirá lido...
   Chega um momento que a mente pede arrego. O corpo segue o embalo. O meu está como não ficava há muito tempo, a ponto de se curvar sobre si mesmo, a ponto de quebrar como se fosse um objeto de gesso que derrubam no chão.
   Estava chorando de novo. Eu queria socar a parede, quebrar coisas, me quebrar, levantar da posição fetal em que me mantinha, e pegar minhas lâminas. Cortar minha barriga até que as tripas saíssem para fora, até que a mágoa se extinguisse. Pensei em pular da janela do meu quarto, mas é só um andar. Talvez eu quebrasse o pescoço ou rachasse meu crânio. O mais provável é que eu quebrasse os meus dentes. Os da frente.
   Pensei, também, em pular na frente de um trem. Com a minha sorte, acabaria com as duas pernas amputadas, porém viva, e uma multidão secretamente sedenta por sangue me xingaria por lhes causar tamanho inconveniente (mas bem que eles filmariam tudo e se sentiriam importantes quando recebessem alguns likes).
   Eu penso repetidamente em pegar uma faca, a de cabo cor de laranja que a minha vó vive escondendo, a única de ponta afiada, e enfiar no meu coração, dar uma torcida, ou me apunhalar quantas vezes tivesse forças para fazê-lo, sentindo o sangue jorrar para todos os lados, atingindo minha própria cara. Talvez um dia, quando eu estiver desesperada o suficiente...
   Hoje eu não estou desesperada, eu estou triste. Meu corpo está leve, mole como macarrão cozido. As palavras que eu ouço são sempre as mesmas desculpas esfarrapadas, e os atos são sempre os mesmos, contraditórios, e as pessoas são sempre iguais, covardes, e nada disso me traz acalento. E eu? Quem sou eu para essas pessoas? No fim, eu sou a louca que cruzou seus caminhos, e que um dia, um dia bem próximo, eles vão ignorar porque é mais fácil assim.
   Eu permaneci na minha cama, as lágrimas grossas não paravam de rolar, e fiquei assim, chorando abraçada a um travesseiro, tentando fingir que tinha um ser humano entre os meus braços. Tentando simular calor humano.
   Amanhã eu vou ao cemitério, é lá o meu porto seguro, não nos braços do fantasma sem rosto que eu imagino todas as noites. O bom filho à casa torna, é o que dizem.
   Eu vou sentar em um dos bancos, porque acho desrespeitoso deitar sobre túmulos, e vou beber minhas cervejas quentes e tomar meus 20 comprimidos de diazepam. Vou apagar, capotar no chão e acordar quando começar a chover na minha cara ou quando alguém começar a respirar sofregamente sobre mim. Mas tudo bem, eu gosto da chuva. E estou acostumada ao resto.
   Eu estava a caminho do psiquiatra quando vi uma velha falando sozinha na rua. Falava e gesticulava consigo mesma. Era uma sem-teto. Eu pensei, temerosa: "essa serei eu daqui uns anos", mas ao analisá-la melhor, prossegui com o pensamento: "exceto que eu não seria tão elegante". Uma mendiga elegante! Esse é o tipo de coisa que vemos em São Paulo. Ela estava com os cabelos desgrenhados, a pele suja e não tinha dentes, mas trajava um sobretudo sobre o seu corpo curvilíneo, o que lhe garantia elegância suficiente.
   Eu não estou criando arte aqui. Eu estou escrevendo porque preciso escrever. Me entenda, eu preciso escrever! 
   Eu estou cansada de esmurrar portas de aço com dobradiças soldadas.