segunda-feira, 10 de setembro de 2018

fumaça

   As coisas invariavelmente começam como se nada estivesse acontecendo. É simples assim. Você não é ninguém pra mim, e eu não sou ninguém para você. Bate até um desconforto, de tanta mensagem chegando, e do impulso de respondê-las. Te vejo como um todo — um amontoado de características. Um homem como qualquer outro. 
    Mas aos poucos... O papo passa do morno para o muito quente — a sensação é, ao mesmo tempo, sufocante e deliciosa, como são as melhores coisas. Palavras bem aplicadas, surge a identificação. Você entra na minha cabeça. Forjamos a conexão... 
   ... Talvez seja por hábito, que nós fazemos essas coisas. Continuamos, porque a opção é o vazio. O nada perde espaço, se torna alguma coisa... Dez minutos já não são o suficiente. Eu quero mais, quero todos os seus minutos e todos os seus pensamentos. 
   Vou isolando suas características, passa a me agradar o que sinto e o que vejo. Pintas, olhos, dedos. Desejo. O jeito que os seus lábios soltam a fumaça... 
   Sozinha na minha cama, fantasio, ao som de Portishead, sobre o seu cheiro. Sobre sua voz, a textura da sua pele... a temperatura do seu abraço. Fico imaginando o tom do seu gemido. Tudo em você é meio encenado...
   Quando noto, você está sob a minha pele. Meu ser anseia por você. A mais inocente lembrança da sua existência eriça todos os meus pelos. O meu coração descompassa, o meu cérebro fica dormente. O seu nome encharca a minha calcinha...
   É tudo muito breve, as coisas são intensas. Mas eu descobri, ao longo da vida, que intensidade é algo que não dura...
    É brutal, a porrada que atinge o meu estômago. O sentimento é um raio atravessando o meu corpo repetidamente. Meu coração ganha mais um remendo. O buraco no qual venho caindo fica mais profundo.
   E de repente, são cinco horas da manhã. Eu fumo meu primeiro cigarro em muitos meses, para me sentir mais perto de você. Olho suas fotos, revivendo as palavras, e penso no absurdo das coisas. Há pouco tempo você nem existia. 
   O fluido transparente escorre pelas minhas coxas, enquanto você dorme com ela.
   Solto a fumaça.