domingo, 17 de setembro de 2017

eu quero te beijar debaixo de uma árvore

   Difícil, né?
   Ler as pessoas. Saber o que elas estão pensando — ou, antes, sentindo. Especialmente na impossibilidade de demorar o olhar nelas, analisando detalhadamente o que o corpo geralmente fala e passa batido: os olhos, que quase sempre gritam; uma leve curvatura do canto da boca, formando um meio sorriso (ou um esboço de escárnio?); sobrancelhas erguidas repentinamente diante de alguma frase especialmente brilhante ou dolorosamente estúpida; uma língua lambendo, ligeiramente, lábios que preferem calar; uma respiração mais demorada, ou retida de forma tão brusca, que parece que o oxigênio da Terra foi temporariamente suspenso. Dedos sendo levados à testa ou à orelha, esfregando-as para esconder o embaraço. Pernas que não aquietam.
   Eu me jogo em incertezas e sonho acordada por horas a fio, derretendo sob o telhado de barro do meu quarto, onde o sol bate incessantemente. Concluo: te beijar não seria terrível.
  E se eu te encurralasse, pressionando seu corpo contra uma árvore, meus lábios vermelhos, com bochechas rosadas para combinar? 
   É claro que eu teria vergonha. Mas decidi, agora que já tenho 27 anos, que chegou a hora de ser atrevida-vida-vida-vida.
   E repentinamente lembro de um beijo; um beijo roubado, um beijo amargo — tinha gosto de angústia. 
   Decido: não quero te roubar um beijo, quero ofertá-lo. Fica a seu critério.
  Então, diante da árvore, eu não te encurralo. Te ofereço lábios entreabertos, gloss com glitter, sabor menta. 
   (Você não entende a oferta e eu quebro o momento. Tudo em nome do livre-arbítrio!) Tá vendo essa boca aqui? Ela foi feita para beijar. Eu acho que a sua também foi
   Que graça teria?, alguns perguntariam. Onde fica o elemento surpresa?
   O elemento surpresa, meus caros, não está na resposta de se ele aceitaria meu beijo ou não. Isso é pura agonia. A verdadeira surpresa está em qual seria o gosto desse beijo. Em qual seria a textura dessa língua se enfiando na minha boca. Em quanto tempo duraria a troca de saliva, e que tipo de sensações transcorreriam por nossos corpos. Onde nossas mãos pousariam? Está em quantas vezes repetiríamos essa dança, e se, ao fim, ficaríamos querendo mais.
   Mas é difícil ler as pessoas. Livros são mais fáceis.