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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

fumaça

   As coisas invariavelmente começam como se nada estivesse acontecendo. É simples assim. Você não é ninguém pra mim, e eu não sou ninguém para você. Bate até um desconforto, de tanta mensagem chegando, e do impulso de respondê-las. Te vejo como um todo — um amontoado de características. Um homem como qualquer outro. 
    Mas aos poucos... O papo passa do morno para o muito quente — a sensação é, ao mesmo tempo, sufocante e deliciosa, como são as melhores coisas. Palavras bem aplicadas, surge a identificação. Você entra na minha cabeça. Forjamos a conexão... 
   ... Talvez seja por hábito, que nós fazemos essas coisas. Continuamos, porque a opção é o vazio. O nada perde espaço, se torna alguma coisa... Dez minutos já não são o suficiente. Eu quero mais, quero todos os seus minutos e todos os seus pensamentos. 
   Vou isolando suas características, passa a me agradar o que sinto e o que vejo. Pintas, olhos, dedos. Desejo. O jeito que os seus lábios soltam a fumaça... 
   Sozinha na minha cama, fantasio, ao som de Portishead, sobre o seu cheiro. Sobre sua voz, a textura da sua pele... a temperatura do seu abraço. Fico imaginando o tom do seu gemido. Tudo em você é meio encenado...
   Quando noto, você está sob a minha pele. Meu ser anseia por você. A mais inocente lembrança da sua existência eriça todos os meus pelos. O meu coração descompassa, o meu cérebro fica dormente. O seu nome encharca a minha calcinha...
   É tudo muito breve, as coisas são intensas. Mas eu descobri, ao longo da vida, que intensidade é algo que não dura...
    É brutal, a porrada que atinge o meu estômago. O sentimento é um raio atravessando o meu corpo repetidamente. Meu coração ganha mais um remendo. O buraco no qual venho caindo fica mais profundo.
   E de repente, são cinco horas da manhã. Eu fumo meu primeiro cigarro em muitos meses, para me sentir mais perto de você. Olho suas fotos, revivendo as palavras, e penso no absurdo das coisas. Há pouco tempo você nem existia. 
   O fluido transparente escorre pelas minhas coxas, enquanto você dorme com ela.
   Solto a fumaça.



   

domingo, 29 de abril de 2018

o peixe

   Hoje somos eu e esse Peixe, que dança desajeitadamente em seu aquário, cortando a água com sua calda preta e majestosa feito a seda mais cara desse mundo. Ele tem olhos maiores do que os dos peixes de outras espécies, e parece estar sempre nos olhando bem no fundo da alma, mas na verdade é quase cego. 
   Eu e esse Peixe — em ambiente propício poderíamos ser grandes, mas aqui teremos sorte se não sufocarmos com a toxicidade da nossa própria merda.
   Nunca pensei em ter um peixe. Não por não gostar dos mesmos, mas por ter por eles, ao contrário, uma estima acima da média. O suficiente para não querer fazê-los refém. Todos se preocupam com cães e gatos, e todos conseguem se indignar com o destino dos pássaros domesticados... Mas quem entende os peixes? Quem assimila que, assim como qualquer bicho, eles são capazes de sentir dor, amor, gratidão, solidão...? Até alguns "vegetarianos" desconsideram-nos enquanto seres vivos e os comem. Peixes ornamentais! O ultraje! Humanos, como sempre, rebaixando seres a coisas!
    Eu não queria. Não pensava. Mas esse Peixe, ele veio pra mim. Compartilhamos todas as características mais básicas do ser.
   Ele é uma coisinha comilona, comprado como brinquedo para uma criança que logo enjoou do presente, e passava, então, todo seu tempo sozinho, nadando a esmo em sua pequena prisão.
    Acho que sequestrei o Peixe, e não planejo devolvê-lo ou pedir resgate. Agora ficamos nós dois e a borboleta de plástico presa na parede, iluminados por luzes coloridas de LED, ao som de música ultrapassada. Assim vamos tapando os buracos da nossa solidão.
   Às vezes ele fica parado por tempo demais, e num sobressalto eu bato com meu dedo indicador em sua parede de vidro, até que ele recomeça seu nado, olhando, olhando, sem ver nada.
   Esse Peixe sou eu e eu sou esse Peixe, porque também sei o que é ser adquirida como brinquedo e descartada quando o encanto passa. Eu também sei o que é viver em uma prisão de luxo; ser incapaz de fugir, porque a domesticação é mais forte do que a vontade de viver.
   Será que ele sabe que eu o estou usando mais do que o ajudando?
   Algo me diz que os seres vivos sempre sabem. Até os peixes.



