quinta-feira, 28 de setembro de 2017

frágil

   Tem um nó na minha garganta. O Google me diz que é câncer. Sim, é um câncer. A confiança é um câncer, que se espalha lentamente e eventualmente nos mata.
   Eu pego um livro na estante, leio a primeira página e não sinto nada. Folheio ferozmente. Pego outro, e outro, vou pegando, e não os devolvo aos seus lugares. Não acho a resposta em nenhum deles.
  Sento no chão que ainda não limpei, cercada por palavras que não me provocam reações. Curvo-me sobre o meu estômago cheio de escorpiões famintos, tento aquietá-los. Eles já comeram as borboletas, agora só lhes resta minhas vísceras. O Google não sabe o que aconselhar.
   Ouço a sua voz, hora doce, hora comandante, mas sempre me querendo de joelhos, abaixo de você.
   Me ensinaram que o amor é uma arma de manipulação e a que dor é um ato de entrega. Ser amado é ter poder sobre alguém, e amar é submissão, fé cega, comer migalhas e se contentar com elas. Eu tento escapar do padrão, mas aceito o que você me oferece. Primeiro você é gentil e eu como na palma da sua mão, mas com o passar do tempo as migalhas são atiradas ao chão de qualquer jeito.
   Escondo a cabeça entre as mãos trêmulas de revolta, fugindo do seu olhar que não expressa empatia, e grito internamente. Minha alma fica rouca. Talvez os meus gritos ecoem no espaço ou no fundo do oceano, mas aqui eles são inaudíveis para todos os corações...
   Lembra quando eu te disse que queria que o desejo fosse uma coisa linear? Você me respondeu que as coisas não são assim, as pessoas têm seus momentos, seus altos e baixos. Do seu jeito, você me disse que o desejo é uma montanha-russa. Eu nunca gostei de fortes emoções.
   Essas coisas não duram, o demônio na minha cabeça diz. A empolgação é algo que se esgota rápido, ele me lembra. E a confiança é um câncer. Nos deixa frágeis como uma dessas figuras de porcelana que sempre me dão no natal ou no meu aniversário — elas estão sempre caindo. Bate um vento e pronto, perecem, espatifadas no chão. Eu tento colar, guardo as partes quebradas, afinal, foram presentes, mas já não servem de nada.
   Deito em posição fetal; tufos de cabelo nas mãos de punhos cerrados, a cara arranhada e o espírito cansado após mais uma onda de choro convulso. Eu não posso voltar para o útero da minha mãe. Esse laço também já foi rompido há muito tempo.
   Fecho os olhos. Respiro. Talvez eu deva tentar quimioterapia.