segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Danillo, eu não odeio tudo!

   Estava andando de ônibus hoje, sentada à janela, quando passou ao meu lado um fusca lindo, conservadíssimo, vermelho. Com o coração cheio de amor, pensei: "eu gosto tanto de fuscas!".
   E lembrei do Danillo, que vive zombando do meu ódio por todas as coisas. Ah, é mais fácil dizer o que você não odeia! Ah, novidade você odiar alguma coisa! 
   Comecei a pensar nas coisas que eu gosto. Às vezes até eu me convenço que odeio tudo e todos, e de repente, vem o fusca.
 Eu gosto de fuscas. Gosto de fuscas vermelhos. Batom vermelho, roupa vermelha, esmalte vermelho, gosto de sangue. Gosto de mãos, gosto de veias, gosto de quando não faz nem frio e nem calor. Gosto do cheiro de dama-da-noite trazido por uma brisa suave quando eu estou deitada sob a minha janela. Eu gosto de deitar sob a minha janela. Gosto de ver o céu, mesmo quando faz sol. Mas gosto ainda mais do céu estrelado. Gosto muito da Lua. Gosto de dormir à tarde, gosto do canto dos pássaros à tarde, do som de crianças brincando, ao longe, à tarde. Gosto do pôr-do-sol. Nunca vi o pôr-do-sol do alto de uma montanha, mas sei que gosto de ver o pôr-do-sol do alto de uma montanha. Gosto de ver o pôr-do-sol acompanhada. Gosto da ideia de que agora mesmo, em outro ponto da linha do tempo, eu estou vendo o pôr-do-sol no alto de uma montanha, acompanhada. Gosto do silêncio da madrugada. Gosto de ficar em silêncio. Gosto de ficar em silêncio acompanhada, nesses momentos em que um invade o pensamento do outro. Gosto de beijo na testa, beijo nos olhos, beijo no rosto. Gosto de lamber dedos. Gosto de selinho. Gosto de beijo lento e de beijo apaixonado, desde que eu goste de quem está com a boca na minha. Gosto de deixar marca de batom. Gosto de pintas e cicatrizes. Gosto de marcas de nascença. Gosto que me leiam em braile. Gosto que me entendam profundamente, ou se esforcem muito para entender. Gosto daquele primeiro momento da paixão, em que tudo o que a pessoa faz é incrível, mesmo o que normalmente eu odiaria. Gosto que respondam minhas mensagens de prontidão, não por obrigação, mas porque estavam pensando em mim. Gosto de mensagens longas, mesmo que o assunto seja bobo. Gosto de conversar sobre coisas complexas que não fazem sentido nenhum. Gosto de gente que me faz rir até perder o fôlego, e que me deixa sorrindo tanto que a minha mandíbula começa a doer. Gosto quando riem até perder o fôlego comigo. Gosto quando a pessoa saca que eu tenho mais de um tipo de risada, e o que cada uma delas significa. Gosto de ser chamada de princesa. Gosto quando escrevem o meu nome com o seu devido acento. Gosto de gostar de uma pessoa a ponto de chamá-la de "meu bem". Gosto de conversar com plantas. Gosto de gente inteligente que não acredita que é inteligente (de verdade). Gosto de ouvir pessoas inteligentes falando sobre coisas inteligentes, mas sem pretensão alguma, só por uma necessidade genuína de compartilhar informações. Gosto dos mais variados tipos de inteligência. Gosto de quem escreve certinho, mas gosto de quem respeita quem não consegue escrever certinho. Gosto quando eu estou falando com alguém e a pessoa me olha como se eu fosse o centro de seu universo, mesmo achando isso intimidador. Gosto quando eu dou uma recomendação de algo que gosto e a pessoa aceita a recomendação. Gosto de cheiro de terra molhada, gosto de tomar banho de chuva, gosto de sentir grama molhada sob os meus pés. Gosto de gota de orvalho. Gosto de estátuas. Gosto de ir ao museu sozinha, em dias menos movimentados. Gosto de colecionar panfletos de exposições. Gosto de colar pôsteres e cartazes nas minhas paredes. Gosto de ouvir a voz de algumas pessoas assim que elas acordam. Gosto de ouvir a voz de algumas pessoas assim que eu acordo. Gosto quando as pessoas se deixam ficar vulneráveis comigo. Gosto de quando conseguem quebrar minhas barreiras. Gosto de cheiro de tinta, de cheiro de leite quente e do cheiro do vapor que sobe do ferro de passar roupa. Gosto de cheiro de roupa nova e tênis novo, e de pessoas que acabaram de chegar. Gosto do conforto de roupas velhas e tênis velhos e pessoas que estão há muito tempo. Gosto de ter uma caneta na bolsa para não ter que sair correndo, esbaforida, antes que a ideia desapareça completamente. Gosto de correr esbaforida, com a cabeça cheia de ideias. Gosto de não ter papel na bolsa, e escrever minhas ideias nos meus braços ou atrás de cupons fiscais. Gosto de flores e de galhos que caíram sozinhos. Gosto de frutos tirados do pé. Gosto que me deem plantas vivas. Gosto de chokito. Gosto de chocolate branco com cookies. Gosto de bis. Gosto de pizza, não importa o sabor e nem o dia da semana. Gosto de comida amanhecida. Gosto de sorvete com sucrilhos e bolacha wafer. Gosto de batata! Gosto de gente sem requinte e sem frescura. Gosto de cerveja estupidamente gelada num dia de muito calor.  