quarta-feira, 18 de outubro de 2017

ciclo

   Even though you've got a million best friends 
I don't want the label I just want your presence
I see you as a brother just as much as a best friend 
So I will fight the deeper urge to say "come home" 
'Cause I know you have to go, I know you have to go ♫

   Um ano atrás eu fui lá, montagem fofinha com nossas fotos e as coisas que gostamos, textão professando meu amor por você — e você, em contrapartida, me dizendo que estava chorando com a mensagem, que, veja bem, era sincera.
   Eu lembro da primeira vez que te vi. Eu imediatamente notei que a sua aura é azul. Suas mãos eram como sempre foram: mãos de artista. Seu jeans era apertado e tinha uma mancha de tinta. Você conversava com os seus amigos, um pouco acelerado, toda uma expressão corporal, e eu o observei e pensei que um cara como você nunca iria notar uma pessoa como eu.
   E com surpresa recebi a sua solicitação de amizade. Você diz que desde a primeira vez que me viu quis ser meu amigo. Me enfiei no seu grupo só para tê-lo por perto, mas você, relapso, mal ficava entre eles, sempre atrasado, sempre correndo. 
   Mas às vezes você ia fumar e me chamava para ir com você, e mesmo asmática eu ia, porque gostava de te ver fumando e falando suavemente naqueles momentos, com tanta classe. Como um personagem de filme dos anos 50; com trejeitos felinos.
neverland 42
   E no ano passado nós rimos, nos lembrando daquela vez que marcamos de nos encontrar na sua casa, logo no início de tudo, e eu, na pressa de te ver, sempre ansiosa e deslumbrada, cheguei uma hora antes, dando de cara com a porta, pois você não estava em casa ainda. Eu tenho uma foto da porta fechada, o número 42 pendurado. Tirei enquanto estava sentada nos degraus, onde fiquei te esperando, lendo um livro, nem lembro qual. 
   Nós mal nos conhecíamos naquela época. Quando você chegou compartilhamos um abraço breve e frouxo. Mas você esteve lá de forma constante e firme. Por um tempo. Como naquela vez, entre as muitas em que eu bebi muito e vomitei sobre mim mesma; mas naquela vez eu não me limitei a beber e vomitar e capotar, acordando duas horas depois enjoada. Naquela noite eu entrei em um quarto, tranquei a porta e tentei me jogar da janela do seu apartamento. Você, que nem me conhecia, arrombou a porta e me puxou, expulsou as pessoas assustadas e curiosas, despiu minha camiseta e colocou em mim a sua camisa azul. Eu ainda tenho a camisa. Eu ainda lembro do que te disse, os meus motivos, e ainda lembro que você tentou me consolar. Eu fiquei mortificada no dia seguinte, mas você entendeu sem me julgar.
   E assim seguimos, nos conhecendo, construindo confiança, rindo, bebendo até cair, quase chorando às vezes, ouvindo um ao outro; e com o passar do tempo, melhores amigos, desafiando um ao outro, ora artisticamente, ora com comentários passivo-agressivos. Você sempre atrasado e eu sempre adiantada. Eu querendo te abraçar forte, e você se desvencilhando dos meus braços muito rápido. Isso nunca mudou, nem com os anos de amizade. E toda vez que nos abraçamos eu me pergunto, com mágoa, por que você se afasta tão rápido. Eu te olho abraçar outras pessoas e são abraços demorados. Abraços como abraços devem ser.
   Vieram outras amizades — para você, e eu me tornei figurante. Eu não sei mais o que acontece na sua vida. Você também não sabe o que acontece na minha.
   Em algum momento nós desconstruímos a confiança e o riso ficou mais fraco e paramos de beber juntos. Só eu caía, você ficava em pé a noite inteira. Eu chorei, você eu não sei. Nossos desafios deixaram de ser ligeiramente agressivos e se tornaram abertamente tóxicos. Nós não sabemos porque continuamos. Você me pergunta o que eu quero de você, porque não o deleto como faço com todos, e eu não sei responder. É que eu te amo. Às vezes.
   Mas não consigo deixar de sentir que não pertenço ao seu mundo de pessoas inteligentes e interessantes e bonitas; atores, modelos, artistas plásticos, fotógrafos e músicos.... e gin e tônica e coisas sofisticadas. Eu não consigo deixar de sentir as coisas deslizando para bem longe do meu alcance. Eu não consigo sua atenção, uma resposta, reciprocidade. Quando nos encontramos eu não te sinto empolgado por me ver. Como se não importasse. Às vezes eu te amo muito, e às vezes te amo quase nada.
   Você cresceu, e eu permaneci pequena. Você foi a lugares, eu continuei parada. O número 42 não está mais lá, nem mesmo com a porta fechada para que eu fique apenas olhando. Eu nem sei onde você mora mais. 
   Então esse ano eu não fiz montagem engraçadinha e nem textão. Eu te mandei uma mensagem breve, disse que te amo. Você não respondeu. Você quase nunca responde. Sempre correndo.
   Mas tudo bem, não é por isso que você vai ter um aniversário menos emotivo. Outras pessoas te mandaram montagens e textões, seus novos melhores amigos e os antigos que você, de alguma forma, conseguiu tempo para manter.
    Feliz aniversário. Eu te amo?

