sábado, 23 de setembro de 2017

o livro

   Sabe aquele livro que você me recomendou? Eu o comprei. Não foi barato, não. E tem a crise. Mas comprei, e comecei a ler assim que chegou...  até os Correios colaborou, chegou em 2 dias! 
   Eu sei que você já sabe disso, mas não consegui pensar em melhor forma de começar a escrever isso aqui (vamos fingir que você não sabia).
  Alguns diriam que só comprei para te impressionar, mas a verdade é que o seu intelecto (ou curiosidade ou esforço ou como você queira chamar) me instiga. Eu ainda vou lamber o seu cérebro. ...
   Você fala algumas coisas extraordinárias e referencia clássicos que não li (por preguiça ideológica) e filósofos que não conheço (estava ocupada durante as aulas, escrevendo poesia ruim) — mas até que te acompanho bem, não acha? Talvez um dia eu chegue lá.
   O livro me incomoda em alguns pontos, você já sabe. Mas notei que às vezes o que me incomoda é justamente o que tenho em comum com o autor. Quando eu o odeio, estou odiando meu próprio comportamento. Você estava certo quando disse que esse livro tem a ver com aquela crônica sobre minhas "aventuras amorosas". Por outro lado, devo admitir que apesar das torcidas de nariz ocasionais diante das muitas colocações altamente machistas, que eu concordei em contextualizar, me pego rindo de verdade em algumas partes, e sentindo um nó no estômago em outras. Ele sabia dar umas porretadas bem dadas. O filho da puta era bom no que fazia.
   Fiz orelhas bem pequenininhas — tenho essa mania — nas beiradas dos meus poemas preferidos, para comentar com você depois, um dia, de preferência pessoalmente. Te imagino sentado, analisando as páginas marcadas, e eu espiando sobre o seu ombro, para ver em qual página você está. Você os leria, por indulgência, e poderíamos comentar algo sobre esse e aquele poema. Você poderia me perguntar por quê gostei desse e não daquele. Poderia me mostrar os seus preferidos.
   Sei que se eu for ali na nossa janelinha, que por sinal acabou de apitar, e te disser o nome dos meus preferidos, você não lembrará deles, não de cor, e poderá até procurar no google, como numa missão de reconhecimento, mas não seria a mesma coisa. Deve ser essa minha fase, em que o virtual anda alterando o sabor (ou a cor?) das coisas.
   Esse livro tem tanto do que nós já conversamos, e algumas coisas que não conversamos ainda, mas que soa como coisas que diríamos — diremos. Esse tipo de sincronicidade me atordoa!
   Por que começamos a falar desse velho safado, mesmo?... Seja pelo que for, agora eu fico aqui lendo e te vendo, também, em muitos dos poemas. Os que têm mais humor do que safadeza. Tiago, sinto te informar, mas eu acho que ele não gostaria de você. Você ouve Bob Dylan alto.
   Eu sempre fui mais Baez do que Dylan, para ser sincera. Afora o machismo (você deve estar cansado das minhas acusações de machismo nas artes, mas podemos concordar com a inevitabilidade de tal hábito?), uma vez meu avô, que tem uma coleção extensa de VINIS, me prometeu a discografia do Dylan, o que me empolgou muito. Me imaginei com vários discos de vinil, e estava pronta para comprar um toca disco. E no fim, o que recebi? Não, ele não me deu discos de vinil, e sim um CD pirata com músicas do Dylan! Que afronta! Que broxante! Desde então eu não quis mais ouvir Bob fucking Dylan. Isso faz uns 4 anos.
   E agora estou aqui, com o livro que você recomendou na minha frente, escrevendo para você, e ouvindo Bob Dylan. One More Cup of Coffee. Eu não tomo café. Você não toma cerveja. Eu acho que quando nos encontrarmos, teremos que nos contentar com chá. Você gosta de chá, Tiago?
  ... Você fica me perguntando se gostei ou não do livro, como quem teme ter feito uma recomendação que não agradou. E eu digo que quero terminar de ler antes de opinar.
   É que hoje em dia eu leio mais devagar. O tempo é curto, e além de ler, eu tenho que dividi-lo entre ouvir as mesmas músicas repetidamente, reassistir seriados velhos que ainda me causam sensações oportunas, e lavar meus cabelos.
   Aliás, eu também deveria usar um pouco do meu tempo para ir ao mercado e riscar os itens da minha lista de compras. Só que a lista está me servindo de marca-página sempre que eu sou forçada a deixar o livro de lado.
   E talvez esse tipo de livro seja melhor apreciado em pequenas doses, de qualquer forma.
   Se você quer tanto saber: sim, eu gostei do livro! Gostei, porque às vezes não gostei. Gostei porque às vezes ele foi completamente indigesto e grotesco. Gostei porque ele socou minha cara e espremeu meu coração entre suas pequenas páginas. Essas reações adversas são a prova de que algo presta. Por alguns momentos a indignação e repulsa nos balançam e nutrem dentro de nós essa coisinha chamada vida.
   

   Eu sempre tenho perguntas para te fazer, então aqui vai mais uma, para encerrar: você acha que eu me excedo no uso dos travessões?