Gosto de beber cerveja acompanhada. Gosto de gente que faz o que quer. Gosto de quem não se intromete no que faz o outro feliz, especialmente quando isso não lhes afeta em nada. Gosto de drogas: diazepam, amor. Gosto de quando o whisky deixa o meu nariz dormente. Gosto do barulhinho da máquina de tatuagem, e de sua vibração, especialmente no peito, pescoço e garganta. Gosto das bolinhas de sol que passam pelos buraquinhos do meu telhado de barro e se instalam na minha parede. Gosto de pintar as unhas de preto. Gosto de chupar gelo. Gosto de água. Gosto das minhas pernas e das minhas coxas, e gosto quando quem eu gosto gosta das minhas pernas e das minhas coxas. Gosto da maciez das minhas pernas quando eu as depilo. E gosto de puxar os pelos das pernas dos outros. Gosto da cor dos meus olhos. Gosto dos meus cabelos. Gosto quando memorizam as minhas pintas. Gosto de olhos pretos e olhos castanhos, de olhos de crianças, de olheiras. Gosto de bebês. Do cheiro de bebês, da inocência de bebês, da bagunça de bebês. Gosto de pés de bebês. Gosto do ato da amamentação. Gosto de entrar num sebo ou livraria sem hora de sair, e ficar passeando com meus dedos pelos livros das prateleiras, lendo os títulos, um a um, e de retirar esse ou aquele para ler a sinope. Gosto do susto de encontrar algum autor que gosto muito no meio das prateleiras, e da satisfação de ver que o preço do exemplar cabe no meu bolso. Gosto de cheiro de livros, novos ou usados. Gosto de sentir a textura dos livros. Gosto de livros com dedicatória de décadas atrás, e de imaginar como era a vida daquelas pessoas e como elas puderam se desfazer de um livro que ganharam. Gosto de não dar nada por um livro, e acabar arrebatada por ele. Gosto de ler os meus livros preferidos de tempos em tempos e ver como eu mudei. Ou que eu continuo a mesma. Gosto de ir a cemitérios. Gosto de ir a enterro de estranhos e analisar a reação das pessoas. Gosto de pessoas que dizem exatamente o que pensam. Gosto de pessoas que agem de acordo com o que dizem. Gosto de pessoas que chegam na hora. Gosto mais ainda das que chegam adiantadas, porque eu quase sempre chego também. Gosto de pessoas que se preocupam com os sentimentos dos outros. Gosto de all star. Gosto de conhecer novas músicas que vão direto para a alma. Gosto de recomendar músicas e que elas acabem dentro da alma das pessoas também. Gosto de ouvir música bem alto, e cantar bem alto. Gosto de Caravaggio. Gosto de lavar os cabelos. Gosto de lepidópteros. Gosto de quando borboletas pousam em mim. Gosto de estudar o que eu gosto. Gosto da empolgação que me domina quando eu crio um interesse novo. Gosto de judeus. Gosto de inglês. Gosto de português. Gosto de palavras. Gosto quando alguém me mostra algo que escreveu e o texto é bom. Gosto quando leem as coisas que eu escrevo e comentam algo além de "muito bom". Gosto de acordar tarde. Gosto de Liga da Justiça, Tarzan e X-Men. Gosto de assistir filmes que explodam minha cabeça. E de filmes ruins. Gosto de séries antigas, e algumas novas. Gosto de lápis de cor faber-castell. Gosto quando me desenham. Gosto de quando quem eu gosto diz que eu sou linda. Gosto de quando quem eu gosto me chama de gostosa. Gosto de relembrar meus dias de glória na escola Benedito Calixto. Gosto quando a coca-cola rasga a minha garganta. Gosto de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e Florbela Espanca. Gosto de poetas que ainda não foram publicados. Gosto de fazer bolinhas de sabão. Gosto de glitter. Gosto de algodão doce. Gosto de ver coisas nas nuvens e nos azulejos. Gosto de homem com barba por fazer. Gosto de homem com camiseta regata. Gosto do som de mulher gozando. Gosto de montar árvore de natal. Gosto de suco de cenoura, laranja e gengibre. Gosto das crianças que são subestimadas pelos pais, professores ou sociedade. Gosto de abraços demorados e apertados, de sentir o corpo das pessoas contra o meu. Gosto de ficar só de camiseta e calcinha. Gosto de andar descalça. Gosto de sair na rua de pantufa. Gosto do Batman. Do David Bowie, do Albinoni e do Eminem. Gosto de demonstrações públicas de afeto. Gosto quando as pessoas mudam para melhor. Gosto de festas juninas. Gosto de animais livres e selvagens. Gosto de buracos negros. Gosto do Gary Oldman, do Adrien Brody e do Christian Bale. Gosto de Buffy e Angel. Gosto de pessoas que não usam perfume. Gosto de armações de óculos diferentes. Gosto de árvores. Gosto de abraçar árvores, embora só o faça quando não tem ninguém olhando. Gosto de elogios sinceros. Gosto de pessoas verdadeiras. Gosto de morder quem eu gosto. Gosto de ler prontuários médicos. Gosto de ver a bondade em suas formas mais puras, porque ela aparece de forma tão rara... Gosto de paredes pichadas com frases contestadoras. Gosto de quem questiona tudo. Gosto de trilha sonora. Gosto de fotografias antigas. E post-mortem. Gosto de guardar coisas na minha lata de lembranças. Gosto do meio do mato. Gosto de ventania. Gosto de pessoas bizarras. Às vezes, eu gosto de mim. Gosto de uma série de coisas que ainda nem sei... 
   Ah, e eu gosto de você, Danillo! Seu malk chato!