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Danillo, eu não odeio tudo!

   Estava andando de ônibus hoje, sentada à janela, quando passou ao meu lado um fusca lindo, conservadíssimo, vermelho. Com o coração cheio de amor, pensei: "eu gosto tanto de fuscas!".
   E lembrei do Danillo, que vive zombando do meu ódio por todas as coisas. Ah, é mais fácil dizer o que você não odeia! Ah, novidade você odiar alguma coisa! 
   Comecei a pensar nas coisas que eu gosto. Às vezes até eu me convenço que odeio tudo e todos, e de repente, vem o fusca.
 Eu gosto de fuscas. Gosto de fuscas vermelhos. Batom vermelho, roupa vermelha, esmalte vermelho, gosto de sangue. Gosto de mãos, gosto de veias, gosto de quando não faz nem frio e nem calor. Gosto do cheiro de dama-da-noite trazido por uma brisa suave quando eu estou deitada sob a minha janela. Eu gosto de deitar sob a minha janela. Gosto de ver o céu, mesmo quando faz sol. Mas gosto ainda mais do céu estrelado. Gosto muito da Lua. Gosto de dormir à tarde, gosto do canto dos pássaros à tarde, do som de crianças brincando, ao longe, à tarde. Gosto do pôr-do-sol. Nunca vi o pôr-do-sol do alto de uma montanha, mas sei que gosto de ver o pôr-do-sol do alto de uma montanha. Gosto de ver o pôr-do-sol acompanhada. Gosto da ideia de que agora mesmo, em outro ponto da linha do tempo, eu estou vendo o pôr-do-sol no alto de uma montanha, acompanhada. Gosto do silêncio da madrugada. Gosto de ficar em silêncio. Gosto de ficar em silêncio acompanhada, nesses momentos em que um invade o pensamento do outro. Gosto de beijo na testa, beijo nos olhos, beijo no rosto. Gosto de lamber dedos. Gosto de selinho. Gosto de beijo lento e de beijo apaixonado, desde que eu goste de quem está com a boca na minha. Gosto de deixar marca de batom. Gosto de pintas e cicatrizes. Gosto de marcas de nascença. Gosto que me leiam em braile. Gosto que me entendam profundamente, ou se esforcem muito para entender. Gosto daquele primeiro momento da paixão, em que tudo o que a pessoa faz é incrível, mesmo o que normalmente eu odiaria. Gosto que respondam minhas mensagens de prontidão, não por obrigação, mas porque estavam pensando em mim. Gosto de mensagens longas, mesmo que o assunto seja bobo. Gosto de conversar sobre coisas complexas que não fazem sentido nenhum. Gosto de gente que me faz rir até perder o fôlego, e que me deixa sorrindo tanto que a minha mandíbula começa a doer. Gosto quando riem até perder o fôlego comigo. Gosto quando a pessoa saca que eu tenho mais de um tipo de risada, e o que cada uma delas significa. Gosto de ser chamada de princesa. Gosto quando escrevem o meu nome com o seu devido acento. Gosto de gostar de uma pessoa a ponto de chamá-la de "meu bem". Gosto de conversar com plantas. Gosto de gente inteligente que não acredita que é inteligente (de verdade). Gosto de ouvir pessoas inteligentes falando sobre coisas inteligentes, mas sem pretensão alguma, só por uma necessidade genuína de compartilhar informações. Gosto dos mais variados tipos de inteligência. Gosto de quem escreve certinho, mas gosto de quem respeita quem não consegue escrever certinho. Gosto quando eu estou falando com alguém e a pessoa me olha como se eu fosse o centro de seu universo, mesmo achando isso intimidador. Gosto quando eu dou uma recomendação de algo que gosto e a pessoa aceita a recomendação. Gosto de cheiro de terra molhada, gosto de tomar banho de chuva, gosto de sentir grama molhada sob os meus pés. Gosto de gota de orvalho. Gosto de estátuas. Gosto de ir ao museu sozinha, em dias menos movimentados. Gosto de colecionar panfletos de exposições. Gosto de colar pôsteres e cartazes nas minhas paredes. Gosto de ouvir a voz de algumas pessoas assim que elas acordam. Gosto de ouvir a voz de algumas pessoas assim que eu acordo. Gosto quando as pessoas se deixam ficar vulneráveis comigo. Gosto de quando conseguem quebrar minhas barreiras. Gosto de cheiro de tinta, de cheiro de leite quente e do cheiro do vapor que sobe do ferro de passar roupa. Gosto de cheiro de roupa nova e tênis novo, e de pessoas que acabaram de chegar. Gosto do conforto de roupas velhas e tênis velhos e pessoas que estão há muito tempo. Gosto de ter uma caneta na bolsa para não ter que sair correndo, esbaforida, antes que a ideia desapareça completamente. Gosto de correr esbaforida, com a cabeça cheia de ideias. Gosto de não ter papel na bolsa, e escrever minhas ideias nos meus braços ou atrás de cupons fiscais. Gosto de flores e de galhos que caíram sozinhos. Gosto de frutos tirados do pé. Gosto que me deem plantas vivas. Gosto de chokito. Gosto de chocolate branco com cookies. Gosto de bis. Gosto de pizza, não importa o sabor e nem o dia da semana. Gosto de comida amanhecida. Gosto de sorvete com sucrilhos e bolacha wafer. Gosto de batata! Gosto de gente sem requinte e sem frescura. Gosto de cerveja estupidamente gelada num dia de muito calor.  Gosto de beber cerveja acompanhada. Gosto de gente que faz o que quer. Gosto de quem não se intromete no que faz o outro feliz, especialmente quando isso não lhes afeta em nada. Gosto de drogas: diazepam, amor. Gosto de quando o whisky deixa o meu nariz dormente. Gosto do barulhinho da máquina de tatuagem, e de sua vibração, especialmente no peito, pescoço e garganta. Gosto das bolinhas de sol que passam pelos buraquinhos do meu telhado de barro e se instalam na minha parede. Gosto de pintar as unhas de preto. Gosto de chupar gelo. Gosto de água. Gosto das minhas pernas e das minhas coxas, e gosto quando quem eu gosto gosta das minhas pernas e das minhas coxas. Gosto da maciez das minhas pernas quando eu as depilo. E gosto de puxar os pelos das pernas dos outros. Gosto da cor dos meus olhos. Gosto dos meus cabelos. Gosto quando memorizam as minhas pintas. Gosto de olhos pretos e olhos castanhos, de olhos de crianças, de olheiras. Gosto de bebês. Do cheiro de bebês, da inocência de bebês, da bagunça de bebês. Gosto de pés de bebês. Gosto do ato da amamentação. Gosto de entrar num sebo ou livraria sem hora de sair, e ficar passeando com meus dedos pelos livros das prateleiras, lendo os títulos, um a um, e de retirar esse ou aquele para ler a sinope. Gosto do susto de encontrar algum autor que gosto muito no meio das prateleiras, e da satisfação de ver que o preço do exemplar cabe no meu bolso. Gosto de cheiro de livros, novos ou usados. Gosto de sentir a textura dos livros. Gosto de livros com dedicatória de décadas atrás, e de imaginar como era a vida daquelas pessoas e como elas puderam se desfazer de um livro que ganharam. Gosto de não dar nada por um livro, e acabar arrebatada por ele. Gosto de ler os meus livros preferidos de tempos em tempos e ver como eu mudei. Ou que eu continuo a mesma. Gosto de ir a cemitérios. Gosto de ir a enterro de estranhos e analisar a reação das pessoas. Gosto de pessoas que dizem exatamente o que pensam. Gosto de pessoas que agem de acordo com o que dizem. Gosto de pessoas que chegam na hora. Gosto mais ainda das que chegam adiantadas, porque eu quase sempre chego também. Gosto de pessoas que se preocupam com os sentimentos dos outros. Gosto de all star. Gosto de conhecer novas músicas que vão direto para a alma. Gosto de recomendar músicas e que elas acabem dentro da alma das pessoas também. Gosto de ouvir música bem alto, e cantar bem alto. Gosto de Caravaggio. Gosto de lavar os cabelos. Gosto de lepidópteros. Gosto de quando borboletas pousam em mim. Gosto de estudar o que eu gosto. Gosto da empolgação que me domina quando eu crio um interesse novo. Gosto de judeus. Gosto de inglês. Gosto de português. Gosto de palavras. Gosto quando alguém me mostra algo que escreveu e o texto é bom. Gosto quando leem as coisas que eu escrevo e comentam algo além de "muito bom". Gosto de acordar tarde. Gosto de Liga da Justiça, Tarzan e X-Men. Gosto de assistir filmes que explodam minha cabeça. E de filmes ruins. Gosto de séries antigas, e algumas novas. Gosto de lápis de cor faber-castell. Gosto quando me desenham. Gosto de quando quem eu gosto diz que eu sou linda. Gosto de quando quem eu gosto me chama de gostosa. Gosto de relembrar meus dias de glória na escola Benedito Calixto. Gosto quando a coca-cola rasga a minha garganta. Gosto de Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa e Florbela Espanca. Gosto de poetas que ainda não foram publicados. Gosto de fazer bolinhas de sabão. Gosto de glitter. Gosto de algodão doce. Gosto de ver coisas nas nuvens e nos azulejos. Gosto de homem com barba por fazer. Gosto de homem com camiseta regata. Gosto do som de mulher gozando. Gosto de montar árvore de natal. Gosto de suco de cenoura, laranja e gengibre. Gosto das crianças que são subestimadas pelos pais, professores ou sociedade. Gosto de abraços demorados e apertados, de sentir o corpo das pessoas contra o meu. Gosto de ficar só de camiseta e calcinha. Gosto de andar descalça. Gosto de sair na rua de pantufa. Gosto do Batman. Do David Bowie, do Albinoni e do Eminem. Gosto de demonstrações públicas de afeto. Gosto quando as pessoas mudam para melhor. Gosto de festas juninas. Gosto de animais livres e selvagens. Gosto de buracos negros. Gosto do Gary Oldman, do Adrien Brody e do Christian Bale. Gosto de Buffy e Angel. Gosto de pessoas que não usam perfume. Gosto de armações de óculos diferentes. Gosto de árvores. Gosto de abraçar árvores, embora só o faça quando não tem ninguém olhando. Gosto de elogios sinceros. Gosto de pessoas verdadeiras. Gosto de morder quem eu gosto. Gosto de ler prontuários médicos. Gosto de ver a bondade em suas formas mais puras, porque ela aparece de forma tão rara... Gosto de paredes pichadas com frases contestadoras. Gosto de quem questiona tudo. Gosto de trilha sonora. Gosto de fotografias antigas. E post-mortem. Gosto de guardar coisas na minha lata de lembranças. Gosto do meio do mato. Gosto de ventania. Gosto de pessoas bizarras. Às vezes, eu gosto de mim. Gosto de uma série de coisas que ainda nem sei... 
   Ah, e eu gosto de você, Danillo! Seu malk chato!

sábado, 19 de março de 2016

mãe... pai... etc

    Eu, como tantos outros nesse mundão de filho da puta, fui criada para achar que tem algo errado comigo. Não existe nada, repito, nada com maior capacidade de foder o mundo do que pai e mãe. Os meus me foderam, e eu fodi tantas coisas em consequência, que o mundo é um pouco pior do que seria se eu não existisse. E por isso, com o coração sangrando, declaro aqui e não voltarei atrás: não vou ter filhos.
    Eu tento, tento, tento, tanto ser diferente dos meus pais, mas o tempo todo me pego sendo uma cópia deles. Ainda não tão dura, mas dizem que a prática leva a perfeição. E eu não quero ser meus pais. 
   Algumas pessoas simplesmente não nasceram para ter filhos, e infelizmente sou uma dessas pessoas, porque estou presa para sempre no ciclo de confusão e ódio da minha família. E nisso não me refiro exclusivamente aos meus pais: minha família no geral, até onde consegui rastrear, é completamente surtada e sádica. Meus avós e meus tios também fazem parte do pacote da fodeção mental que foi a minha existência até agora. Desde o simples descaso, ser sempre a preterida, até ser trancada no porão, aterrorizada psicologicamente, levar surras constantes, ser impedida de usar o banheiro (trancado a chave) e uma longa lista de etc. A desculpa deles: "meus pais foram piores comigo".

  Tanto meu pai quanto minha mãe têm doutorado na arte da manipulação. Eles chantageiam, torturam, mentem, e ainda nos fazem sentir como os inadequados. Isso sem deixar grandes marcas físicas, sem evidências de tais abusos, e sem possibilidades de reclamar, porque existem pais piores. Existem os que abandonam os filhos numa lixeira e nunca mais olham para trás. Diante disso meu caso fica muito fraco, o júri inocenta meus pais.
"Eu sou inteligente, você é burra
Eu sou grande, você é pequena
Eu estou certo, você está errada"
   O que é um pai que não vai à sua formatura do ensino fundamental, que não aparece no lançamento do seu livro, que te pressiona para pegar empréstimos bancários e suja seu nome, que grita que você é uma idiota, que não agradece por você trabalhar quase de graça para ele (...) perto de um pai que te joga no lixo ou um que te passa uma IST durante o ato sexual forçado? De fato, meu pai não me bate há exatamente uma década. De fato, em outros momentos da vida ele encheu meu rabo de dinheiro. Mas na minha casa não há abraços, não há palavras de incentivo, não há preocupação além daquilo que não o beneficia.
Eu tinha 10 anos. O Junior 9, e o Felipe 7.
   



Minha mãe era do tipo que mandava cartinhas em momentos de ódio, mesmo que você estivesse morando com ela. E ela esquece tudo que não lhe interessa lembrar, como o real motivo de ter me expulsado de casa quando eu tinha nove anos (meses antes da carta ao lado). Ela não acredita quando digo que seu irmão abusou sexualmente de mim por anos, começando quando eu tinha seis. E, como qualquer pessoa que me conhece sabe, ela costumava usar a mim e aos meus irmãos como sacos de pancada para aliviar seu estresse. Mas ao menos ela não me jogou na privada de um banheiro. Ao menos ela não me prostituiu para comprar crack. Referência para o futuro: na carta que segue ela era apenas dois anos mais velha do que eu sou agora. Gosto de pensar que eu não escreveria uma carta dessas para meu filho de 10 anos.
   Meus pais são passáveis.  Como a minha, existem milhares de outras histórias
"Eu me arrependo de ter tido filhos, bjs"
   Outras pessoas gostariam de ao menos ter pais. Não importa se eles fossem doidos varridos, se saíssem na mão no meio de uma avenida e os ônibus, carros e passantes parassem para ver a cena enquanto você e seus irmãos gritavam e choravam desesperadamente. Eles só queriam ter a quem chamar de "mãe", de "pai". E eu sou ingrata. 
   É muito difícil entender que eu sinta inveja de primos, de amigos? Eu sempre vivi à sombra de pessoas felizes. Quando eles me contam que seus pais o apoiaram, em qualquer aspecto que seja, prendo a respiração por uns segundos, tentando conter a tristeza que se manifesta mais na boca do estômago do que no peito. Por que eles podem ter isso, e eu não? Cadê minha foto com meus pais atrás de mim na formatura  que não tive do ensino médio? Por que minha mãe não pode ser minha melhor amiga? Porque eu não tenho com quem contar? Por que meu pai não vai me buscar à noite no ponto de ônibus? Por que eles não se importam? Por quê?!
   Se seus pais morrem, se você é abandonado, você é chamado de "órfão". Mas qual o título que você recebe quando tem pais, eles estão ali, mas não no sentido emocional?
   E agora vem a pior parte: muitos dos meus amigos vivem repetindo que a minha família inteira é um lixo, que só tem filho da puta. E eu concordo (eles não dizem, mas eu sei: também sou uma filha da puta). Eles dizem que eu merecia melhor. Mas — muitos deles — agem como se eu não merecesse, ao me tratar apenas menos pior do que a minha família me trata. Eles também me manipulam, também me chantageiam, também me ignoram. Também me fazem sentir que tem algo errado comigo.
   O que há de errado comigo?

...

quinta-feira, 10 de março de 2016

registro

Quando a pessoa te conhece, te conhece.


Ele: 
quase perguntei se você está bem 
Eu: 
e por que não perguntou? haha 
Ele: 
você nunca está bem 
Eu: 
eu nunca ESTAVA bem. 
Ele: 
(...) e se dissesse que está agora, não adiantaria muito 
Eu: 
por que não? 
Ele: 
porque eu não acreditaria 
Eu: 
e se houvessem circunstâncias? 
Ele:
sempre há 
deixe-me ver o seu perfil no facebook 
"os seres humanos me assombram" 
é você mesma xD